Tuesday, 19 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1279

Joaquim Vieira

‘A revista ‘Pública’ dedicou há três semanas a capa e 11 páginas interiores ao norte-americano Tommy Hilfiger. Para os leitores menos familiarizados com a figura, Hilfiger criou uma marca de sucesso comercial no ramo das confecções, ao estabelecer certo conceito de imagem adoptado pela geração jovem. A própria reportagem considera que ele ‘não é tanto um designer de roupas, mas mais um vendedor de ideias e um homem de negócios’. O artigo veio a propósito de um livro que o ‘homem de negócios’ acabara de conceber e lançar internacionalmente (e em Portugal nessa semana). O volume, no formato de coffee table book, consiste numa antologia de emblemas gráficos da civilização ianque, aquilo a que nos EUA se chama Americana e que ao longo do tempo tem sido objecto de diversas abordagens editoriais (com a particularidade de o modesto Hilfiger se colocar a ele próprio entre as imagens dessa simbologia).

Os responsáveis do Público são inteiramente soberanos nas suas opções editoriais, e não compete ao provedor pronunciar-se sobre elas (a não ser em caso de flagrante contradição com o Estatuto Editorial). Mas, de qualquer modo, tendo em conta a prática habitual e os meios do Público, surpreende tão extensa cobertura do assunto, que implicou uma ida a Nova Iorque para o jornalista falar com o protagonista. Só que o motivo revela-se por uma frase no fim do texto: ‘O jornalista viajou a convite da Tommy Hilfiger’. O jornal apenas publicou o trabalho sobre a personagem porque esta pagou a viagem e a estada ao repórter.

O método observa-se hoje com frequência na imprensa portuguesa: a oferta de deslocações a jornalistas, por empresas e instituições privadas, na ânsia de obterem cobertura noticiosa para as suas actividades. Um dos factores de sucesso na sociedade mediatizada em que vivemos consiste no grau de notoriedade pública alcançado (a extensão das referências nos media ao nome ou ao produto, mais do que o elogio das suas características), e há quem esteja disposto a pagar por isso. Alguns jornais não referem sequer o ‘pormenor’ da oferta, mas o Livro de Estilo do Público estabelece que quando ‘os jornalistas viajam a convite de empresas ou em comitivas oficiais [que o provedor coloca em categoria distinta da relativa às entidades privadas], esse facto deve ser referido de forma clara junto aos textos resultantes dessas viagens.’

Só que esta prática suscita interrogações mais complexas, a que o Livro de Estilo não responde. A primeira é saber se o jornal não perde deste modo a autonomia editorial, já que a sua agenda passa em parte a ser definida não em função uma hierarquia de prioridades informativas, estabelecida pelos seus responsáveis editoriais, mas em função de quem oferece viagens. Além de que a tendência será para destacar editorialmente os que pagam e ignorar os que não pagam. Todas as três reportagens do caderno P2 de 18 de Fevereiro, por exemplo, eram custeadas por entidades externas ao jornal, uma delas o turismo espanhol.

É claro que o jornalismo português vive em tempos de vacas magras. E que, em tal aflição, a cavalo dado não se olha o dente (para manter metáforas quadrúpedes). Por outro lado, as deslocações oferecidas garantem maior diversidade de matérias tratadas: ‘Não aceitar significa privar os leitores de conteúdos que só na forma destes convites estão acessíveis’, explica Ana Gomes Ferreira (AGF), editora da ‘Pública’, solicitada pelo provedor a esclarecer o caso Hilfiger. Dado que ‘o mundo da moda e da beleza faz naturalmente parte do conteúdo da revista’, a jornalista explica que ‘os grupos que representam as marcas de moda e de beleza organizam sessões de entrevistas com os criadores, convidando um grupo de jornalistas que, em junket ou individualmente, entrevistam o criador em questão e são postos em contacto com o trabalho que realizam’, sendo os convites ‘ponderados do ponto de vista do interesse jornalístico e da linha editorial da revista, e aceites ou recusados’. Em suma, ‘a revista optou por tratar estes convites da mesma forma que o jornal trata outros convites em que as despesas são pagas por quem convida’. (Nestas explicações não se coloca a hipótese de o jornal pagar as deslocações dos seus repórteres se realmente tem interesse editorial nas matérias em causa).

