Tuesday, 19 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1279

Teatro da fidelidade

Depois de terminar 2012 em sexto lugar no ranking de audiência em São Paulo, atrás da TV Cultura, a RedeTV! recorreu a um velho conhecido para tentar tirá-la do buraco. João Kléber ganhou logo dois programas e, hoje, onipresente, ocupa a grade da emissora sete dias por semana –de segunda a sexta, pela manhã, e aos sábados e domingos, à noite.

A rigor, as histórias de João Kléber e da RedeTV! não podem ser escritas separadamente. Esta é a segunda vez que o comediante trabalha para Amilcare Dallevo e Marcelo de Carvalho. Na primeira, acompanhou a emissora desde os primórdios, em 1999, até 14 de novembro de 2005.

Neste dia histórico, o sinal da RedeTV! foi cortado por 24 horas, em consequência do descumprimento de uma ordem judicial que obrigava a emissora a exibir um programa educativo no lugar de uma atração então comandada por João Kléber, acusada de discriminação contra homossexuais.

Depois dessa, João Kléber se “exilou” em Portugal, onde continuou a fazer sucesso com as suas pegadinhas, em especial o “Teste de Fidelidade”. Caso algum leitor desconheça, trata-se de um quadro no qual homens comprometidos são submetidos ao assédio de mulheres contratadas pela produção do programa, em situações simuladas, para ver se resistem à sedução. Às vezes a situação se inverte, e mulheres passam pelo teste.

A brincadeira se completa no palco do programa. Primeiro, a mulher que “encomendou” o teste vê imagens gravadas com câmeras “escondidas” e, na sequência, confronta o companheiro, sempre aos gritos, querendo agredi-lo. João Kléber fica no meio, ajudado por um “segurança” que mede 1,60 m, tentando “controlar” a situação.

“Um sujeito gentil”

Quem assiste a 15 minutos de um “teste” pode considerar já ter assistido a todos. É sempre igual. Mas por razões misteriosas há algo que magnetiza o público neste programa “trash”, hoje responsável pelas melhores audiências da RedeTV!.

No meio da confusão, João Kléber recorre a velhos truques (“para, para, para!!!”, ou “você tem certeza que quer continuar vendo?”), que deveriam irritar, mas que acabam divertindo. As frases exibidas na tela dramatizam a situação num crescendo, elevando o grau de exposição do casal ao ridículo.

Um dos segredos, creio, vem do fato de que boa parte do público sabe que o “Teste de Fidelidade”, na verdade, é um “Teatro da Fidelidade”. Na fronteira da farsa, para muita gente o programa representa o que os americanos chamam de “guilty pleasure”, algo que proporciona prazer a despeito de ser considerado ruim.

Em 2011, João Kléber participou do reality “A Fazenda”, da Record. Lá, tentou mostrar uma faceta pouco conhecida, de sujeito boa-praça, mas não deu certo. Foi um dos primeiros eliminados, votado pelo público.

Em entrevista ao UOL, pouco tempo depois, o comediante desabafou: “Sempre me acusam de promover baixaria na televisão, porém, no instante em que entro em um programa e demonstro quem sou realmente, um sujeito gentil, sincero e amoroso, me colocam para fora. Ou seja, o público reclama, mas gosta mesmo é de ver o circo pegar fogo”. O sucesso do “Teste de Fidelidade” mostra que ele tem razão.

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Mauricio Stycer é colunista da Folha de S. Paulo