Tuesday, 23 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Criador e elenco falam sobre a série

Em uma universidade americana, jovens participam de um debate sobre, sei lá, mil coisas. No palco, um famoso âncora de TV é pressionado a dar sua opinião sincera, sem hesitar, sobre o país. Acuado e incentivado por uma visão no meio da plateia, ele solta o verbo. E seu forte discurso aparentemente antipatriótico, essencialmente realista, se propaga pela internet.

Pela primeira vez, o diplomático Will McAvoy sai de sua zona de conforto. E, diante da debandada de sua equipe – e da chegada da produtora executiva Mackenzie MacHale, uma antiga paixão –, ele repensa os rumos do trabalho que vem fazendo até aquele momento. Reluta, mas aceita o inevitável: sua consciência. E muda. Estreia deste domingo na HBO, às 21h, The newsroom vem carregada de significados que vão além da política dos Estados Unidos e do posicionamento de sua imprensa. Mais do que isso, a série de 10 episódios, que traz Jeff Daniels na pele de Will, tenta lançar um olhar idealista sobre o jornalismo atual. E, ainda, traz de volta à TV Aaron Sorkin, criador de The West Wing e vencedor do Oscar de melhor roteiro adaptado pelo longa A rede social. Seus Sorkinismos, definição criada para seu estilo focado em longos diálogos e sermões, estão todos lá.

– Gosto de comédias ambientadas em locais de trabalho. Queria muito fazer uma série em uma redação pelo mesmo motivo que, um dia, quis fazer The West Wing. Na cultura pop, os líderes eram sempre retratados como heróis ou como idiotas. Naquela época (em 1999), eu desejava o contrário: mostrar uma versão idealista e romantizada dos principais nomes da política. Hoje, a mídia vive tempos de cinismo. Também queria dar ao jornalismo esse mesmo tratamento e acrescentar um fator de comédia romântica – conta um bronzeadíssimo Sorkin, num quarto do luxuoso hotel Four Seasons, em Beverly Hills.

Índices de audiência

Sorkin admite que, depois do Oscar, a pressão aumentou. A série, que ainda tem Sam Waterston (de Law & order), Dev Patel (do filme Quem quer ser um milionário?) e John Gallagher Jr. (do musical O despertar da primavera) traz como subtramas notícias de um passado recente, como o vazamento de petróleo no Golfo do México, em 2010. E já tem o segundo ano garantido.

– É um ciclo. Quando alguém alcança um patamar alto, parece que tem que ser derrubado pelos outros. A pressão é grande, mas quem decide é o público. A série é entretenimento puro; mas, se ela levantar algum tipo de debate na sociedade, fico feliz – diz Sorkin.

Aos 57 anos, Jeff Daniels concorda com Sorkin no que diz respeito ao debate. Para o ator de sucessos tão díspares quanto o cult A lula e a baleia e o blockbuster Debi & Lóide – Dois idiotas em apuros, este pode ser o papel de sua vida.

– É um grande desafio fazer algo que realmente importa. Este não é um papel que eu poderia fazer aos 28 anos, ou até há 10 anos. Passar pela Broadway me ajudou. Então, quando surge uma oportunidade como esta, você sente que merece e que ralou para caramba para conseguir isso. Para dar conta de um papel como este, há que se ter recursos (dramáticos). Não adianta só ser jovem e bonito – acredita o ator, que estreou no cinema sob a batuta do diretor Milos Forman e ganhou fama com Laços de ternura, de 1983, e A rosa púrpura do Cairo, de Woody Allen.

Nos episódios seguintes ao discurso na universidade, Will revela muitos traços de sua personalidade. Sarcástico, a princípio temido por sua equipe, o âncora ainda sofre por sua frustrada relação com Mackenzie. Finalmente, toma para si a responsabilidade educar os desinformados cidadãos americanos.

– Ele é muito popular, mas extremamente infeliz, amargo, solitário. Will gosta de ser amado, apesar de não ser um sujeito legal, e foge da dor com os índices de audiência – conta o ator, que não visitou emissoras, nem fez laboratório: – Pesquisa às vezes atrapalha. Você fica checando suas anotações o tempo todo, e isso pode limitar. Já visitei muitos programas promovendo filmes. A partir daí, é usar a imaginação.

“Nervosa e ansiosa”

Vivida pela britânica Emily Mortimer (de A invenção de Hugo Cabret e Ilha do medo), é a produtora Mackenzie quem dá o pontapé inicial na cruzada de Will para “civilizar o mundo”, como ele diz. Citando Dom Quixote à exaustão, recém-chegada de uma temporada de trabalho no Oriente Médio e ás na arte do discurso, é ela quem convence o âncora do News night a mudar a linha editorial. Sai a postura em cima do muro, entra a preocupação com a veracidade das notícias levadas ao telespectador.

– Um dos pontos centrais de The newsroom é como é difícil ser um idealista hoje em dia, quando tudo se resume facilmente a números. É muito fácil ser cínico. Eu gosto muito de uma frase de Edmund Burke (escritor e filósofo irlandês): “O mal acontece quando homens bons nada fazem”. Esse idealismo nunca deve ser esquecido – acredita Emily, acrescentando: – Mackenzie é brilhante no ambiente de trabalho. Eu também sou otimista como ela; e nervosa e ansiosa em boa parte do tempo. Mas tenho medo de, um dia, descobrirem que sou uma grande farsa, uma fraude!

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[Tatiana Contreiras, de O Globo]