Não estarão os jornalistas a abdicar assim da sua função de gatekeepers, aqueles a quem os teóricos da comunicação sempre atribuíram a fulcral missão de escolher os temas a lançar no espaço público? Não é por acaso que um jornal com elevados padrões éticos como The New York Times tem esta regra interna: ‘Os membros da redacção não podem aceitar transportes e alojamento gratuitos ou com desconto, excepto quando circunstâncias especiais fornecem escassas ou nenhumas opções. Tais casos especiais incluem certas expedições científicas e militares e outras viagens para as quais as alternativas seriam impraticáveis – por exemplo, uma entrevista a bordo do avião de uma empresa, de que não resulta nenhum benefício para além da própria entrevista.’

O director do Público, a quem o provedor pediu que se pronunciasse, revela que ‘o tema da aceitação pelo jornal de viagens oferecidas’ sempre suscitou debate no seio do jornal, tendo-se chegado de início ‘a equacionar a inclusão de uma norma em que isso deveria ser expressamente vedado’. Mas a opção foi diferente: ‘Após alguma discussão, verificou-se que havia viagens com interesse jornalístico e que, caso o Público não aceitasse o convite, perderia a possibilidade de dar informação útil e importante aos seus leitores’. José Manuel Fernandes (que há dias viajou a convite de uma fundação portuguesa para escrever sobre a sua actividade na Índia) historia em detalhe o debate interno que o Público tem tido sobre o assunto, para chegar às normas actuais: ‘a) Sempre que o jornal ou um seu jornalista recebem um convite, é dado conhecimento à chefia e à direcção editorial. b) A chefia e/ou a direcção editorial decidem se o convite tem interesse jornalístico e, mesmo tendo, se a relação entre o tempo que o jornalista estará deslocado e a informação que produzirá é positiva para o jornal (…). c) A decisão sobre o jornalista que acompanha uma viagem oficial ou uma deslocação para uma apresentação comercial, ou se desloca a convite de outro país ou organização internacional, é tomada pelas estruturas de chefia. Não há convites pessoais no Público.’

O director reconhece porém: ‘O ideal era que tivéssemos condições financeiras para fazer como alguns jornais americanos, que aceitam os convites mas fazem questão de pagar as despesas, ou de pagar aos organizadores o equivalente a um cálculo do que representariam as despesas se fizessem a viagem por sua conta. Não é essa, porém, a situação da maioria dos órgãos de informação em Portugal, razão por que muitas vezes recusamos convites’. E ainda: ‘Não posso pois deixar de admitir que alguns eventos não seriam cobertos in loco pelo jornal se este não tivesse sido convidado. Não porque não tivessem interesse jornalístico, mas porque todos os dias temos de gerir um orçamento e uma equipa que não nos permitem realizar todas as reportagens que gostaríamos de realizar’.

Coloca-se ainda outra questão: estará o jornalista que beneficiou de uma viagem oferecida em condições de escrever com total independência sobre quem ofereceu? O provedor tem dúvidas, mas dá a palavra a AGF, que disso não duvida: ‘Quando se aceita um destes convites, são válidas as regras que regem todo o jornal: se a matéria se revela fraca e sem interesse jornalístico, não se escreve; se a matéria é má, aplica-se um olhar crítico; se houver pressões ou imposição de regras (…), não se aceita. Os três casos já aconteceram na revista (…). Porém, se o resultado for bom e adequado a capa, é o que acontece’. (Ler as explicações integrais de AGF e JMF no blogue do provedor).

