Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Contextos e programação dos últimos 30 anos de TV no Brasil – Parte 9

[Leia aqui Parte 1, Parte 2 , Parte 3, Parte 4, Parte 5, Parte 6, Parte 7 e Parte 8]

O ano de 1999 marca o fim da trajetória da Rede Manchete. Desde 1995, com a crise deflagrada na relação com o Banco do Brasil, a emissora vinha perdendo afiliadas, profissionais e tinha os seus bens embargados. As afiliadas gradualmente foram passando para a Record e CNT. Em 1996, Xica da Silva deu um pouco de fôlego à emissora, que ainda produziu as novelas Mandacaru e Brida, esta última cancelada antes do fim. Em 1998, ainda conseguiu cobrir a Copa do Mundo da França. O cancelamento de Brida explicitou a instabilidade da Manchete, que demitiu mais de 600 funcionários, extinguiu diversos programas e viu sucessivas greves de funcionários serem deflagradas. As dívidas com a Embratel passaram a ser descontadas através dos cortes diários do sinal da emissora no satélite, entre as 23 horas e 6 horas da manhã. A dívida total da emissora estava em R$ 500 milhões de reais.

Tentando uma última cartada, o Grupo Bloch arrendou a programação para a Igreja Renascer em Cristo, que arcaria com as finanças da emissora por 15 anos. Mas a Igreja não honrou sequer a primeira parcela do contrato e a Manchete retornou aos Bloch. Em 8 de maio de 1999, concretizou-se a venda da Rede Manchete para o Grupo TeleTV, organização presidida pelo empresário Amilcare Dallevo Júnior. Era o fim da Rede Manchete de Televisão e o início da Rede TV!.

A relação com Amilcare havia começado um ano antes, quando a TV Ômega, sua produtora independente, realizou o programa Domingo Total, aos domingos, comandado por Otávio Mesquita, Virgínia Novick e Sérgio Mallandro. Embora com boa audiência, o programa saiu do ar quando os apresentadores deixaram a casa em função da crise. A venda definitiva da emissora para Amilcare Dallevo Junior aconteceu 16 de maio de 1999. O empresário se comprometeu em saldar a dívida com o governo e com os empregados. Assumiu os ativos da rede, mas não ficou com equipamentos e imóveis, repassados aos credores. A transação também não incluiu a Bloch Som & Imagem, empresa criada em 1996, à qual pertencia a novela Xica da Silva e outros produtos. A empresa foi um artifício para proteger parte da produção, caso houvesse o pedido de falência da Manchete. O maior problema a ser enfrentado pela Rede TV!, contudo, seria o passivo trabalhista da Manchete, ou seja, a nova emissora já iniciou a sua história com uma grande dívida.

Rede TV! produzia apenas dois programas

Por alguns meses, houve um período de transição em que a emissora modificou o nome de alguns programas, retirou do ar as vinhetas antigas e investiu nas transmissões dos jogos de tênis, especialmente Roland Garros. No ano seguinte, a Bloch Editores pediu autofalência, fechando o ciclo. O prédio da rua Russel foi lacrado e o acervo da Manchete mantido no local sem climatização, deteriorando as fitas e apagando a história. Também foram interditados os prédios na Praia do Flamengo, a sede paulista, a gráfica, o complexo televisivo de Água Grande (propriedade da Bloch Som & Imagem) e escritórios espalhados pelo Brasil. Em 2001, ex-funcionários das empresas pediram à justiça o direito de voltar a publicar as revistas da Bloch Editores, o que foi autorizado. Porém, logo em seguida, os títulos foram comprados pela Editora Manchete.

Em 2005, a Bloch Som e Imagem vendeu as novelas Xica da Silva para o SBT e Mandacaru para a Band. As demais produções da Manchete ficaram sob a guarda da Justiça como parte da massa falida. Notícias sobre o estado de conservação das fitas são desencontradas, o que coloca em risco a memória da televisão.

A estreia oficial da Rede TV! ocorreu em 15 de novembro de 1999. Nos primeiros meses de 1999, a emissora exibia uma programação de transição, com produções como Bestmix, Home Shopping Show. Eram programas basicamente de telemarketing e, no período da manhã, evangélicos. Até maio, apenas dois programas eram produzidos: Manchete Clip e Jornal da Manchete. No período também foi reprisada a novela Pantanal. No início das operações, a superintendência artística ficou ao encargo de Rogério Gallo. Na época, destacaram-se os programas A Casa é sua, com Valéria Monteiro; Interligado, com Fernanda Lima; Superpop, com Adriane Galisteu; Te vi na TV, com João Kleber; TV Fama, com Mariana Kupfer, Jeanni é um gênio e A Feiticeira.

