Thursday, 18 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Em que pé estamos?

A aristocracia ainda existe? E se, o que seria? Pois, a aristocracia (do grego αριστοκρατία, de άριστος (aristos), melhores; e κράτος (kratos), poder, Estado), literalmente poder dos melhores, é uma forma de governo na qual o poder político é dominado por um grupo elitista. Normalmente, as pessoas desse grupo são da classe dominante, como grandes proprietários de terra (latifundiários), militares, sacerdotes etc.

Este termo atualmente não tão usado é o retrato fiel do Brasil de hoje. Mas os ditos ‘melhores’ e/ou ‘normais’ de hoje são outros, em um sociedade hétero-normativa longe de ser laica, e muito mais ainda de ser justa. Como diria Michel Foucault em suas teses sobre as relações de poder na sociedade humana, um ser, para destacar-se perante os demais, se auto-intitula o correto/melhor, fazendo com que o diferente seja desmerecido, para tanto criou um ser superior, em detrimento de um menor/diferente.

O Poder se expressa nas diversas relações sociais, assim, pode-se falar, que onde existem Relações de Poder, existe política. Por sua vez, a política se expressa nas diversas formas de poder e pode ser entendida como a política relacionada ao Estado, como também, em um sentido mais amplo, e não menos importante, em outras dimensões da vida social.

Hoje, os héteros podem mais, têm mais direitos. Desde que despertam ao amanhecer, ao chegarem ao trabalho, no ônibus, restaurantes, shoppings, ao tentarem retornar a seus lares, tal qual em suas tentativas de lazer, aonde muitas vezes não conseguem regressar ilesos. Nem devo citar os miles de casos, dentre eles os 78 itens da Constituição, aos que se privam no país ao usufruto a comunidade homossexual.

São Paulo, de friendly city tem espancamento

Os recentes e alardeados casos de homofobia retratados em massa pela grande mídia fazem eco a um anseio de ONGs e entidades de direitos humanos a décadas. Em meio a isso, surgem os desgastadíssimos, mas necessários temas carregados nesta onda: união civil e criminalização da homofobia. Em entrevista à Folha de S.Paulo, a hoje senadora eleita Marta Suplicy fala, dentre outros temas, sobre os assuntos midiáticos do momento:

Folha – Como a sra. avalia os últimos episódios de ataques homofóbicos em São Paulo? Defenderá a criminalização da homofobia no Congresso?

Marta Suplicy – Nós estamos vivendo um enorme retrocesso na questão dos direitos dos homossexuais. O meu projeto sobre a união civil data de 15 anos atrás. Nós caminhamos enormemente na área jurídica, com grandes avanços, que vão desde o reconhecimento da união à adoção de crianças, e uma paralisação absoluta no Congresso. Nem discussão tivemos nesses últimos anos. Quando você tem uma sociedade paralisada nessas discussões, você tem uma manifestação mais explícita da homofobia. Mesmo que tenhamos hoje paradas gays importantes, elas acabam se transformando em paradas festivas, e não em reconhecimento de direitos. Como estamos hoje, se eu fosse obrigada a escolher, preferia não ter parada gay e ter toda essa questão votada de forma positiva no Congresso porque na verdade o que almejamos são os direitos civis.

A parada gay serviu para dar um espaço na mídia, mas não serviu para a transformação que precisa ser feita no país. Para você ter uma ideia, quando o meu projeto sobre a união civil gay foi apresentado, a Argentina era um país homofóbico quase. Hoje ela tem uma lei extremamente avançada e Buenos Aires é friendly city para gays. E nós aqui, de friendly city temos espancamento na Avenida Paulista. Essa é a diferença.

Folha – E é a favor da criminalização da homofobia?

M.S. – Sim.

Preconceito, criminalidade e semitismo

Enquanto isso, na sala de justiça… digo, Rede Globo, a fabulosa série Clandestinos entrará para o rol de obras censuradas do período ‘democrático’ brasileiro. A cena, que deveria ter ido ao ar no episódio de ontem de Clandestinos – O Sonho Começou, mostra o ator Hugo (Hugo Leão) cumprimentando o diretor Fábio (Fábio Henriquez), de quem é amigo de longa data, com um beijo na boca. Ou seja, que o sonho do primeiro beijo entre iguais na TV brasileira não ocorreu desta vez?

A rede carioca, que historicamente tem seus dois pés no conservadorismo e é a maior arma de manutenção de preconceitos e do status quo dos pré-conceitos da burrocrática e fascista realidade brasileira, como em outros casos pisou na jaca. Em 2005, os atores Bruno Gagliasso e Erom Cordeiro gravaram um beijo entre os personagens Júnior e Zeca, da novela América, mas a cena não foi exibida.

Procurada pela Folha, a Globo informou que o episódio tinha como fio condutor a amizade entre Fábio e Hugo. ‘Para contar esta história, a emissora utilizou os recursos artísticos que achou mais adequados, incluindo a edição da cena que representou o reencontro dos dois.’

Como se diz por aqui no sul: ‘Queres me enganar, me dá uma bala. Eu sou criança!’

O momento é gravado pela assistente Elisa (Elisa Pinheiro), que fica curiosa sobre o passado de Fábio. Apesar de não ter ido ao ar, a cena caiu no YouTube. É por essas e outras que gays são atacados na rua, na chuva e na fazenda nem tanto ultimamente. É o mesmo preconceito. A emissora é tão agressora quanto os senhores de respeito da sociedade hétero-normativa que atacaram homossexuais na Avenida Paulista recentemente. O Brasil é um país provinciano de mentalmente subdesenvolvida que teima proteger delinquentes. Aqui o violento e bárbaro é o correto e a v´tima o criminoso. O Brasil é uma grande mentira, um paísola metido a primeiro mundo.

Igual ao primeiro, ou que se crê primeiro mundo, só temos o preconceito, a criminalidade e o semitismo. Aristocrático ou burrocrático? Em que pé estamos?

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Ator, diretor teatral, cantor, escritor e jornalista, Florianópolis, SC