Tendo-se posto a fazer contas, o provedor concluiu que, excluindo a capa, onde não é possível anunciar, 11 páginas da ‘Pública’ custam em publicidade 55.550 euros (+ IVA). Para os potenciais anunciantes, a ideia é óbvia: ‘Se procura promoção, não ponha publicidade na imprensa; pague antes uma viagem a um jornalista. Sai mais barato e a mensagem poderá ser mais eficaz’.

O provedor gostaria de fazer uma recomendação sobre o tema, mas abstém-se por realismo. Fica só este alerta para um problema que subsiste.

NOTA: O director de Comunicação e Imagem Corporativa do Grupo Espírito Santo, Pedro Pinto Fernandes, enviou um esclarecimento acerca do conteúdo da anterior crónica desta página, o qual poderá ser lido no blogue do provedor.

Documentação complementar

Esclarecimentos de Ana Gomes Ferreira, editora da ‘Pública’:

Os grupos que representam as marcas de moda e de beleza organizam sessões de entrevistas com os criadores, convidando um grupo de jornalistas que, em junket ou individualmente, entrevistam o criador em questão e são postos em contacto com o trabalho que realizam (através da mostra das últimas criações etc.).

A revista optou por tratar estes convites da mesma forma que o jornal trata outros convites em que as despesas são pagas por quem convida: para visitas a exposições, para junkets de cinema, para visitas ministeriais ou presidenciais, para reportagens relacionadas com o trabalho de organizações não governamentais, para promoção de regiões turísticas, por exemplo.

O mundo da moda e da beleza faz naturalmente parte do conteúdo da revista, como outros temas (cinema, diplomacia, sociedade, viagens) fazem naturalmente parte do conteúdo do corpo principal do jornal ou de outros suplementos. Desta forma, optámos por não tratar os convites de moda e de beleza de forma distinta apenas porque o lado comercial é mais óbvio do que uma visita ministerial ou uma estreia de cinema. Os convites são feitos, ponderados do ponto de vista do interesse jornalístico e da linha editorial da revista e aceites ou recusados.

A comparação feita não é, obviamente, pacífica – colocar no mesmo patamar uma reportagem sobre sida na Tailândia, um junket com Tom Cruise, uma entrevista com Tommy Hilfiger. Mas os exemplos estão unidos por uma questão comum: não aceitar significa privar os leitores de conteúdos que só na forma destes convites estão acessíveis.

Quando se aceita um destes convites, são válidas as regras que regem todo o jornal: se a matéria se revela fraca e sem interesse jornalistico, não se escreve; se a matéria é má, aplica-se um olhar crítico; se houver pressões ou imposição de regras (tem que ter x páginas, tem que ser capa, tem que…), não se aceita. Os três casos já aconteceram na revista; os três casos já aconteceram em convites sobre moda-beleza (convites para ver colecções de que não se gostou, e assim se escreveu; convites para tratamentos de beleza que, afinal, não eram mais do uma tentativa de fazer propaganda a determinado hotel, e nem uma linha foi escrita; propostas de entrevista que teriam que ser capa e que se recusaram). Porém, se o resultado for bom e adequado a capa, é o que acontece.

Ana Gomes Ferreira

Esclarecimentos de José Manuel Fernandes, director do Público:

O tema da aceitação pelo jornal de viagens oferecidas é objecto de discussão desde a redacção da primeira versão do Livro de Estilo, onde se chegou a equacionar a inclusão de uma norma em que isso deveria ser expressamente vedado. Após alguma discussão, verificou-se que havia viagens com interesse jornalístico em que, caso o PÚBLICO não aceitasse o convite, perderia a possibilidade de dar informação útil e importante aos seus leitores. Estabeleceram-se por isso as seguintes regras:

(Primeira versão do Livro de Estilo)

Os jornalistas do Público devem manter uma atitude independente e crítica perante todos os poderes e interesses estabelecidos mas nunca de forma preconceituosa, ressentida ou hostil. Por isso, e para isso, todas as despesas de reportagem, contactos ou deslocações em serviço ficam a cargo do jornal. O único critério para agendar e efectuar um serviço é o seu indiscutível interesse jornalístico.

