Saturday, 20 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

A falta de crítica especializada

O blog do jornalista Daniel Castro, abrigado pelo portal R7, publicou em 13/01/2010 uma entrevista com Silvio de Abreu, autor da telenovela Passione, que afirma que ‘a crítica de TV no Brasil é despreparada’. Silvio de Abreu tem toda a razão.

A falta de crítica especializada em TV no Brasil decorre de um preconceito que, infelizmente, ainda persiste: ‘Televisão não é coisa para intelectual; intelectual de verdade deve se dedicar a temas mais nobres, como a literatura, ou a questões mais prementes, como as sociais.’ A mídia, nesse sentido, é deixada de lado porque é considerada um ‘luxo dos pobres’, uma ‘fuga da realidade’, segundo a ideia do senso comum, que, por sua vez, é uma corruptela de teorias da metade do século passado.

Seguindo esse raciocínio, para ser crítico de TV no Brasil basta ser jornalista e gostar dessa coisa (tida como) ‘menor’ que é a TV. As coisas pioram muito quando se misturam a chamada crítica de TV com os resumos de telenovela e fofocas no mesmo espaço. Em outras palavras, a pífia e suposta crítica de televisão perde ainda mais em credibilidade. Não que não deva haver espaço para fofoca sobre artistas e resumos de novela. Todos esses são produtos da mídia e sobre a mídia e, portanto, se justificam. Minha questão é que, ao se promover tal mistura, até mesmo por questões do mercado (pois, na prática, uma coluna que publique furos sobre os próximos acontecimentos da novela ou sobre a intimidade dos artistas vai ser muito mais lida/acessada), a crítica perde em força e em importância. Passa a ser apenas a opinião daquele ou daquela jornalista.

Função que caberia a um jornalista

Isso sem levar em consideração os conglomerados (redes de TV, imprensa escrita etc.) para os quais trabalham os jornalistas que exercem a crítica de TV. Por mais que exista uma pretensa ética e liberdade de expressão, é constrangedor, muitas vezes, a crítica positiva que um(a) jornalista de um grupo X faça a produtos desse grupo X, ou a crítica negativa que esse mesmo(a) jornalista desse grupo X dirige a um produto de um grupo Y. Críticas unicamente baseadas num impressionismo pessoal. Sem explicar a razão, tal produto é julgado como bom ou ruim. Infelizmente, são as leis do mercado, às quais a imprensa especializada em TV acaba se submetendo.

Quando falei que se tratava de preconceito o fato de intelectuais não se dedicarem ao estudo da mídia, não deve ser novidade, para alguns, que, pelo contrário, existem muitos acadêmicos cujo trabalho se define por estudar a mídia, os processos comunicativos e os produtos midiáticos. A Universidade de São Paulo, na Escola de Comunicação e Artes, por exemplo, tem um centro de estudos que se dedica à telenovela. Não que a crítica sobre TV deva ser feita apenas por esses intelectuais. Não é isso. Não se propõe tirar dos jornalistas algo que sempre lhes pertenceu. Questiono apenas a pouca ou nenhuma reflexão que acaba norteando a crítica de TV no Brasil.

O caminho talvez seja uma maior circulação do conhecimento construído nas universidades brasileiras sobre a TV e a mídia em geral, através de meios mais independentes (ou, pelo menos, menos subservientes às leis do mercado). As reflexões e o conhecimento produzidos sobre a TV no Brasil não podem ficar restritos aos muros dessas instituições que os produziram. A sociedade tem que se beneficiar, de alguma forma, desse conhecimento, uma vez que é ela quem paga os impostos que financiam a produção do conhecimento no país.

Eis uma função que caberia a um jornalista e crítico de TV no Brasil: construir uma ponte efetiva que possibilitasse o acesso da maioria da população a pensamentos de ponta sobre a televisão, construindo uma verdadeira crítica especializada em TV no Brasil.

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Jornalista e doutorando em Semiótica e Linguística Geral pela Universidade de São Paulo