Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

O jornalismo e os modos de vida

O Jornal Nacional exibiu, em 2 de agosto, reportagem com Reginaldo Leme pilotando um stock car no autódromo internacional de Goiânia (GO). Foi a primeira vez, em 35 anos cobrindo a categoria, que o comentarista teve a oportunidade de sair da cabine de imprensa para acelerar na pista. Leme vestiu-se de piloto e guiou o carro de Popó Bueno por cinco voltas no autódromo. Na volta aos boxes, declarou: “Você passa a dar mais valor para eles (pilotos) ainda. Se eu fiquei aqui 10, 15 minutos, apertado, andando sozinho na pista, imaginem eles andando numa corrida de 50 minutos.”

A experiência do comentarista poderia ser vista como mais uma questão de teoria versus prática, que no jornalismo costuma criar um fosso entre teóricos e profissionais do mercado. Mas, por ora, levemos em conta um olhar de Hannah Arendt (1906-1975).

No livro A Condição Humana (1958), a pensadora alemã discute sobre os modos de vida ativo e contemplativo. O primeiro deles, observa a autora, é considerado inferior desde o mundo antigo:

“A vida ativa recebeu sua significação da vida contemplativa; foi atribuída a ela uma dignidade muito restrita. O cristianismo, com sua crença em um além, cujas alegrias se anunciam nos deleites da contemplação, conferiu uma sanção religiosa ao rebaixamento da vida ativa.”

Arendt acrescenta que ninguém pode escapar da vida ativa:

“Asuposição tradicional diz que a contemplação é uma ordem superior à ação, e que toda ação é um meio cujo fim é a contemplação. É possível para os seres humanos passarem a vida sem contemplar, mas ninguém pode permanecer em estado contemplativo o tempo todo.”

Um prazer

Para a pensadora, a vida ativa está ligada a três atividades humanas fundamentais: o trabalho (atividade de penas e fadigas corporais que nunca termina enquanto durar a vida), a obra (atividade pela qual produzimos um mundo de objetos à disposição) e a ação (um lembrete que diz que, embora tenha que morrer, o homem não nasceu para morrer, mas para criar algo novo).

Voltando ao jornalismo, algumas perguntas que ficam são: onde estaria a vida ativa? Nas redações? E a vida contemplativa, por onde anda? Nas universidades? Esses dois modos de vida acrescentam algo ao jornalismo?

Reginaldo Leme se empolgou com o motor stock e acabou rodando em uma das curvas do autódromo de Goiânia. Mas deixou claro que gostou da experiência, apesar dos riscos: “Foi um grande prazer na minha vida. Espero fazer mais, e logo.”

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Jeferson Bertolinié repórter e doutorando em Ciências Humanas