Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Freedom na TV

Em fevereiro de 2007, o deputado Paulo Bornhausen, do PFL de Santa Catarina, propôs a PL-29/2007. Segundo esse projeto de lei, entre outras mudanças todas as operadoras de televisão por assinatura deveriam oferecer gratuitamente um pacote com canais brasileiros, como TV Senado, TV Justiça e Futura. A parte da proposta que mais incomodou a ABTA (Associação Brasileira de TV por Assinatura), maior opositora ao projeto, é a que especifica a participação de, no mínimo, 50% de programação nacional em qualquer dos pacotes oferecidos por empresas como Sky, NET e OiTV.

Segundo os defensores do projeto, entre eles o autor – Paulo Bornhausen – e o deputado Jorge Bittar, do PT do Rio de Janeiro, essa lei não só incentivaria a produção audiovisual nacional, mas também a sua distribuição. Entre 2008 e 2009, tornaram-se mais ferrenhas as propagandas da ABTA contra a PL-29/2007, que lançou um sítio e vários vídeos, tentando doutrinar o assinante de que impor participação nacional na programação era um atentado à liberdade de escolha de quem pagava pelo sinal. Um dos argumentos do movimento ‘Liberdade na TV’ é o de que a lei encareceria o serviço, afetando os assinantes onde lhes mais dói: no bolso!

Segundo um suposto estudado encomendado pela ABPTA (Associação Brasileira de Programadores de Televisão por Assinatura) e pela Sky, nove seriam os efeitos da PL-29/2007. Entre eles, redução dramática da diversidade cultural e desprezo ao acervo cultural brasileiro com mais de sete anos. Este último reflete uma das condições do projeto, pelo qual todos os programas nacionais a serem veiculados deveriam ter sido produzidos até sete anos antes de sua ida ao ar. No entanto, fora o apelo monetário da campanha, surge o ponto: com a aprovação da lei, haverá diminuição da diversidade cultural. Isso só pode ser verdade se já houver, de fato, uma programação diversa nos televisão brasileira.

Uma diversidade relativa

Enfim, se analisarmos as grades de programação dos canais mais oferecidos pelas operadores de televisão por assinatura no Brasil, encontraremos a tal diversidade cultural que será ‘drasticamente diminuída’ como roga a campanha da ABTA? Segundo pesquisa realizada pelo Ibope (Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística) em 2009, publicada no sítio vcfaz.net, os dez canais fechados mais assistidos no Brasil são: sete desses canais pertencem a empresas estadunidenses, os outros três (Multishow, SporTV e Universal Channel) fazem parte da Globosat, a sucursal a cabo das Organizações Globo. A revista O Viés analisou a programação fixa desses dez canais e chegou a este resultado:

A participação estrangeira média é de 80% e, em especial, os programas estadunidenses consomem 73% da programação total. A que diversidade cultural a ABTA se refere? Pelos números, só pode ser à diversidade cultural dos Estados Unidos porque a brasileira – e mesmo a latina – é completamente deixado de lado.

Os três canais mais assistidos são Discovery Kids, Cartoon Network e Disney Channel – todos voltados ao público infantil. Neles, as médias sobem: a de programação estrangeira vai para 97% e a de programas estadunidenses, para 84%. O canal Discovery Kids, nesse âmbito, tem uma diversidade relativa, oferecendo também programas da Austrália, do Canadá, da França, da Itália, da Islândia e um único programa brasileiro, Peixonauta, primeiro desenho animado produzido no Brasil a se manter no ar.

Desenhos animados são todos estrangeiros

As crianças que têm acesso à televisão a cabo no Brasil, geralmente de ‘classe’ média alta ou alta, estão, portanto, entregues a programas feitos sob medida para crianças de outros países, com redes históricas e sociais diferentes das nossas. Que influência isso tem? A especialista em Educação Infantil Sonia das Graças Oliveira Silva chama a televisão de ‘babá eletrônica’. ‘A televisão está sempre à disposição, oferecendo a sua companhia a qualquer hora do dia ou da noite. Alimenta o imaginário infantil com todo tipo de fantasias e contos. É um refúgio nos momentos de frustração, de tristeza ou de angústia’, complementa a especialista.

Não é necessária nenhuma pesquisa para se notar que serão essas mesmas crianças de ‘classe’ média alta ou alta que, em sua maioria, também estudarão em escolas particulares, farão cursos pré-vestibular, passarão nas universidades mais prestigiadas do país e tomarão os cargos que determinam os rumos do país: juízes, promotores, deputados, professores universitários, grandes empresários. A infância tem um grande apelo na formação da personalidade de uma pessoa. Determina nossos desejos mais primitivos, nossas concepções mais profundas e incipientes. Essas crianças de hoje terão o que em mente quando tomarem as rédeas político-econômicas do país? Provavelmente, não será um senso de comunidade nem de consciência das conjunturas nacionais.

Não é só na televisão a cabo que há presença estrangeira, no entanto. Os canais abertos mais assistidos (Globo, Record, SBT e Band) também têm sua parcela – e grande! – de programas feitos para outros públicos. A maioria dos filmes e séries vem de fora e todos os desenhos animados, por exemplo, são estrangeiros. Os canais que apostam na produção audiovisual nacional são os menos conhecidos, muitas vezes por dificuldades técnicas de captação de seu sinal – Futura, TV Cultura e os canais regionais, como a TVE, no Rio Grande do Sul.

Leis preveem participação mínima

Se há uma presença opressora de programas estrangeiros no Brasil e na América Latina como um todo, existem, em contraponto, ações que incentivam e valorizam o audiovisual local. A mais ampla é a TAL (Televisão América Latina), idealizada e criada pelo jornalista brasileiro Gabriel Priolli, que congrega mais de 170 associados em mais de 20 países e permite o intercâmbio de produções regionais por toda sua rede. A outra ação é a TeleSUR (Televisión del Sur), uma emissora multi-estatal fundada pelos governos da Argentina, de Cuba, do Uruguai e da Venezuela em 2005 e cujo mote é ‘nosso norte é o sul’.

O projeto de lei 29/2007 está agora na Comissão de Constituição de Justiça e de Cidadania da Câmara dos Deputados e, no dia nove de fevereiro deste ano, 22 novas emendas foram sugeridas ao projeto. Enquanto isso, a ABTA diz que o assinante tem o direito a escolher seus programas ‘culturalmente diversos’, mesmo que 73% venha do mesmo país – e não é o Brasil.

Outro argumento muito usado contra a proposta da lei é a de que o Brasil não tem produção suficiente e/ou de qualidade para ser levada ao ar. Se não tem (do que eu duvido), essa é a hora para incentivá-la. E, para aqueles que acham que fazer uma lei para isso é muito extremo, eis um fato que a própria ABTA lança em sua campanha ‘Liberdade na TV’: Austrália, Canadá e União Europeia têm leis que preveem participação mínima de produção nacional em todos os canais, abertos ou fechados. Sem falar dos Estados Unidos, que não precisam de uma lei para supervalorizar seus próprios programas e esnobar os outros que, em pouco tempo talvez, passem a se chamar world TV, como já acontece com toda música que não foi feita no país mais amado do mundo.

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Estudante de Jornalismo, Santa Maria, RS