Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

‘Dancin’ Days’ traz o retrato de uma época

Assistir a novelas antigas é, também, fazer um estudo sobre um determinado período de tempo. Por ser novela – e não apenas um estudo – não existe um comprometimento em retratar ou descrever academicamente esse ou aquele tema. A época vai sendo naturalmente exposta numa ou outra cena. E pronto! Está ali toda uma geração, com seus costumes, interesses e conflitos.

Dancin’ Days, novela de Gilberto Braga, de 1977, reprisada no canal por assinatura Viva, nos traz tudo isso. O Rio de Janeiro do final dos anos 1970. A Copacabana desta época, as roupas, os relacionamentos – afetivos, familiares e profissionais – as ambições, preconceitos e, é claro, as gírias. Muitas gírias! Afinal, a novela era um troço legal pra burro. Bacana pra chuchu!

As pessoas não tinham medo umas das outras. Conversavam e davam telefones e endereços sem receio. Endereços físicos e não eletrônicos, que fique bem claro. Se passeava no calçadão de Copacabana de madrugada sem perigo e se convidava amigos de amigos, recém apresentados, para morar na casa em que viviam com a família sem preocupação. Afinal, as pessoas eram gente pacas!

E como se fumava! Fumava-se muito. Nos quartos de dormir, nas mesas de refeição, ao lado de bebês, todos fumavam: jovens, adultos e idosos. O cigarro era quase um meio de integração social, como se as filhas fumando enquanto conversam com o pai, os tornasse mais próximos. Afinal, eles tinham alguma coisa em comum.

Naturalmente belos

A estética se resumia nas pessoas serem apenas… elas mesmas! Cada ator ou atriz era diferente do outro. Não tinham todos a mesma fisionomia, com botoxes e plásticas, tentando manter a aparência dos vinte anos, apesar de já terem passado dos sessenta. Em Dancin’ Days as pessoas tinham rugas, as mulheres tinham barriguinhas – naturais e charmosas como convém a uma mulher de verdade que não tem 50% do seu corpo de borracha –, os cabelos não eram alisados artificialmente, nem as sobrancelhas eram desenhadas milimetricamente. Os dentes não eram impecavelmente alvos, eram dentes de pessoas apenas… normais!

A recente emancipação feminina é vastamente discutida em papéis de moças, entrando em atrito com a geração de suas mães, por desejarem mais do que um casamento para se realizar. Elas queriam trabalhar, ter uma profissão, ser independentes financeiramente. Claro que os atritos se estendem também para seus parceiros, que não aceitam suas mulheres fora de casa, em vez de os aguardarem no aconchego do lar arrumado e com o jantar na mesa.

Elas conseguiram sua alforria, isso ninguém discute. Mas será que estão satisfeitas? Será que poderiam prever qual seria o resultado de toda essa luta, lá pelos anos 2000? Aquelas jovens retratadas na novela imaginavam o quanto seriam cobradas no futuro por terem queimado seus sutiãs no passado? Imaginavam que precisariam ser profissionais bem-sucedidas, mães superdedicadas, amantes muito calorosas e ainda ter o corpo perfeito para serem aceitas na sociedade que elas tanto desejaram modificar?

Barra x Zona Sul

Outra coisa interessante retratada na novela é o início da especulação imobiliária, que levou parte dos moradores da Zona Sul do Rio de Janeiro para a Barra da Tijuca. Em um dos “núcleos ricos” da trama, a esposa – nascida e criada em um casarão construído pelo pai em Copacabana – se recusa a mudar para a Barra, desejo do marido que já não aguenta o aumento da quantidade de pessoas, carros e barulho no bairro. Em outro núcleo, esse de classe média, uma das jovens trabalha incessantemente com o objetivo de pagar as prestações do apartamento, em construção, na Barra da Tijuca, onde pretende morar o resto da vida. Afinal, a Barra era o futuro!

A praia era o programa certo do fim de semana. Não se discutia outra possibilidade. Se fazia sol, todos estavam lá, sem medo da camada de ozônio. Se a noite estava estrelada, iam dormir cedo para ir à praia no dia seguinte. A primeira pergunta que se fazia ao ser apresentado para alguém era “onde você pega praia?” em vez de “você tem Face?”. Conversar ao ar livre e de frente para o mar era mais interessante do que teclar fechado em um cômodo.

Desperdiçar um dia de sol era uma perda irreparável. Lá se encontrava os amigos – sim, existia a “turma da praia” – se fazia novas amizades e, claro, encontrava um possível par romântico. Conheciam-se de dia para, à noite, irem dançar nas discotecas. Afinal, Dancin’ Days trouxe esse estilo musical para cá e, com ele, toda uma indumentária característica. Cafona? Pode-se dizer que sim. Mas irresistível. Quem foi adolescente nos anos 1970 e não saiu para dançar de meias lurex e top de lastex que atire a primeira pedra.

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Leila Sarmento é jornalista