Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Um tipo incomum

Afrodescendentes com seus cabelos black power fazem parte da receita de qualquer novela que quer ter sucesso hoje em dia. Ainda assim, é surpreendente ver negros na televisão. Mesmo em meio a tantas campanhas contra o preconceito racial – como a das bananas – que pregam a igualdade, a sociedade sabe muito bem que a realidade é outra: não somos todos iguais. Ou, pelo menos, não nos tratamos como se fôssemos.

É por essas e outras que deparar com um tipo como Manoel Soares choca, surpreende. De cara, percebe-se que ele é uma figura incomum. Um repórter negro, que gradualmente tem conquistado seu espaço de destaque no telejornal mais popular da RBS TV, afiliada da Globo no Rio Grande do Sul – o Jornal do Almoço. Basta falar de comunidade, de periferia, de povo que lá está ele: traduzindo, como ninguém, a voz de quem mais precisa ser ouvido, das pessoas que sofrem com a violência, dos grevistas que querem garantir seus direitos, dos pais que não aguentam mais não ter escolas prontas para receber seus filhos.

Suas longas tranças rastafári e seu talento peculiar são um diferencial que formam um time de características perfeito com a naturalidade com que desenvolve suas pautas. “Como é saber que o professor, de repente, pode invadir sua ‘baia’?”, perguntou a uma aluna de uma escola porto-alegrense cujos docentes envolvem-se na vida da comunidade e frequentam a casa dos estudantes. “Vocês resolveram conhecer a quebrada, então?”, concluiu, enquanto entrevistava uma das professoras integrantes do projeto. Um linguajar, com certeza, incomum no meio televisivo. Mas, que, com mais certeza ainda, comunica-se perfeitamente com o telespectador.

Talento se sobrepõe a qualquer preconceito

Tanta intimidade com os gaúchos que estão do outro lado da tela chega a pôr em xeque a informação de que Manoel, na verdade, nasceu na Bahia. É soteropolitano, por incrível que pareça.

O profissional está de parabéns por seu desempenho. Sabemos que, com todas as conquistas que o povo negro tem acumulado ao longo da história, todo avanço continua muito bem-vindo. E, como se pode notar, não são apenas os colegas de cor de Manoel os beneficiados. Todo o Rio Grande do Sul ganha com isso. E alguém pode perguntar: “Por quê? Apenas porque ele é negro?” Não. Mas porque sua negritude tem sido respeitada a ponto de provar que seu talento se sobrepõe a qualquer preconceito.

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Taís Brem é jornalista, Pelotas, RS