Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

A lógica da edição

Analisar com atenção o artigo publicado pelo professor Laurindo Leal Filho na revista CartaCapital e a resposta de William Bonner veiculada pela página do Observatório da Imprensa não é apenas importante, mas fundamental para a compreensão de como se dá a manipulação da informação no Jornal Nacional.

O professor da Escola de Comunicações e Artes da USP relata sua visita, com outros nove colegas, aos estúdios da Rede Globo, onde acompanharam a reunião de pauta do telejornal. Entre os elementos presentes no artigo de Laurindo Leal Filho, destacam-se três: o poder incontestável de Bonner sobre os demais funcionários, a comparação do telespectador médio brasileiro com Homer Simpson e o critério de seleção de notícias usado pelo Jornal Nacional.

Em sua resposta, William Bonner concentra-se apenas na comparação com o personagem do seriado. Para tanto, desvirtua a impressão do professor e se faz de vítima ao apelar para a definição que a página dos Simpsons confere a Homer, oferecendo um rumo reducionista e passional ao debate. Com relação à autoridade do apresentador sobre sua equipe, é compreensível que ele não queira se manifestar. Até porque, em princípio, isso não é de interesse público. No entanto, salta aos olhos a omissão diante do questionamento acerca dos critérios de seleção da notícia utilizados pelo editor-chefe do telejornal que mais influencia os brasileiros.

O professor Laurindo foi claro ao narrar o momento em que Bonner descarta a pauta sobre a venda de óleo para calefação a baixo custo por uma empresa da Venezuela a famílias pobres do estado de Massachusetts. Para o professor, ‘uma notícia de impacto social e político’. O fato é que pautas importantes têm sido sistematicamente abandonadas pelo Jornal Nacional, sempre com o argumento de que o telespectador médio não as entenderia, mesmo que preencham todos os critérios necessários de relevância jornalística (proximidade, ineditismo etc.).

Sobre a Venezuela, quem acompanha o telejornal observa que apenas notícias negativas são veiculadas sobre o país. Fatos como a presença de médicos cubanos nos bairros pobres de Caracas melhorando a qualidade de vida da população local ou a recente erradicação do analfabetismo na Venezuela são apenas dois exemplos de notícias positivas omitidas pelo Jornal Nacional.

Se houver dúvida…

Esse olhar sobre o país vizinho, no entanto, não chega a surpreender. Bonner já havia manifestado sua preocupação com a Venezuela a uma turma de estudantes de Jornalismo da Universidade Federal Fluminense (UFF), em meados deste ano. ‘Acompanhamos com apreensão a compra de armas e a aproximação de Chávez com Fidel’, disse na ocasião. Na mesma visita, a turma pôde ouvir quando Bonner comunicou a sua equipe uma notícia que acabara de receber de Brasília: ‘Estão tentando manobrar para impedir a cassação do deputado André Luiz. Não podemos deixar que isso aconteça’.

O poder. Pelo discurso é possível aprender muito. Bonner sabe que tem nas mãos poder suficiente para determinar a cassação de um ou outro parlamentar. Ele conhece o peso da opinião pública e sabe como usá-lo. Um dos estudantes questionou, após a reunião de pauta: ‘Você falou em impedir a cassação de um deputado. Como é isso?’. A resposta veio respaldada por nobreza: ‘Nós também temos a função de denunciar quando algo está ilegal’, numa demonstração da função de juiz exercida pelo telejornal, uma vez que o caso ainda não havia sido julgado pela instância competente.

Mas William Bonner não pode responder por tudo. Como ele mesmo explicou à turma da UFF, sempre que alguma dúvida lhe ocorre, Ali Kamel, seu superior imediato, é consultado. Se este continuar hesitante, Carlos Henrique Schroder entra em cena. E, por último, caso este ainda não saiba como proceder diante de uma pauta, o presidente da empresa, João Roberto Marinho, é quem decidirá. Bonner só não explicou a razoabilidade de um empresário – que por definição se interessa pelo lucro antes da informação – decidir sobre aquilo que vai ao ar numa emissora que opera uma concessão pública.

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Editor do Fazendo Media e correspondente da revista Caros Amigos no Rio de Janeiro