Não se aceitam presentes, viagens, convites ou benesses de outro género, sempre que possam condicionar, de algum modo, a independência de quem escreve. As situações que possam suscitar dúvidas ou ambiguidade deverão ser aclaradas previamente com a Direcção, ouvido o Conselho de Redacção.

[Viagens incluídas na comitiva oficial do Presidente da República ou do primeiro-ministro por exemplo, ou os bilhetes de espectáculos, livros, discos e restante material que é objecto de crítica especializada estão naturalmente excluídos desta preocupação.]

A experiência dos primeiros 12 anos de vida do jornal, e a discussão, pela Direcção Editorial ou em sede do Conselho de Redacção [CR], de vários casos concretos que suscitaram dúvidas, levaram-nos a alterar estas regras. As alterações mais importantes traduziram-se na obrigatoriedade de indicar no jornal as condições em que o jornalista havia viajado (uma regra de transparência que está longe de ser comummente praticada mesmo na imprensa de referência internacional) e, no caso dos presentes, foi estabelecido um limite monetário para o valor daqueles que podiam ser aceites.

Cito as normas em causa, segunda e actual versão do Livro de Estilo, acompanhadas por notas que traduzem a discussão então havida:

52 – Para que o jornalista do Público mantenha uma atitude independente e crítica perante todos os poderes e interesses estabelecidos não se aceitam presentes, viagens, convites ou benesses de qualquer género, sempre que possam condicionar ou coarctar, de algum modo, a independência editorial. De todas as ofertas deve ser dado conhecimento à hierarquia e ofertas de valor estimativo superior a 60 euros devem ser remetidas ao expedidor (será disponibilizada uma carta tipo para efectuar esse tipo de recusas). As situações que possam suscitar dúvidas ou ambiguidade deverão ser aclaradas previamente com a Direcção que, se entender necessário, pode ouvir o Conselho de Redacção.

(Aquando da introdução desta norma, o responsável pela sistematização do novo Livro de Estilo acrescentou a seguinte nota:

Livro de Estilo, p.43. Questão discutida e reforçada na reunião do CR de 10 de Outubro de 1991. Na reunião do CR de 6 de Maio de 2004, o director mostrou-se aberto a propostas para o estabelecimento de regras diferentes das habituais para prendas e viagens e falou de The New York Times, onde, esclareço eu, os jornalistas não podem receber qualquer tipo de prendas, desde que elas ultrapassem os 25 dólares (ver parágrafo 33 das regras do NYT). Ou seja, podem aceitar canetas e uma caneca com o logo de uma empresa, e pouco mais. O Livro de Estilo do Le Monde diz: ‘Tout cadeau dont une estimation rapide permet de penser qu’il coûte plus de 70 euros est renvoyé au expediteur’ (p.8 do Livro de Estilo do Le Monde). Os 75 corrigem o valor da inflação desde que saíram as normas do Le Monde

Oscar Mascarenhas na sua proposta à Lusa faz a seguinte distinção:

Brinde é aquilo que se recebe e não se importa de dar a outra pessoa; prenda é aquilo que se recebe e custa privar-se disso. Outro critério pode ser o do valor: brinde tem valor inferior a 15/20 euros; prenda tem valor superior. Mas mais importantes são a transparência e a frontalidade. Por isso, os jornalistas da Lusa têm a obrigação de informar, com verdade, a hierarquia editorial de qualquer oferta de que sejam alvo, independentemente do seu valor, sob pena de procedimento disciplinar.

A hierarquia pode não autorizar que o jornalista fique na posse da oferta, determinando a sua devolução ou entrega a uma instituição. Se o jornalista insistir em ficar na posse da oferta, será afastado da área noticiosa relativa à pessoa ou entidade ofertante por um período nunca inferior a um ano.

OM sugere também que os jornalistas da Lusa podem aceitar convites para refeições, mas devem discutir com a hierarquia editorial a possibilidade de retribuir. (Ad. G.)

