Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Globo e Casa Civil, tudo a ver

No recém-encerrado Congresso da Associação Brasileira de TVs por Assinatura (ABTA), o assessor da Casa Civil, André Barbosa, defendeu o decreto presidencial que implementa a TV digital no Brasil (5.820/06) e salientou que um dos aspectos fundamentais deste decreto seria a possibilidade de multiprogramação.

O que Barbosa não falou é que o decreto permite que a multiprogramação seja feita exatamente pelas mesmas emissoras que já controlam o espectro de TV aberta. Ou seja, teríamos 4 Globos, 4 Bandeirantes, 4 SBTs, 4 Record, etc. E, como também não há previsão para a regulamentação da produção regional e independente (prevista pela Constituição Federal), esse aumento do número de programações não significaria uma pluralidade no número de produtores.

Mas, na mesma mesa de debates em que se encontrava André Barbosa, o representante da Rede Globo foi categórico. A emissora não deseja fazer multiprogramação (provavelmente para não entrar em competição com a própria GloboSat, que já produz canais segmentados) e vai focar na alta definição e na transmissão para recepção móvel.

O maior player do mercado, então, apontou que não só não vai fazer o que deseja a Casa Civil como vai ocupar boa parte do espectro com uma transmissão em alta definição.

Ora, se não teremos novas emissoras, se as atuais não serão obrigadas a comprar programações de terceiros, se boa parte do espectro será ocupada com alta definição e se a principal emissora avisou que não vai fazer multiprogramação, quem será que vai cumprir o que previu o representante da Casa Civil?

Só restam duas opções

A multiprogramação será feita pelas demais emissoras privadas. Aquelas mesmas que inundam suas únicas grades de programação com vendas de tapetes e anéis e cultos pentecostais, simplesmente por falta de um modelo de negócios que as torne produtoras de conteúdo. Então, de uma hora para outra, diante do mesmo mercado publicitário atual, CNT, RedeTV e SBT resolverão produzir conteúdo para quatro canais simultâneos. E a Bandeirantes resolverá produzir conteúdo audiovisual segmentado que dispute verbas no mercado publicitário com o Band Sport e o Band News, por exemplo. Ou, então, serão os coronéis das oligarquias regionais (donos das afiliadas das grandes redes nacionais), que tratam suas emissoras como mero instrumento de manutenção de seu poder local, que nada produziram até hoje de conteúdo próprio, que vão resolver disputar o mercado publicitário local com as próprias cabeças de rede.

Parece difícil aceitar que alguém no governo acredite mesmo nessa proposta.

A outra opção seria uma brutal injeção de recursos nas emissoras estatais para que elas sim façam a tal multiprogramação. Ou seja, o ônus da pluralidade e da diversidade ficaria apenas com as emissoras estatais, enquanto as concessionárias públicas de TV ficam desobrigadas de cumprir com os dispositivos constitucionais. Isso tudo, claro, a depender de um significativo aumento das verbas federais para estas emissoras.

‘O que vocês querem, que se taxe a televisão?’

Este raciocínio parece fazer sentido, porque o mesmo assessor da Casa Civil se mostrou indignado quando lhe foi sugerido que as emissoras privadas tivessem que contribuir para um fundo público que financiasse a produção independente. Mas, se as operadoras de telecomunicações pagam o FUST (que, como conceito é correto; mas, cuja execução é um desastre), por que as TVs abertas não poderiam contribuir com um fundo também? Barbosa, no entanto, garantiu que um imposto assim não existirá.

Inclusão digital é coisa de mercado

Em entrevista à Telesíntese, uma fonte do governo federal envolvida com a TV digital confirmou que o set top box da TV digital (aquela caixinha que será acoplada em nossos televisores analógicos) não deverá estar conectada a um canal de retorno, a fim de se tornar interativa.

Esta possibilidade será deixada com o ‘mercado’. Ou seja, o cidadão comum terá que pagar mais por um set top box com mais memória, com um processador mais veloz e com um modem, além de assinar um serviço de banda larga, para conseguir usufruir das potencialidades interativas da TV digital.

E quem não tiver recursos para pagar por um set top box mais caro e pelo acesso banda larga à internet? Este cidadão continuará assistindo a antiga TV unidirecional, excluído de serviços como educação à distância, tele-medicina, e-mail, governo eletrônico, etc.

Depois de universalizar a TV aberta, o Brasil está às vésperas de produzir o cidadão excluído da TV aberta interativa.

Talvez por isso os radiodifusores se mostraram tão felizes com este decreto que também parece ter satisfeito a Casa Civil da Presidência da República.

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Jornalista, coordenador geral do Instituto de Estudos e Projetos em Comunicação e Cultura (Indecs), membro eleito do Comitê Gestor da Internet do Brasil e membro do Coletivo Intervozes