Tuesday, 16 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1283

Barrigas, clichês, decepção e surpresas: o raio-X da novela

Desde o dia 4 de agosto, o moçambicano Rui Vilhena emplacou sua primeira novela na Globo, tendo já emplacado outras em Portugal, até com relativo sucesso. Sua primeira obra por aqui, Boogie Oogie, contou com 185 capítulos, e grande parte deles marcados pelo excesso. Excesso de repetição. Com uma premissa piegas, a de trocar bebês na maternidade, o autor garantiu história pra contar até o último capítulo, mas com o estica daqui e puxa dali, acabou se perdendo por vezes na condução da história, o que comprometeu seu andamento, já que seu arrasto beirou o patético com tantos capítulos semelhantes.

Dos 185 capítulos, em ao menos em 186 pudemos ouvir “troca de bebês” e o “segredo da Carlota”, fato este que, quando revelado, causou certa decepção, já que se criou uma dimensão estratosférica em torno dele. Não que roubar diamantes de uma coleção feita para Carmen Miranda seja algo banal, mas pelas repetições excessivas desse tal segredo a todo instante, esperava-se mais. Crimes mais cruéis ou brutais. Nada disso.

O autor optou por não retratar politicamente o Brasil naquele ano de 1978. Apostou numa história mais água com açúcar, onde o verdadeiro protagonista foi o amor (e o ódio). Uma história de amor (e de ódio, claro). No entanto, os ditos “vilões” Pedro (José Loreto) e Vitória (Bianca Bin) passaram todos esses 185 capítulos correndo atrás de seus amados Sandra (Ísis Valverde) e Rafael (Marco Pigossi), respectivamente.

Aliás, Pedro sequer teve uma cena amorosa com Sandra durante toda a novela. O que houve foram apenas lembranças dos personagens e fotos. Nada que justificasse tamanha obsessão a não ser pelas palavras ditas por ele. Ao contrário de Vitória, que chegou a ficar noiva de Rafael, com um pedido de casamento cinematográfico no primeiro capítulo.

A história andou em círculos

É bem verdade que Vitória teve seus lapsos humorísticos e a menina Cláudia (Giovanna Rispoli) não ficou atrás. Para falar a verdade, a grande válvula de escape da trama nesse sentido, a veia cômica, veio por parte de Cláudia com suas tiradas que deixavam qualquer adulto sem resposta. Peralta e com uma resposta na ponta na língua, Giovanna roubou a cena e representou brilhantemente uma pré-adolescente dos anos 70, tirando até mesmo a vilã Carlota de seu eixo.

Este quesito poderia ser mais bem explorado com o personagem Vicente (Francisco Cuoco) que se sabotou com uma história de amor com Madalena (Betty Faria) sabendo que no fundo não daria em nada. Frases até de efeito foram usadas, mas Cuoco poderia ter rendido muito mais.

Foi difícil compreender a razão da existência do personagem Tadeu (Fabrício Boliveira). O rapaz apenas falava bonito, mas servia somente de escada para outros, não tendo utilidade alguma dentro da história. Parecia do elenco de apoio. Tadeu só ganhou força e alguma importância quando passou a se envolver com Inês (Deborah Secco), que também não teve grande relevância dentro de Boogie Oogie, sendo apenas a amiga chata de Suzana (Alessandra Negrini) avisando dos perigos de se vingar de Fernando (Marco Ricca) e das consequências que isso poderia trazer.

A história, embora clichê, era promissora, e a novela tinha um ritmo bastante interessante, mas em muitos momentos andou em círculos. Rui Vilhena não sabia o que fazer com o que tinha em mãos e, capítulo sim, e outro também, era uma gritaria na mansão dos Fraga com acusações de segredos, troca de bebês e tráfico de diamantes. Acabou se tornando um martírio acompanhar uma história que não se desenrolava e não dava pistas de quando as coisas sucederiam.

O Corvo na verdade era uma mulher

Trocando em miúdos, um ritmo alucinante contando sempre a mesma coisa.