O Adelino Gomes sugere ainda que distribua por todos uma carta-modelo de recusa igual à do NYT. (Esta sugestão é também intenção do director). Para além da distinção que a Lusa faz entre ‘brindes’ e prendas, ou presentes, e que julgo nos poderão ajudar a encontrar a formulação mais adequada (ver nota) defendo que em qualquer dos casos se acrescente um parágrafo relacionado com ofertas ‘de lazer’, nos seguintes termos: ‘Tratando-se de convite para deslocação ou alojamento de lazer, em período de folga ou férias do jornalista, este deve informar previamente a hierarquia editorial, que decidirá.’ A São José e o Ricardo Felner estão contra este acrescento pois acham que ‘um convite ‘para deslocação ou alojamento de lazer em período de folga ou férias do jornalista’ só pode ser aceite se houver nele interesse jornalístico. Se não é uma ‘oferta’ como outra qualquer.’)

53. Nos casos em que os jornalistas viajam a convite de empresas ou em comitivas oficiais, esse facto deve ser referido de forma clara junto aos textos resultantes dessas viagens.

(Durante o processo de discussão, António Granado sublinhou que esta norma resultou da sua ‘interpretação minha de discussões do Conselho de Redacção de 4 de Fevereiro de 2004, 4 de Março de 2004 e 6 de Maio de 2004’)

Sendo estas as regras em vigor, cabe saber se têm sido bem aplicadas.

As rotinas internas adoptadas têm sido os seguintes:

a) Sempre que o jornal ou um seu jornalista recebem um convite é dado conhecimento à chefia e à direcção editorial.

b) A chefia e/ou a direcção editorial decidem se o convite tem interesse jornalístico e, mesmo tendo, se a relação entre o tempo que o jornalista estará deslocado e a informação que produzirá é positiva para o jornal. É também avaliado se os custos suportados pelo jornal (nem todos os convites incluem o pagamento de todas as despesas) se enquadram no mesmo critério de custo/benefício editorial.

c) A decisão sobre o jornalista que acompanha uma viagem oficial ou uma deslocação para uma apresentação comercial, ou se desloca a convite de outro país ou organização internacional, é tomada pelas estruturas de chefia. Não há convites pessoais no Público.

De uma forma geral, quais são as situações mais frequentes com que o jornal é confrontado?:

– Viagens oficiais, sendo que nestas é raro estarem cobertas todas as despesas (há situações em que é o jornal que paga o bilhete de avião, noutras em que paga o alojamento, em quase todas tem de suportar as despesas locais realizadas pelo jornalista, como refeições, deslocações e transmissões).

– Viagens a convite de governos estrangeiros ou de organizações internacionais, o que sucede com mais frequência por alturas de uma mudança de Presidência europeia, nas vésperas de uma visita oficial e para proporcionar encontros ou entrevistas com as autoridades desse país, por ocasião de eventos como um grande evento desportivo ou ainda quando uma ONG ou um departamento das Nações Unidas está a lançar uma campanha de sensibilização (foi assim, por exemplo, que uma jornalista do Público foi ‘apanhada’ no Chade aquando da recente tentativa de golpe de Estado: ia a caminho dos campos de refugiados do Darfour num grupo levado pela ONU).

Viagens para a apresentação de produtos comerciais ou promoção de eventos culturais. Por exemplo: ir ao Prado antes da inauguração de uma grande exposição; ir assistir a um espectáculo de uma tournée que vai passar por Portugal; ir conhecer um novo automóvel com a possibilidade de o guiar; ir conhecer a operação de empresas portuguesas com grandes investimentos no estrangeiro.

Viagens para conhecer destinos turísticos, por regra a convite das autoridades turísticas de um país.

Viagens para destinos exóticos para apresentação de resultados de uma empresa.

De todo este tipo de viagens, as últimas estão formalmente vedadas, tendo já acontecido que a Direcção Editorial mandou um jornalista recusar um convite quando tomou conhecimento dele em cima da hora.

