Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1280

A TV é ponta-de-lança dos interesses internacionais

Centro do Rio de Janeiro, reunião da Executiva Nacional do Partido Democrático Trabalhista (PDT). Tarde de sábado e centenas de militantes se aglomeram no primeiro de uma série de encontros para decidir quem será o candidato do PDT à presidência da República. Cristovam Buarque e Jefferson Peres falam com desenvoltura, mas é Bautista Vidal quem tem o apoio de Gilberto Felisberto Vasconcellos. Autor de vários livros, atual colunista da Caros Amigos, editorialista da Folha de S. Paulo na época de Cláudio Abramo, Felisberto se destaca hoje como um dos maiores conhecedores do pensamento nacionalista em Getúlio Vargas, João Goulart, Leonel Brizola e Darcy Ribeiro. Por isso mesmo, não podia deixar a mídia colombina fora de suas análises.

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Gostaria que você explicasse o termo ‘capital videofinanceiro’.

Gilberto Felisberto Vasconcellos – O capital videofinanceiro é a junção do banco com a mídia. Há um entrosamento entre os dois, sendo que no Brasil o vídeo estrutura o capitalismo bancário, no seguinte sentido: a televisão é um órgão, é uma ponta-de-lança do capital financeiro, dos interesses internacionais. Então, nós estamos vivendo num país específico, pois em todo lugar você tem a televisão e o banco. Mas, no Brasil, o peso do vídeo é absolutamente determinante. Por quê? Porque somos uma sociedade ágrafa, ou seja, a população não conhece as letras e todo mundo vê televisão. De modo que a televisão é um agente que está na infra-estrutura econômica. Não é mais aquela superestrutura ideológica que se pensava antigamente. Não. A televisão é um componente fundamental do processo político. A televisão faz o Estado; a televisão determina o rumo da consciência. A televisão determina a atitude da nossa vida. Isso tudo está estruturado nessa fusão com o banco, com o capital financeiro, sobretudo o internacional, que é quem banca a mídia.

Então o maior financiador da mídia é o capital financeiro internacional?

G. F. V. – Claro. Basta fazer a análise da propaganda. É tudo multinacional, que já compraram 30% dos grandes jornais. E [Ruppert] Murdoch e aquele reverendo Moon já estão de olho na Globo. Quer dizer, se no Brasil foi vendido o solo, o subsolo e o espaço aéreo, você acha que não vão ser vendidos também a televisão e os meios de comunicação de massa? Claro!

Em pelo menos dois de seus livros você cita a influência das novelas no cenário político. Gostaria que você explicasse o papel das novelas no contexto da manipulação.

G. F. V. – Eu acho que a novela é a escola política do povo brasileiro – escola no mau sentido. Embora ela não toque em assuntos políticos explicitamente, ela vai estruturando a cabeça. Ela alcança até o inconsciente das pessoas. Então eu acho que os dois grandes fatores que determinam o comportamento e a escolha das pessoas são a novela e o programa de auditório. É por isso que a direita está sempre de olho nessas duas vertentes, tanto do ponto de vista quantitativo quanto do ponto de vista qualitativo. Uma vez um aluno me contou que não ia votar no Brizola – no interior de Minas, em Ubá – porque ouviu dizer que Brizola, ganhando, iria proibir as novelas. Então, em Ubá, Brizola não teve votos.

O governo atual afirma estar sendo atacado pela mídia, alegando que FHC era mais bem tratado, além de Lula comparar-se a Getúlio.

G. F. V. – Isso aí é delírio do Lula. Porque o Lula, na prática, faz tudo contra o trabalhismo. Se o Fernando Henrique foi o coveiro, Lula jogou cal em cima do Getúlio, do Jango e do Brizola. Talvez o parceiro ideal para o imperialismo seja o tucano e o PT seja coadjuvante. Agora, é claro que a mídia não quer também o PT porque há o perigo… Porque o PT não é só a direção do PT. O PT tem uma militância. Eles têm medo disso. Claro que é improvável que surjam lideranças autenticamente petistas, não acredito nisso. Mas pela ótica da dominação, eles vêem isso com constrangimento, daí esses ataques a Lula. Agora, claro que FHC foi muito mais poupado pela mídia. Porque é o canal. É disso que o imperialismo precisa. E a junção do PT e do PSDB é o que eu denomino ‘petucano’. Esse verso e reverso fazem parte da classe dominante brasileira. Qual é a classe dominante brasileira hoje no Brasil? São as multinacionais. PT e PSDB representam essa classe dominante. A ideologia dominante de uma sociedade é a ideologia da classe social dominante. O petucanismo é uma expressão da hegemonia das multinacionais, que pega tudo: pega o Senado, pega a mídia, pega tudo.

