Wednesday, 24 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Graça sem graça

Mais de 60 mil pessoas já curtiram a ideia e para lá de 260 mil compartilharam. Embora não oficial, o movimento de uma fanpage chamada Mussum Sinceris propôs numa postagem, dia desses, que reprises do programa Os Trapalhões (que passou naGlobo entre 1969 e 1994) substituam o humorístico Zorra Total, nos sábados à noite.

A bem da verdade, nunca conheci uma pessoa sequer que goste realmente do Zorra, que ria daquelas piadas sem graça, que ache que aquilo deva continuar no ar. A estatística que mostra a quantidade de gente que apoia a saída da atração da grade de programação da Rede Globo, por si só, poderia comprovar isso. Mas, levando em conta que é “apenas” uma propostafacebookiana, restrita aos usuários da rede social, há que se ter certo cuidado.

O que se sabe mesmo é que fazer rir, de verdade, está cada vez mais difícil. E isso, obviamente, não se restringe à emissora de maior audiência no Brasil. A Globo é somente mais um exemplo. O SBT é outro, com seu maior representante do gênero – A Praça é Nossa, criado na década de 1950 e no ar até hoje –, igualmente deficitário em termos de irreverência de qualidade. Em ambos os programas, os tipos são caricatos demais, os atores que os interpretam não têm, sequer, o domínio de controlar as próprias risadas enquanto encarnam os personagens e os textos são sofríveis. O pior é que essa tendência tem invadido outras atrações. As novelas, por exemplo. É óbvio que não é de hoje que os escritores incluem no elenco personagens com uma dose de humor – ninguém aguentaria apenas dramalhão nos folhetins. Mas, o que é Cláudia Raia naquele desespero interpretando a paranormal de Alto Astral? E Paulo Betti, com seu jornalista exageradamente gay emImpério? Aguinaldo Silva declarou que está orgulhoso da atuação de Betti e não consegue vê-lo encarnar Téo Pereira sem gargalhar a milhões. Eu, como telespectadora, posso estar totalmente fora do padrão, mas discordo dele – a expressão “vergonha alheia” é a única que melhor define o que sinto quando os assisto.

Sílvio Santos diria que se o povo gosta desse tipo de atração, por mais sem graça e bizarra que seja, é isso que o povo vai ter. Afinal, se a audiência está garantida, o resto é mero detalhe. Os intelectuais, por sua vez, diriam que isso é menosprezar a inteligência do povo.

Talvez a Globo esteja testando a aceitação de programas mais antigos com ações como a aplicada no Vídeo Show, há alguns meses. Quem acompanha o programa já percebeu, com certeza que todo santo dia, após a saudação de Otaviano Costa, quem toma as rédeas é o clássico personagem de Chico Anysio, o Professor Raimundo, com sua Escolinha. Seria esse um sinal de que, a qualquer hora, podemos ser surpreendidos com o imortal quarteto de volta à telinha? Só revendo os episódios para saber se valeria a pena. À época da exibição original, Didi, Dedé, Mussum e Zacarias faziam até o poeta Carlos Drummond de Andrade parar em frente à televisão. E isso não me parece pouca coisa. Pelo menos, poderíamos esperar programas um pouco melhores.

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Taís Brem é jornalista