Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1280

Antenado no mundo digital

Carioca do Leme, 72 anos de idade e 53 de carreira, Fernando Barbosa Lima é definitivamente um homem de televisão. Sua estréia no veículo foi na TV Rio, onde criou diversos programas de sucesso como o Sem censura, numa época em que as transmissões eram ainda em preto e branco. Foi autor também do Jornal de Vanguarda, um dos mais premiados telejornais da história brasileira, e do Abertura, que desafiou o regime militar ao falar de política.


Nesta entrevista, o jornalista é incisivo ao dizer que telejornalismo não é feito de sensacionalismo, afirma que a televisão precisa ser oxigenada pelas idéias dos jovens para não ficar cada vez mais idiota, fala do seu propósito de cultivar a memória histórica do Brasil e relembra de que forma o pai, Barbosa Lima Sobrinho, influenciou em sua trajetória profissional.


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Como o senhor começou a militar no jornalismo?


Fernando Barbosa Lima – Comecei a trabalhar aos 19 anos, logo depois de servir o Exército, como desenhista na Standard Propaganda. De lá, fui para São Paulo, onde trabalhei em O Tempo, dirigido pelo grande jornalista Sacchetta. Hoje o jornal não existe mais. Voltei para o Rio e criei uma produtora de TV chamada Esquire. Foi então que comecei a dirigir programas na antiga TV Rio, no Posto 6, na praia de Copacabana.


Há algum fato que marque o início de sua trajetória profissional? Qual?


F.B.L. – Foi ter conhecido o Carlos Alberto Lofller, na TV Rio, e trabalhado com ele. Juntos, realizamos muitos programas e, por sorte, todos fizeram grande sucesso.


Pesquisando sobre sua vida, vi uma entrevista com o senhor, publicada num jornal paulistano, cujo título era ‘De TV, ele entende tudo’. Em que medida essa afirmação é verdadeira?


F.B.L. – Eu comecei na televisão muito jovem, quando ela ainda era em preto e branco e não existia o videoteipe. Dirigindo programas e emissoras, passei por todas as fases da nossa TV. Hoje, vivo no mundo digital.


O senhor acumula experiências na direção das emissoras Excelsior, Manchete e Bandeirantes, além da Presidência da TVE por duas vezes. Há ainda outros veículos pelos quais tenha passado, mesmo em outras mídias? Quais?


F.B.L. – Na Globo, realizei o Jornal de Vanguarda e o Noite de Gala. Depois, transformei a Esquire em agência de publicidade – ela chegou a ficar entre as dez maiores do Brasil. Trabalhei praticamente com todas as mídias.


Com 21 anos, o senhor já era diretor do Preto no branco, atual Verdade, exibido pela TVE –, criação sua que trazia Oswaldo Sargentelli entrevistando personalidades na TV Rio. A que se deve a permanência deste programa no ar há tantos anos?


F.B.L. – O Preto no branco foi um programa único, feito ao vivo. Os outros, Advogado do diabo, A verdade e A voz do trovão foram filhos do Preto no branco. O Sargentelli começou a trabalhar comigo no Preto no branco, lendo as perguntas. Sua voz é insubstituível.


O senhor é responsável pela criação de programas de TV com formatos importantes, como o Cara a cara (Band), Sem censura (TVE) e Abertura (Tupi), este considerado um programa moderno demais para a década de 70. Fale um pouco sobre eles.


F.B.L. – O Cara a cara foi criado na Bandeirantes com a Marília Gabriela. Até hoje ela segue esse estilo de entrevista e faz sucesso, é uma ótima jornalista. O Sem censura foi criado na TVE e vive até hoje; mais de seis apresentadoras já passaram por ele. O Abertura foi um grande desafio à ditadura militar. Tinha apresentadores como o Villas-Bôas Corrêa, o Glauber Rocha, o João Saldanha, o Sérgio Cabral, Tarcísio Holanda, Antonio Callado, Vivi Nabuco, Marisa Raja Gabaglia, Oswaldo Sargentelli, Roberto D’Ávila. Foi quando a TV voltou a falar de política.


Há muitos programas criados pelo senhor e alguns títulos devem ter ficado de fora. Quais? 


F.B.L. – Eu criei e pus no ar mais de cem séries de programas. Posso citar, por exemplo, Xingu, Conexão internacional, Persona, Diálogo e muitos outros.


Não esqueçamos o Jornal de vanguarda (TV Excelsior), premiado internacionalmente.


