Saturday, 20 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

A novela corintiana e a Globo

A Copa Libertadores da América de 2012 certamente entrou “para a história”: nunca antes, o Sport Club Corinthians Paulista, um dos maiores times do Brasil, com 30 milhões de torcedores, havia disputado uma final, tampouco vencido o torneio. Nunca antes se viu a Rede Globo dar uma cobertura tão dedicada a um clube brasileiro tanto em programas esportivos quanto em outros de seus jornalísticos. Não podendo transmitir as Olimpíadas de Londres deste ano, cuja emissora oficial no Brasil será a concorrente Record, e não tendo seu carro-chefe das TVs por assinatura, o SporTV, como transmissor dos jogos da Libertadores deste ano, direito que perdeu para a estreante Fox Sports, a Platinada abocanhou grandes fatias da audiência da TV aberta nas noites de quarta-feira (4/7) graças aos jogos que televisionou.

Dizer que o futebol é a grande e verdadeira paixão nacional é como chover no molhado, é dizer o óbvio. Não é novidade, também, que assim que um time brasileiro pisa na final de alguma competição internacional, a chamada grande mídia – e aí cabe a quase exclusividade da Rede Globo, uma vez que detém os direitos de transmissão da maioria dos eventos esportivos no Brasil e os teve por muito tempo sem concorrência –, exalta-o como “nosso” representante. Num nítido, ainda que não tão claro, esforço de reunir e confluir toda a torcida para um único alvo, esse tipo de enquadramento, ou antes, de discurso, que se esquece das rixas clubísticas diárias, é lugar-comum dos locutores esportivos.

Não foi diferente desta vez: o alvinegro da capital paulista, para alguns, como o locutor Galvão Bueno, era o representante do futebol canarinho frente aos argentinos. Para sustentar este discurso de rivalidade entre os países sul-americanos, nos dois jogos da final, narrados por Cleber Machado, pôde ser ouvido, por várias vezes, comentários arquétipos: os argentinos como desleais, “catimbeiros”, maliciosos e o brasileiros como inocentes, leais.

Questões mais urgentes

Aquém e além dos senso comum e chavões, que serviram para agitar as redes sociais dando ainda mais audiência ao canal dos Marinho, o jornalismo da Rede Globo deu amplo destaque ao clube paulista. Diariamente, Bom Dia Brasil, Jornal Nacional e Jornal da Globo dedicaram vários minutos à competição esportiva na qual o Corinthians escreveu seu nome. Outros programas da emissora, como o Esporte Espetacular, o Fantástico, o Profissão Repórter (3/7) e o Encontro com Fátima Bernardes (4/7) também entraram no clima futebolístico. Em geral, as pautas traziam a torcida alvinegra e os seus sacrifícios para acompanhar o time. Explorando os mais variados sentimentos, do amor (ao Corinthians) ao ódio (dos outros torcedores), a Rede Globo conseguiu pautar para a opinião pública brasileira o assunto mais urgente de então, fazendo com que seus concorrentes diretos, Record, SBT e Band, também abordassem o jogo do qual ela detinha a exclusividade de transmissão.

Os principais efeitos desta cobertura incisiva e insistente para a Globo foram recordes de audiência: no primeiro jogo da final, transmitido de La Bombonera, na Argentina, a Globo obteve 42 pontos de audiência; no último confronto, no Pacaembu, o índice chegou a bater nos 54 pontos, sendo que cada ponto equivale a 60 mil domicílios – marcas alcançáveis em finais das tramas noveleiras do horário nobre da casa.

Quem acompanha o futebol no Brasil sabe que, a bem da verdade, esta Libertadores representou mesmo o fim de uma novela, a corintiana. No entanto, o constante agendamento da Rede Globo de Televisão levanta algumas questões para debate: há como cobrir o futebol, ainda que este mexa com os sentimentos dos brasileiros, sem reforçar tanto esta carga emotiva? Até quando o futebol, ainda que seja a “paixão nacional”, merece mais destaque que outras questões tão mais urgentes para discussão para a sociedade brasileira (como, por exemplo, a greve das instituições federais de ensino, paradas há 60 dias, deixando mais de um milhão de brasileiros sem aulas)? Até quando a audiência pode ou deve interferir no exercício jornalístico?

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[Aniele Avila Madacki é estudante de Jornalismo, Mariana, MG]