Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

A televisão precisa de um rumo

Não há necessidade de uma análise muito aprofundada das grades de programação das principais emissoras do país para chegar-se à constatação de que se trata de um construto pobre, demonstrativo da carência cultural de uma dada formação histórica, uma deterioração, mesmo tratando-se de empresas midiáticas, que tradicionalmente produzem e distribuem produtos simbólicos nos marcos das dinâmicas de rentabilização, de onde decorrem todas as estratégias.

As emissoras direcionam sua programação diurna preferencialmente para as faixas etárias adulta e adolescente, explorando programas de culinária e discussões superficiais sobre a vida de artistas e o desenrolar dos acontecimentos novelescos. A grade de programação brasileira é baseada na Rede Globo, que serve como parâmetro para as outras emissoras, isto é, programas que atingem sucesso na líder de audiência tornam-se suporte do conteúdo dos canais concorrentes. São atrações que falam da Globo, buscando contaminar-se simbolicamente por seu êxito.

A falta de criatividade dos produtores acaba impedindo o avanço cultural da sociedade, visto que muitos espectadores informam-se basicamente através da televisão. Esse processo decadente, comparado à sua grande potencialidade, vem ocorrendo há vários anos, tendo seu auge em momentos, no SBT, como o Domingo Legal, com sua banheira erótica, e o Aqui Agora, onde a violência e o bizarro se destacavam. Já a segunda metade dos anos 90 foi assinalado por produtos como o H, com Feiticeira e Tiazinha, que, na Bandeirantes, elevou ao máximo a erotização e a exploração da mulher. Da mesma forma, ontem e cada vez mais hoje a Globo faz do sexo um importante fator de captação de público, em suas novelas.

Modelos desconstruídos

Os radiodifusores costumam dizer que o povo não assistiria a programas mais complexos, porque, na verdade, gosta de ver baixaria. Mas será? É possível produzir telenovelas inovadoras, de temáticas diferentes e atraentes, como, no passado, foi Pantanal, sucesso absoluto na antiga TV Manchete, que, além de mostrar um Brasil desconhecido pela maioria, trazia nos personagens a pureza e a ingenuidade de uma vida simples.

A assistência a um único capítulo de novela já permite a clara distinção entre o bem e o mal, possibilitando a projeção do futuro das personagens e a previsibilidade da estória, onde o malfeitor e o anti-herói reinam absolutos durante meses, só perdendo no final. Já os programas de auditório, que preenchem as tardes do fim de semana, visam a atender a todos os públicos, misturando provas para pessoas humildes, com necessidades financeiras, e exposição de mulheres em trajes sumários, dentre outros elementos de fácil assimilação. Esse talvez seja o grande problema da produção televisiva: faltam novidades e, principalmente, ousadia; no máximo, há estréias de programas com formatos importados do exterior.

Porém, não se pode esquecer que ainda existem algumas inovações, como as minisséries que buscam retratar as histórias do Brasil e de suas unidades federativas. No entanto, essas produções não atingem uma grande audiência, engrossando o discurso daqueles que dizem que o povo prefere baixaria. Ocorre que, além de usualmente serem veiculadas em horário tardio, algumas abusam de seu caráter experimental, como a minissérie A Pedra do Reino, que acabou gerando confusão no telespectador. Se há um hábito de exibição e recepção de produtos de fácil entendimento, os modelos desconstruídos devem ser transmitidos paulatinamente, em pequenas doses, por não estar estabelecida tal tendência de consumo.

Bons projetos e exemplos

O Altas Horas, da Rede Globo, por exemplo, é atualmente o único programa da TV aberta, de alcance nacional, voltado especificamente para o jovem que investe em um formato simples e contributivo, tratando os assuntos de forma clara e sem apelação, o que, de um modo geral, está cada vez mais raro. Em regra, as emissoras buscam atender o jovem com produções ficcionais norte-americanas e partidas de futebol, alienando-o mais ainda, como se a vida fosse só isso. Entretanto, os canais deveriam investir mais em espaços audiovisuais diferenciados, representantes da diversidade de identidades do planeta e, especialmente, na divulgação do cinema, da música e das demais formas artísticas brasileiras, trabalhando sua maior riqueza: a diversidade. Isso poderia estimular e inspirar a produção de novos bens culturais, com características próprias, ao mesmo tempo em que formaria receptores para realizações mais exclusivas.

No quadro televisual de hoje, não há lugar para a apresentação de bons líderes e exemplos de conduta. Infelizmente, as redes têm privilegiado a tragédia e o banditismo (intencionalmente), deixando de discutir os problemas estruturais do país, os caminhos alternativos possíveis e as iniciativas comprometidas com a mudança efetiva. O resultado disso, junto à população, tem sido a omissão e o descaso com as questões políticas do Brasil.

O discurso de que a televisão é um retrato do país é simplista, pois ela potencializa as ações que pretende iluminar, como, por exemplo, o erotismo exacerbado, estimulado nas telenovelas, shows de auditório e publicidade. Buscar a justiça deveria ser a missão da TV, já que, ao atingir todas as classes, pode exercer um papel preponderante na definição de uma nova sociedade. O Brasil clama por bons projetos e exemplos. A televisão, como serviço público, mesmo quando prestado por empreendimentos privados, deveria deter-se nisso para preencher uma ferida que está aberta e sangrando faz muito tempo.

******

Respectivamente, professor no Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação da Unisinos e doutor em Comunicação e Cultura Contemporâneas pela UFBA; e graduando em Comunicação Social – Jornalismo pela Unisinos