F.B.L. – O Jornal de vanguarda foi único. Imagine só oito a nove grandes jornalistas e apresentadores no estúdio, ao vivo, dando um verdadeiro show de notícias. Gente como Millôr Fernandes, Sérgio Porto, Villas-Bôas Corrêa, Borjalo, Appe, Célio Moreira, João Saldanha, Cid Moreira, Luiz Jatobá, Tarcísio Holanda, Fernando Garcia, Newton Carlos etc. Acredito que ele seja o programa de TV mais premiado do Brasil.


Como o senhor avalia as produções de telejornalismo atuais? O que mudaria e o que não mudaria nelas?


F.B.L. – Acho que telejornalismo não é só dar as manchetes ou fazer sensacionalismo. Jornalismo com coragem é ter opinião, discutir os grandes assuntos com o público, esclarecer com profundidade e mostrar, acima de tudo, a verdade. 


O senhor diz que o caminho agora é a produção independente. Foi pensando nisso que criou sua própria produtora, a FBL Produções Artísticas?


F.B.L. – Sou um produtor independente há mais de 40 anos. Tive a Esquire, fui sócio da Intervídeo e agora toco a FBL Criação e Produção. Gosto de ter liberdade para criar.


Por intermédio de sua produtora, o senhor tem feito documentários sobre grandes personagens da história brasileira, como Tancredo Neves e seu pai, Barbosa Lima Sobrinho. O que o motivou a fazer essas produções?


F.B.L. – Nosso povo não tem uma vasta memória histórica. Daí o meu projeto ‘Os grandes brasileiros’, que inclui distribuição dos DVDs para bibliotecas, universidades, escolas, centros culturais e jornais. Neste momento estou produzindo documentários sobre Ziraldo, Darcy Ribeiro e Sarney. Todos grandes brasileiros.


Falando em seu pai, em que ser filho de Barbosa Lima Sobrinho influenciou sua carreira?


F.B.L. – Influenciou muito. Ele sempre foi para mim um grande exemplo de dignidade, ética, honradez e cidadania. Ele me levou a gostar de livros e do Brasil. Ele me ensinou a respeitar todas as idéias, mesmo que não concordasse com elas. Foi um grande pai e amigo. Sinto um grande orgulho dele.


Qual a sua definição para Barbosa Lima Sobrinho?


F.B.L. – Um homem que sempre lutou por suas idéias arriscando tudo.


Li uma entrevista recente sua, dada ao Jornal do Brasil, em que o senhor fala que ‘falta à televisão o fundamental: servir ao povo brasileiro’, pois ela está mais preocupada em vender uísque, bancos, automóveis, do que em melhorar o nível cultural do público. Como acha que isso pode ser mudado?


F.B.L. – Só o Congresso pode mudar. Um canal de TV é uma concessão pública. Daí ser importante ter consciência disso e saber que o interesse público é mais importante do que o interesse comercial.


Nessa mesma entrevista, o senhor disse que falta criatividade na TV. Como o senhor avalia essa onda de reality shows e programas copiados de emissoras estrangeiras?


F.B.L. – Falta criatividade porque as nossas emissoras não abrem suas portas para os jovens, gente com novas idéias, gente que pode oxigenar a TV, que fica, a cada dia, mais idiota.


Por que o senhor afirma que a TV não se renova?


F.B.L. – Basta ligar a sua televisão.


Quais são seus projetos?


F.B.L. – Sempre que possível, ajudar o Brasil e o nosso povo com uma televisão séria e comprometida com a cultura.


O lançamento de O diário da Júlia marca sua estréia na literatura infantil. Esta é uma nova área de atuação?


F.B.L. – O diário da Júlia é um pequeno livro feito para as crianças. É a história de uma cadela da raça labrador, a Júlia do título, tentando salvar sua dona. Foi uma ótima experiência. Fiz todos os desenhos e a direção de arte foi do grande artista Rui de Oliveira. O livro ficou bom e vendeu tudo.


O senhor já publicou outros livros?


F.B.L. – Participei de um livro, juntamente com o Gabriel Priolli Neto, sobre a TV e a ditadura militar. Agora, estou conversando com a Ediouro sobre um livro que conta a minha vida na televisão.


Qual a sua relação atual com a Associação Brasileira de Imprensa, instituição que seu pai presidiu por tantos anos?


F.B.L. – No momento, faço parte do Conselho Deliberativo do Maurício Azêdo, atual presidente da instituição. Quando entro na ABI, é como se entrasse numa das casas do meu pai.

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Repórter do ABI Online