Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

A indiferença ou condenação dos cultos

A jornalista Maria Beltrão, do Estúdio i, programa da Globo News, externou gostar de ver UFC e, em troca, recebeu olhares de surpresa e indiferença. Diante do inusitado criado, ela procurou explicar as razões ou desrazões de seu idiossincrático gosto. Começou vendo boxe com seu pai, disse ela, e este gosto se estendeu para o UFC que é um misto (MMA-Mistura de Artes Marciais) de boxe tradicional, boxe tailandês, jiu- jitsu e wrestling. Em nada se alterou o ar de espanto dos presentes com estas explicações. Ela estava falando de outro mundo, um mundo paralelo ou, pior, um mundo de violência que somente poderia receber a indiferença ou condenação dos cultos ou pretensamente cultos ali presentes, que só não externavam este entendimento por cordialidade ou por não quererem se indispor com alguém com quem devem manter boas relações, por razões óbvias.

Em tudo, ou quase tudo, me vi espelhado neste diálogo. Também comecei vendo boxe pela televisão e fui levado não pelo pai, mas pelo filho menor, a assistir UFC e nunca mais deixei de acompanhar este fascinante esporte. Com pretensões intelectuais, me sentia, por igual, incomodado por gostar de assistir a um esporte tão violento que leva muitos a acharem que entre os seus espectadores só pode haver descerebrados fascinados com o alto grau de violência e truculência. Em parte devem ter razão, isto é, muitos fãs que gravitam em torno dele são bad boys que confirmam essa opinião. Disse em parte porque quando há luta aqui em casa se reúnem todos os meus filhos e seus amigos e todos são rapazes saudáveis e em nada seus perfis remetem para aquele estereótipo tão negativo.

Para mim, o fascínio vem pelo fato de que é um tipo de luta que mais se aproxima da realidade. Para ser bom, o lutador precisa ser bom em vários quesitos e não em só um em especial. Há pouco tempo atrás um grande boxeador se meteu a lutar no UFC e foi finalizado em poucos minutos porque seu oponente, Randy Couture, explorou inteligentemente seu ponto fraco, a luta de chão.

Diferença entre UFC e boxe não é tão grande

Associei esta repulsa dos bem pensantes ao esporte ao mesmo sentimento de Santo Agostinho em relação à luta de gladiadores. Tudo que é visceral, não-cerebral merece condenação. É claro que no caso dos gladiadores romanos o resultado era muito mais dramático, primitivo e, muitas vezes, mortal (o célebre dedo polegar do público ou do imperador voltado para baixo indicando a opção pela eliminação do derrotado rendido) e merecia a condenação não só dos cristãos, como Santo Agostinho, como de todos os que lutam a favor de valores civilizatórios.

Só que o foco dos cristãos da época mais condenava as lutas por elas remeterem ao corpo em detrimento dos sentimentos elevados e condenatórios do chamado espírito ou alma. Aliás, o boxe tinha superado esta barreira de preconceito porque foi aceito e glamourizado por grandes escritores e intelectuais (Norman Mailer, Ernest Hemingway, Julio Cortazar). Ao meu juízo, ou falta de, a diferença no grau de violência entre o UFC e o boxe não é tão grande. Mesmo assim eu proibiria o uso do cotovelo e do joelho, que hoje são permitidos. Acredito que a imagem de esporte onde vale tudo ganharia com estas providências. Sei, é uma opinião pessoal, mas foi assim que se efetivaram importantes evoluções que tornaram o esporte menos violento. Para ilustrar, lembro que nos seus primórdios, onde brilhava o brasileiro Royce Gracie, além de valer tudo ou quase tudo, não havia categoria por peso como a atual (Royce, que tinha um porte médio, lutava e ganhava de gigantes, em um total e absurdo descaso com as diferenças físicas entre os lutadores) e um lutador lutava com até três ou quatro adversários em uma mesma noite.

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[Jorge Alberto Benitz é engenheiro e consultor, Porto Alegre, RS]