Uma história paralela que insultou a inteligência do telespectador foi a possibilidade de Paulo (Caco Ciocler) ser o pai de Vitória. A menina mudou ficou mais perdida que surdo em bingo tamanha era as trocas de pais que teve. Ora Fernando, ora Elísio (Daniel Dantas) e Paulo…

Foram até os Estados Unidos fazer um exame que era uma novidade na época, aquele tal do DNA. Quando chegaram, o resultado era de que Paulo seria o pai de Vitória. Que nada. Semanas depois foi descoberto que ele era estéril. Não convenceu. Um grande buraco no meio da trama sem uma explicação verdadeiramente convincente. Como já disse em outra oportunidade na coluna Enfoque NT do Portal NaTelinha, Bianca Bin mostrou sua versatilidade ao interpretar uma dondoca com trejeitos, caras e bocas que lhe são peculiares. Veracidade impressionante e o grande papel foi dela.

Uma pena que seu final tenha sido solitário ao revelar-se que não era uma vilã de fato, e sim alguém que não media esforços para buscar um amor.

No país sem leis e da impunidade que vivemos, este denominado Brasil, parece que isso também está indo de encontro às telenovelas. Não que seja condenável, já que se trata de uma obra de ficção científica teoricamente. Mas é no mínimo estranho e temos que considerar a hipótese e questionar a razão dos maus se darem bem até mesmo na dramaturgia.

Durante boa parte de Boogie Oogie, falou-se num tal de “Corvo”, bandido famoso no Rio de Janeiro nas décadas de 1950 e 1960. Ninguém nunca tinha ouvido falar e juravam que ele era uma lenda. Carlota (Giulia Gam) sabia sua identidade. O Corvo na verdade era uma mulher, e pior: delegada. Ela atendia por Ágata (Pepita Rodriguez) durante seus momentos de cidadã e autoridade.

Um festival de amantes

Ágata estava envolvida até o último fio de cabelo com o roubo de diamantes feitos pelo conceituado profissional do ramo de joias, Renan Fischer que desenvolveu exclusivamente para Carmen Miranda. Grande parte dessas joias ficou com Carlota. Mas, conforme a história foi avançando e Carlota perdendo o controle dessas pedras preciosas, surgiu outro enigma: quem era o tal atropelador? Todos que tinham em mãos esses diamantes morriam atropelados misteriosamente.

Homero (Osvaldo Mil) era um dos principais suspeitos, já que naquele roubo das joias na boate Vogue, nunca teve sua recompensa dada por Carlota. Homero é aquele típico malandro carioca dos anos 70, falando arrastado com uma camisa cujos primeiros botões da camisa eram abertos, tentando passar a perna em quem fosse. Devo ressaltar a boa representação do ator neste papel, que lhe caiu como uma luva, sabendo convencer o telespectador, embora também pudesse ser mais bem aproveitado.

No fim, ele foi pego tentando atropelar Vitória com a alegação de que era para dar um “susto” na moça, que prometeu entregar todas as joias à polícia. Do outro lado da rua, Ágata observou tudo e disse ao comparsa que ela mesma atropelou todos os outros, saindo impune da história. Detalhe: com parte das joias (que na verdade, eram falsas).

Depois de Fernando ter tido um harém num festival de amantes, Carlota se cansou e resolveu se vingar. Com Beto (Rodrigo Simas) na presidência da Vip Turismo, tudo se tornou mais fácil, mas a entrada da contadora Solange (Priscila Fantin) atrapalhou um pouco seus planos.

Trilha sonora foi um show

Deixando a empresa a beira de um colapso financeiro, Beto, que mais parecia um fantoche, tomou alguma atitude e “traiu” a própria mãe, deixando-o voar para fora do Brasil sem um tostão e Solange, que pensou que teria dado um golpe no patrão e “peguete”, saiu frustrada.

Beto teve um encargo de consciência e devolveu tudo que surrupiou, enquanto a mãe, Carlota, também não voou. Pelo contrário, foi até o túmulo de seu finado marido, o bandido Ivan para pegar as verdadeiras joias que escondeu por anos a fio. Debaixo da terra. Estava adivinhando…

Boogie Oogie foi um festival de clichês e barrigas ao longo desses 185 capítulos, com destaque para os atores bem escalados, direção afinada e a trilha sonora, que foi um show à parte.

Que venha Sete Vidas.

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Thiago Forato é jornalista