“O público adora os meus programas”

A Rede TV! iniciou as suas operações com cinco emissoras. Em 2001, já eram 24, atingindo cerca de 3.500 municípios. Pouco antes de entrar no ar oficialmente, com programação própria, a emissora colocou como chamada a seguinte frase, de 10 em 10 minutos: “Faltam X Horas para o início de uma nova era na televisão brasileira.” Os programas já citados registravam as maiores audiências. O Superpop, em 2000, no comando de Adriane Galisteu, chegou a atingir picos de 15 pontos de audiência, mas Adriane se transferiu para a Record, assumindo em seu lugar a modelo Luciana Gimenez. No mesmo ano, a Rede TV! transmitiu campeonatos de futebol e contratou Marília Gabriela, que dois anos mais tarde retornou ao SBT. Outros destaques da emissora a abandonaram no mesmo ano, como Sônia Abraão – que foi na ocasião para o SBT – Otávio Mesquita, que seguiu para a Band. João Kleber e Luciana Gimenez permaneceram.

No quesito tecnologia, a Rede TV! rapidamente passou a ter todo seu conteúdo produzido e digitalizado. A digitalização total permite exibir qualquer imagem de arquivo em tempo real, recurso que outras emissoras mais antigas não dispõem.

Em maio de 2005, pela primeira vez a Rede TV! registrou uma média de 2,1 pontos no Ibope na Grande São Paulo, superando a Band (2 pontos) e obtendo o quarto lugar em audiência. Atribui-se essa média à audiência do Pânico, do Programa do Jacaré e das transmissões da Série B do Campeonato Brasileiro. Ainda nos primeiros anos, dois programas apresentados por João Kleber marcaram a programação: Eu Vi na TV e Tarde Quente. O primeiro, tinha como atração principal o quadro “Teste de Fidelidade”, denunciado como uma farsa; o segundo, tinha nas “pegadinhas” seu trunfo. Tarde Quente foi suspenso pela Justiça por veicular imagens e situações que violavam direitos fundamentais da pessoa humana, especialmente por expor ao ridículo mulheres e homossexuais. Sentindo-se censurado, João Kleber deixou a emissora defendendo quequem não gosta de seus programas deve mudar de canal. “É para isso que existe o controle remoto. Nada é pior do que cercear a liberdade das pessoas, de quem faz e de quem assiste a um programa de televisão. O público adora os meus programas, assiste e ponto”.

A Justiça ordenou que a Rede TV! exibisse por 60 dias, no lugar de Tarde Quente, vídeos educativos sobre os direitos humanos. A emissora descumpriu a ordem judicial e foi tirada do ar por 24h no dia 15 de novembro de 2005. Num acordo com o Ministério Público, a Rede TV! se comprometeu a exibir os vídeos educativos por 30 dias e pagar indenização de R$ 400 mil. Os vídeos foram produzidos a partir de ideias das entidades ligadas aos direitos humanos e os custos de produção foram pagos pela emissora.

(Continua na próxima semana no Observatório da Imprensa)

Referências

ASSESSORIA, Rede TV!, 2005. Disponível em <http://www.redetv.com.br>. Acesso em: 10 jun. 2005.

COUTO, Emerson. MP processa campeão da baixaria. Disponível em <http://www.nominimo.ig.com.br>. Acesso em: 26 de out. 2005.

GALHARDO, Ricardo.Rede TV! fora do ar. Observatório da ImprensaDisponível em <http://www.teste.observatoriodaimprensa.com.br>. Acesso em: 16 nov. 2005.

HISTÓRIA da TV. Disponível em <http://www.tudosobretv.com.br>. Acesso em: 20 maio 2006.

MICROFONE. Disponível em < http://www.microfone.jor.br>. Acesso em 25 mar. 2006.

MONTANO, Diego. Disponível em: <http://www.portaldamanchete.com>. Acesso em: 25 mar. 2006.

VALLADARES, Ricardo. É tudo por Jesus. Veja. p. 112-113, 20 de jan. 1999.

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[Alexander Goulart é jornalista e doutor em Comunicação]