Tuesday, 16 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1283

A caminho de que Índia, Cabral?

Usarei este espaço para fazer uma confissão horripilante. Ontem eu assisti à novela das oito! Diga-se de passagem, recebe essa nomenclatura por puro eufemismo. Mas como tentativa de redenção deste pecado imperdoável, beirando o estágio da criminalidade, devo afirmar ter feito algumas observações consideravelmente pertinentes. A primeira é o modo como a cultura hindu, ou, em um termo mais adequado, a cult-hindu-pop é apresentada na telinha da plimplim. Resume de forma irresponsável e preconceituosa uma cultura milenar e de características riquíssimas, a qual deveria no mínimo ser tratada com dignidade, e não apresentá-la sob uma estampa amena, difusa e superficialíssima de sua cosmovisão.

Lógico, toda obra tende a ser uma síntese do que pensa(m) seu(s) autor(es) e a liberdade de expressão é um direito garantido pela própria Constituição brasileira. Mas quando conseguiremos alcançar um estágio onde seja possível o respeito à cultura do outro sem que sejamos obrigados a conviver com afirmações ou insinuações do tipo a tradição x é uma herança cultural antiga? Se analisarmos mais detidamente esta expressão, perceberemos o quão ridícula ela é. Afinal, toda cultura tem de ser ‘antiga’, pois resulta de um processo histórico que não se iniciou hoje.

Vilões autoritários e insensíveis

Quando a proposta é analisar algo tão ‘inocente’ quanto a diversidade de opções de entretenimento, bojo do qual participam as telenovelas, corre-se o risco de fazê-la de forma maniqueísta e resumir o estudo a algo distante de uma linha de raciocínio crível e científica; mas corro o risco de uma possível má interpretação de minhas afirmações porque ao mesmo tempo que me incomoda faz surgir uma preocupação: como este modo tão ‘lúdico’ de passar informação é recebido pelos diversos ‘Antoins’, ‘Josés’ e ‘Joanas’ deste país? Quantas gerações poderão vir a influenciar-se por esta lógica equívoca de disseminação de conhecimento? Mas talvez isto seja apenas um devaneio tolo de um semi-aspirante a comunicólogo, que numa noite comum e entediante, quis produzir um texto pseudo-intelectual sobre algo tão inofensivo como a novela das oito, não é verdade? Devagar porque o santo é de barro, diria minha avó…

A análise da história social do Brasil é marcada pela desomogeneização cultural. E enquanto os autores de telenovelas dedicarem-se a mostrar a cultura do outro, tomando como base a superficialidade presente na lógica: Personagem ‘A’ (da cultura ‘nobre’) se envolve com o personagem ‘B’ (da cultura ‘ultrapassada’) e ‘A’ mesmo apaixonada por ‘B’, terá que ficar com ‘Y’ porque fora prometida a ele por seus pais, levando em consideração o quanto de lares a TV pública alcança e sua consequente influência, pode ter uma noção do quão prejudicial é nortear a transmissão de saberes por esta lógica equívoca. Na grande maioria das vezes nosso espírito romântico torcerá para que ‘A’ e ‘B’ cheguem ao final da trama juntos e felizes para sempre.

Concomitantemente este mesmo espírito torcedor e altruísta transformará os pais de ‘B’ (que seguem suas tradições) em vilões autoritários e insensíveis; neste meio termo concluiremos: eles, e seus traços culturais, estão errados. É óbvio que esta é apenas uma das inúmeras possibilidades de formas que podem atingir o grande público, mas devo confessar, por mais teleológica que possa parecer é a única que em sua simples possibilidade de tornar-se real, já me preocupa.

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Estudante de Comunicação Social, Camaçari, BA