Sobre Getúlio, há na academia uma aversão muito grande a ele. Outro dia um colega disse que na verdade ele não passava de um grande latifundiário, que tinha interesse apenas em estabelecer as leis trabalhistas na cidade, esquecendo o campo. Como você vê isso?

G. F. V. – É mentira. O Vargas não foi latifundiário, morreu pobre. Seu pai é que tinha fazenda, mas não é por aí. É que existe uma criminalidade acadêmica, que consiste em vilipendiar, estigmatizar, sabotar a figura do Getúlio na história brasileira. Em toda minha formação, eu nunca ouvi falar no Getúlio, nunca ouvi falar no Jango, nunca ouvi falar no Brizola. Por isso é que a universidade tem uma hegemonia antitrabalhista.

Mas a academia não seria teoricamente de esquerda?

G. F. V. – Mas é uma esquerda europocêntrica. É um marxismo de Kiev, que vem da neve. Então, sempre que havia uma contradição entre o marxismo e o nacionalismo, o que fez o mundo acadêmico? Optou pelo marxismo, porque o marxismo é europeu, é internacionalista, e Getúlio seria uma coisa tacanha do Rio Grande do Sul. Essa é a visão deturpada que fez com que o Brizola não penetrasse nas universidades, inclusive pintando o Brizola como um cara bronco e, na verdade, se você pega os artigos de Brizola da década de 1960, você percebe que não há nada na academia que se compare ao Brizola do ponto de vista da profundidade analítica, inclusive do imperialismo. É só você pegar o Iseb [Instituto Superior de Estudos Brasileiros], a USP, os grandes jornais da época e você vai ver que o Brizola possuía uma visão muito mais profunda do imperialismo, sendo governador do Rio Grande do Sul.

Nesse sentido, falando do imperialismo, você acha que a Carta-Testamento de Getúlio continua atual?

G. F. V. – Claro, totalmente atual! O Glauber [Rocha] dizia que era o documento mais trágico do Brasil, onde estaria o roteiro do povo brasileiro. Porque o Getúlio tem que descer. Como você sabe, o suicida fica no limbo, é um morto-vivo. Então o Glauber dizia que Getúlio estava rodando nos espaços siderais e um dia ele poderia voltar e assumir a libertação do povo brasileiro! Isso é genial! E é o que pode acontecer com o Bautista Vidal como pré-candidato à presidência da República pelo PDT e colocar o Brasil como sujeito da história, acabando com essa coisa colonial, essa timidez, como se na práxis nós fôssemos um paisinho merreca. Quando na verdade o epicentro da história mundial hoje passa pelo Brasil do século 21!

Com relação às pesquisas de intenção de voto, por que você tem se manifestado contra, em seus artigos?

G. F. V. – Primeiro, porque ela só pode ser encomendada por quem tem dinheiro. Segundo, porque ela tem um viés manipulador. A pesquisa instiga na opinião pública a idéia de que eleição é uma corrida de cavalo, um jogo, onde você deve votar em quem ocupa a primeira posição. Esse jogo começa a partir das campanhas de marketing e desemboca nas pesquisas. Até hoje ninguém me mostrou qual é a utilidade dessas pesquisas. Além do que, a pesquisa está despolitizada. A idéia, a ideologia, a situação política é substituída pela estatística. Então, o Lula tem 30%, Garotinho tem 20%. Fica uma linguagem da percentagem que, aliás, é a linguagem reificada do capitalismo. Em todo programa de televisão só se fala em percentagem.

E quanto à argumentação de que as pesquisas seriam importantes para evitar fraudes?

G. F. V. – Isso aí pode tanto ser quanto não ser. Para se evitar a fraude tinha que existir o voto impresso, coisa que não há. O próprio Brizola achava que ele havia sido garfado nas eleições de 1989. O perigo dessa urna é total. Enfim, a pesquisa de intenção de votos e o dinheiro andam juntos. E é uma jogada da direita. O Brizola apontou isso como um componente de manipulação dentro do sistema. Tanto isso é verdade que nenhuma reforma nesse sentido passa.

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