Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

A era das séries

O sucesso de séries como Lost ou Heroes, em suas várias temporadas, não representa somente a boa aceitação desses produtos, mas a renovação de um modelo de programa televisivo cuja adesão dos telespectadores foi substancialmente ampliada. Com a disseminação do consumo desse tipo de atração, vêm também as diversas possibilidades de acessá-la. A internet, em muitos momentos, tem ocupado esse papel de plataforma de acesso, função que antes era monopolizada pela televisão e posteriormente foi dividida com o DVD.

Ávidos pela fruição dos episódios, fãs de séries, em todo mundo, progressivamente utilizam a rede para baixar material, que, além de possibilitar a recepção dos vídeos logo após sua exibição na televisão norte-americana e antes dos muitos canais pagos que proliferam mundo afora, conta com a flexibilidade de horários. Os telespectadores assumem a prerrogativa de assistir no dia e horário que melhor lhes convém, através de downloads, independentemente do local, vantagem importante nestes tempos de múltiplos deslocamentos.

Softwares como TVGorge, que busca e faz a indexação de programas gratuitamente também para utilizadores de fora dos Estados Unidos, e Torrent Episode Downloader, capaz de encontrar e baixar automaticamente novos episódios diretamente a partir das opções escolhidas pelo usuário previamente através de RSS, são dois exemplos. É a facilidade que se adequa ao dia-a-dia corrido: enquanto se vai ao trabalho, por exemplo, o software executa operações para encontrar os episódios e deixá-los prontos para serem assistidos.

Discussões criam expectativa

A agilidade no processo disponibiliza o episódio na internet, até mesmo com legendas, apenas um dia após sua exibição nos Estados Unidos, devido ao desenvolvimento e disseminação de tecnologias como os programas de captura digital de sinais de televisão e sistemas de compartilhamento de arquivos via web. Fãs das séries com boa compreensão de inglês fazem as traduções, através de comunidades na rede. É uma atividade de grande alcance, baseada na produção voluntária, ofertando gratuitamente o material. Mas já existem pessoas trabalhando profissionalmente como tradutores, depois de terem mostrado sua atuação nessas comunidades.

A presença dos internautas não para por aí. Lost foi um bom exemplo de colaboração na construção do material. A série teve vários desdobramentos na internet. A discussão online dos episódios proporcionou que os produtores criassem jogos na rede com dicas e continuação de histórias. O que surgiu como alternativa virou hábito e, dependo da série, o número de downloads supera – e muito – o da audiência na TV. Heroes foi baixado 6,58 milhões de vezes, enquanto a audiência televisiva ficou em seis milhões, segundo dados do Torrentfreak.

Paulatinamente, as emissoras têm parado de ver a internet como concorrente direta e passado a também investir nesse mercado. Isso porque está comprovado que muitas pessoas as quais passaram a assistir a séries pelo computador nunca haviam visto pela televisão, tratando-se, portanto, de um novo público de adeptos. Além disso, as discussões online criam mais expectativa para os produtos. Lost teve médias de 131 milhões de posts online, com cerca de 127 milhões de leituras por mês via MediaWeek.

Anseio por criar sua própria programação

Mas não somente as emissoras e produtoras de conteúdos de TV estão de olho nesse mercado. Já estão sendo lançadas séries exclusivamente para a internet. A série Pioneer One, que se diz a primeira feita exclusivamente para a internet, teve boa repercussão. Segundo Josh Bernhard e Bracey Smith, produtores da série independente que montaram um sistema de doação na internet, o sucesso de downloads supera os investimentos. Um capítulo que custou US$ 6 mil conseguiu quase 500 mil downloads em uma semana. Assim, pessoas de todo o planeta estão doando.

Pioneer One é uma obra de ficção científica em que uma cápsula espacial cai nos EUA e o Pentágono acredita que seja uma relíquia soviética da época da Guerra Fria. Dentro dessa cápsula há uma criança que nasceu em uma ocupação secreta em Marte feita pela Rússia. Para seguir com a série, os criadores pretendem seguir arrecadando via internet, estando seus objetivos sendo alcançados. É um novo modelo de negócios para o financiamento do audiovisual, que remete a modelos tradicionais de contribuição espontânea por parte do receptor, ainda hoje presente em emissoras de rádio, especialmente católicas.

O movimento não está concluído, de modo que novas fortes mudanças no sistema de produção, distribuição e arrecadação de produtos audiovisuais estão por vir, com o telespectador cada vez mais manejando diretamente qual conteúdo quer assistir, no horário e da forma que mais lhe agrada. Talvez seja um anseio por uma autonomia de criar sua própria programação e consumi-la da maneira preferida, arcando até com os custos desse processo, como mostra o caso de Pioneer One.

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Professor titular no Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação da Unisinos; jornalista e mestranda no mesmo programa