Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Como manchar o jornalismo esportivo

Anfitrião do programa The Voice nas tardes de domingo na Rede Globo de Televisão, o jornalista Tiago Leifert encontrou seu lugar: o mundo do entretenimento. Deixou o jornal Globo Esporte de lado, uma licença permanente que deveria ser eterna, primeiro passo para recuperar o jornalismo esportivo nesse tradicional espaço na TV brasileira, e ser o começo da limpeza do seu método de fazer cobertura das notícias; a próxima etapa é deixar o posto de editor-chefe do jornal, cargo que exerce mesmo participando do The Voice.

Tiago tem talento único em saber lidar com o telespectador, sempre pelo lado do entretenimento. Sua característica é essa e a apresentava nas suas reportagens no programa de esportes radicais chamado ProRad, que permite um trabalho mais despojado. Porém, trabalhava num lugar em que a profissão é levada a sério. O SporTV, canal de TV por assinatura que pertence às Organizações Globo, cortava constantemente as matérias de Tiago nos jornais pelo simples motivo de serem fora do padrão, ou seja, cheias de piadas engraçadinhas e com o ponto de vista brincalhão. Não combina com jornalismo de qualidade.

Em janeiro de 2009 começou sua jornada à frente do Globo Esporte edição São Paulo, rica faixa de horário (do almoço) na principal rede do Brasil. Também como editor-chefe, Tiago viu a oportunidade de aplicar o que entendia ser a grande sacada para mudar o jeito de que era feito o jornal. Sem perceber, ao mesmo tempo em que conseguia popularidade diminuía o nível do jornalismo feito, visto que passou a tratar os telespectadores como clientes.

Estratégia comercial

Enxergou um público forte que está em casa no horário de transmissão do jornal, entre 12h45 e 13h15, predominantemente crianças/jovens. Esses clientes passaram a ser tratados como tal e quem lida com clientes faz marketing, conforme Bill Kovach e Tom Rosenstiel mostram no livro Os Elementos do Jornalismo – o que os jornalistas devem saber e o público exigir. No capítulo de número 3, “Para Quem Trabalham os Jornalistas”, na seção “Cidadãos não são clientes”, é destacada uma declaração do ex-editor executivo do jornal San Francisco Mercury News, que aponta: “Os melhores editores são marqueteiros.” Um erro cometido quando se busca um resultado firme e duradouro.

Contando os três primeiros anos com Tiago, o Globo Esporte manteve uma razoável audiência, líder no horário. Segundo números do Ibope, a média (por dia) registrada foi de 11,2 em 2009, 11,6 em 2010 e 11,2 em 2011. Em 2012 caiu um ponto na média (10,1) – o Ibope classifica cada ponto com 60 mil domicílios na Grande São Paulo. Irritado, Tiago chegou a contestar os números, que se fossem bons seriam usados por ele para promover o show e pela Rede Globo para angariar anunciantes. Porém, o faro é que essa média de 10,1 é a pior da história do jornal, no ar desde 1978.

Kovach e Rosenstiel exemplificam o que aconteceu em três tópicos a serem abordados adiante, registrados no capítulo de número 8, intitulado de “Engajamento e Relevância”. Na página 233, os autores esclarecem: “Atrair o público com ângulos engraçadinhos acaba falhando como estratégia comercial, em longo prazo, por três razões.”

Sobre forma, não substância

1. A emissora alimenta seu público com coisas superficiais e entretenimento, secando o apetite e as expectativas de outras pessoas por coisas diferentes.

O sucesso repentino do Globo Esporte com Tiago Leifert criou algo natural em outros jornais das redes concorrentes: tentar fazer igual. Um exemplo claro disso aconteceu recentemente, sem Tiago na apresentação, mas como editor. O São Paulo Futebol Clube anunciou, no dia 2 de outubro deste ano, alvará que permite a construção da cobertura do seu estádio e quem apresentou a cerimônia foi o presidente do clube, Juvenal Juvêncio, conhecido por ter um comportamento cômico. A chamada da matéria sobre o evento usou a expressão stand-up para noticiar o que ocorrera na apresentação – o jornal Jogo Aberto, da Rede Bandeirantes, também usou a expressão stand-up na chamada da reportagem…

No livro Os Elementos do Jornalismo, é exposta uma informação do Insite Research, empresa de pesquisa de audiência da Califórnia, que revela: “Entre em os que assistem jornais diários, mais da metade não se preocupa com que estação sintoniza.”

2. O infotainment [informação com entretenimento] destrói a autoridade das empresas jornalísticas, impedindo de difundir notícias mais sérias.

O Globo Esporte, na era Tiago Leifert é conhecido como? Pelas reportagens de vídeo game, pelo Funk do Val Baiano, pelo João Sorrisão, pelo Armeration e outras futilidades. Por isso, o atacante do Palmeiras Barcos, de forma acertada (embora com palavras de baixo calão), não se dobrou e nem aceitou piadinha direcionada por um repórter do Globo Esporte que o comparou ao cantor Zé Ramalho. Barcos xingou o jornalista Léo Bianchi e Tiago, via Twitter, e xingou seus seguidores pela repercussão que o caso teve. Com a boa fase do atleta, o jornal comandado por Tiago até elogiou o argentino após uma grande atuação, porém tocou uma música do Zé Ramalho no final da matéria em questão…

A moda do momento é insistir em direcionar as matérias do Corinthians com o jogador chinês Zizao. Foi criada uma campanha “Joga Zizão”. Ele jogou e outra campanha surgiu “Toca pro Zizão”. O Ignite Research atesta: “O desinteresse pelo noticiário local acontece por uma razão: a maioria das estações gasta muito tempo cobrindo os mesmos assuntos, repetindo e repetindo.”

3. A estratégia do infotainment não funciona como recurso comercial porque, ao transformar notícias em entretenimento, as emissoras reforçam a concorrência e não seus próprios recursos.

Aqui Kovach e Rosenstiel resumem essa questão com maestria: “O infotainment talvez possa atrair público em curto prazo e ser mais barato de produzir, mas no final constrói uma audiência rasa porque é construída sobre forma, não substância. Esse tipo de público logo passa a um assunto ‘mais quente’ porque costuma brincar num campo esponjoso – o da excitação gratuita.”

Desintoxicação da linha editorial

Tiago Leifert tem ciência de que suas piadinhas esportivas terão fim. Ao desfrutar da sua fama, foi tema de reportagem da revista Rolling Stone em maio de 2010, escrita por Paulo Miyazawa, que teve o seguinte encerramento: “(…) Será que vou reparar que a piada não funciona mais? Será que vou saber dizer: ‘Pô, estou obsoleto?’ Isso me assusta um pouco”, [Tiago] exclama. “Porque um dia vai acabar.”

No campo do entretenimento é diferente, seu espaço nesse segmento é garantido. Quando um boato circulou que poderia apresentar outro reality show, o BBB, estava pavimentado o caminho para o setor que mais lhe é apropriado. No show de calouros The Voice, Tiago mostra um domínio peculiar da atração. Se o programa tiver outras temporadas, deve continuar como apresentador. O que seria bom, melhor sendo se deixar o Globo Esporte.

Começando pela apresentação, depois pela editoria… O estilo Tiago Leifert de fazer jornalismo esportivo permeado na grande mídia, porém, não acabará rapidamente. Contudo pode marcar o começo da desintoxicação dessa nociva (e de mau gosto) linha editorial.

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[João da Paz é jornalista, São Paulo, SP]