As viagens para destinos turísticos, por regra utilizadas em peças no suplemento Fugas, são objecto de um escrutínio atento, pois são por vezes as mais apelativas para os jornalistas.

Na maior parte das outras situações, as deslocações de trabalho correspondem a acompanhar eventos que não poderíamos custear com o orçamento que temos para deslocações, que consideramos constituírem oportunidades para dar uma informação de qualidade acrescida aos leitores e que, quase sempre, implicam uma carga de trabalho acrescida para quem se desloca.

Apesar da existência de todos estes cuidados, não quer dizer que tudo corra como deve ser sempre. Já aconteceu aceitarmos uma viagem para conhecer a operação de um grande banco português numa ex-colónia e, depois, verificarmos que 90 por cento do programa era turístico. Já aconteceu (comigo) aceitar um convite que apenas incluía o pagamento da estadia e o agendamento de contactos oficiais ao mais alto nível, correndo o mais caro, a deslocação, por conta do jornal, e o facto de se ter indicado que se estivera naquele país a convite das autoridades oficiais (algo que não fizeram os jornalistas de The Times, El País, Figaro e Frankfurter Allgemeine Zeitung que estavam na mesma deslocação comigo) ter criado uma controvérsia entre os leitores. Já se teve de pesar bem, e por vezes recusar, a aceitação de viagens que se estavam a tornar repetitivas.

Tem havido o cuidado de não aceitar convites que, mesmo sendo realizados com a melhor das intenções, por vezes podem criar situações equívocas. Foi por isso que eu próprio, apesar de ter recebido convites para todos os jogos da selecção portuguesa durante o Euro 2004, convites que estou seguro não implicavam qualquer ‘contrapartida’, preferi não os aceitar.

A minha avaliação global é que actuamos neste domínio com equilíbrio e sensatez e que os cuidados que temos têm permitido que os jornalistas actuem com independência e espírito crítico (o que sei não ser frequente, pois já recebi protestos espantados de entidades que tinham convidado jornalistas do PÚBLICO e, depois, estes tinham escrito peças muito ‘independentes’).

Algumas notas finais:

1. O ideal era que tivéssemos condições financeiras para fazer como alguns jornais americanos, que aceitam os convites mas fazem questão de pagar as despesas, ou de pagar aos organizadores o equivalente a um cálculo do que representariam as despesas se fizessem a viagem por sua conta. Não é essa, porém, a situação da maioria dos órgãos de informação em Portugal, razão por que muitas vezes recusamos convites ou porque não temos jornalistas disponíveis para enviar, ou porque as despesas associadas, que existem sempre, não estão de acordo com os critérios que aplicamos aos investimentos que fazemos em deslocações por nossa iniciativa.

2. Não posso pois deixar de admitir que alguns eventos não seriam cobertos in loco pelo jornal se este não tivesse sido convidado. Não porque não tivessem interesse jornalístico, mas porque todos os dias temos de gerir um orçamento e uma equipa que não nos permitem realizar todas as reportagens que gostaríamos de realizar.

3. A esmagadora maioria dos temas que são tratados no quadro de viagens a convite são na mesma tratados no jornal quando não as acompanhamos (por não termos sido convidados ou por não termos aceite o convite), mas há situações em que os convites proporcionam reportagens únicas e interessantes que nunca poderiam ser realizadas caso não os tivéssemos aceite. É o caso, a meu ver, do trabalho sobre Tommy Hilffiger editado na ‘Pública’.

4. Apesar de tal regra não ser referida nos pontos do Livro de Estilo relativos às viagens, o PÚBLICO nunca aceita pré-condições relativas ao destaque que será dado ao noticiário resultante de um qualquer convite (remeto para o ponto 60 do Livro de Estilo que veda qualquer hipótese de negociar com as fontes o destaque a dar a uma notícia, por exemplo).

José Manuel Fernandes’