Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Caminhos da qualidade

A guerra entre Globo e Record cada vez aquece mais e mais. Como um fogo que se alastra pela mata seca do agreste. E é por lá que o fenômeno Chamas da Vida, que no Nordeste chegou a picos de 40 pontos e médias de até 35 pontos, superando a principal novela da TV Globo. Que com seus clichês e erros de estudo sobre a Índia vem fazendo feio e derrapando no Ibope. No Rio de Janeiro, manteve médias de 20 pontos, e no PNT (Painel Nacional de Televisão) atingira 18 pontos. Ainda que tenha disputado com a reprise de Pantanal, Big Brother Brasil e passado por várias modificações de horário, Chamas conseguiu ser a novela de maior audiência já produzida pela Record. O que também causou ciúmes e trocas de farpas entre o superintente de dramaturgia e anteriormente autor do maior êxito da emissora, Prova de Amor, e de um sucesso posterior e maior que fora a primeira temporada da saga dos mutantes.

É só ir a um bar de esquina qualquer e se confirmará o que digo, que se está na tela da poderosa é bom, e além-mar ‘num presta’. Esse status, definitivamente quo, em que a percepção da realidade se abstrai ao ponto máximo e ademais o mundo do status e não da qualidade giram a roda do interesse e da opinião pública são o mote que me deixa pasmo. Tenho mostrado a pessoas em Buenos Aires vídeos desta novela para que conheçam já que infelizmente as da Rede Globo aqui passam com tanta freqüência como as mexicanas já passaram em certos tempos no Brasil, com uma diferença, que os dubladores geralmente interpretam melhor que os originais atores brasileiros. Na versão dublada, Reinaldo Gianechinni pode até passar por um ator razoável em Esperança, uma das maiores vergonhas da dramaturgia da emissora carioca. O comentário mais pertinente e que eu gostaria de avalizar e divulgar é do ator peruano Jonathan Rojas Novoa, que disse, após ver cerca de três horas de trechos de vários capítulos de Chamas da Vida: ‘Que buena producción, parece com series americanas!’

Falta de critérios

As emoções finais da novela Chamas da Vida, ao conquistarem índices de audiência em seu penúltimo capítulo exibido nesta segunda-feira (27/04), com uma média de 14,5 com pico de 21 mostram a reviravolta do mercado de trabalho em dramaturgia televisiva proporcionado pela investida da emissora paulista no ramo. Buscando garantir bons índices de audiência, a direção da Record decidiu gravar a seqüência reveladora da trama principal poucas horas antes de ela ir ao ar, ao melhor estilo marketing and bussines. E, de acordo com dados prévios do Ibope, a trama marcou uma média de 18 com pico de 22,5, conquistando a liderança por nove minutos.

Me perguntarão múltiplos seres: o que são nove minutos? Esquecendo-se da realidade resultante dos investimentos da ditadura militar na expansão da Rede Globo. Esses míseros minutos, muito raros, são como uma constatação de que o Golias carioca pode perder espaço para o Davi paulista. Pensar que mesmo disputando com a reprise de Pantanal, Big Brother Brasil e passado por várias alterações de horário, a trama foi espetacularmente bem-sucedida é alentador.

Chamas conseguiu ser a novela de maior audiência já produzida pela Record, segundo dados do PNT (Painel Nacional de Televisão). O que é realmente inusitado pensar é que se a novela Recordina fosse Global teríamos gente vestida de bombeiro pela rua etc. Estou rezando para que as próximas produções da emissora paulista não continuem tendo sucesso, pois podem gerar uma crise de identidade nos Globo-normativos, ou uma guerra santa mais ardente desta intenta Record X Globo.

Sem embargo, pode-se dizer que caso o SBT resolva de verdade ressurgir das cinzas, poderemos ter um futuro mais plural quanto às fatias de público e publicidade na TV brasileira. Quem sabe o Brasil deixe de ser bipolar e se torne uma efervescência real, e não apenas discursiva de mídia televisiva.

É importante e animador ver que algo de conteúdo teve êxito no Brasil. Apesar de vários êxitos não merecidos como, Caminho das Índias, onde a falta de critérios dramatúrgicos grita. Ver o estupendo Osmar Prado, com sotaque e tudo mais na personagem, contracenar com Juliana Paes é um descaso ao ser humano e profissional de gabarito que é este senhor.

Que os caminhos da vida tenham chamas de qualidade é o único sonho deste mero mortal.

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Ator, diretor teatral, cantor, escritor e jornalista