Thursday, 18 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Manuel Pinto

‘A cobertura de atentados terroristas, e sobretudo de massacres como o que, na semana passada, foi perpetrado em Madrid levanta inevitavelmente inúmeras questões acerca do modo como os media abordam o assunto. Como recordava há dias Juan Luís Cebrián em ‘El País’, existe uma relação estreita entre o terrorismo e a Comunicação Social, na medida em que aquele necessita da cobertura e visibilidade que só esta lhe pode proporcionar. As organizações terroristas sabem que os acontecimentos que fabricam são daqueles que mais se inscrevem nos critérios que os jornalistas mais usam para cobrir o que se passa. Por isso, a Assembléia do Conselho da Europa aprovou, há 25 anos atrás, uma recomendação que estabelece que ‘os meios de comunicação, ao darem conta de acções terroristas, devem aceitar um certo auto-controlo a fim de estabelecer um justo equilíbrio entre o direito público à informação e o dever de evitar ajudar os terroristas’ (Recomendação nº 852).

Em Espanha e apesar de se estar ainda em cima da tragédia, têm surgido vozes críticas à exploração que, de um modo geral, as televisões e alguns jornais fizeram do sangue e dos corpos decepados e desfeitos. Neste particular, o contraste com o que se passou nos Estados Unidos, na sequência dos ataques do 11 de Setembro de 2001, é assinalável.

Por outro lado, vários media do país vizinho reagiram com críticas (veja-se ‘El Mundo’ de anteontem) ao facto de, em grandes meios de comunicação internacionais como ‘Le Monde’, se continuar a usar a expressões como ‘movimento separatista’ ou ‘independentista’ ou ‘organização armada’ para referenciar a ETA. Também o vocabulário está longe de ser irrelevante na comunicação em geral e no jornalismo em particular.

A dimensão do massacre de Madrid, as circunstâncias de tempo e lugar e o modo como foi executado, tornam este acontecimento um daqueles casos-limite, de mal absoluto, em que os diferentes actores reconhecem que as palavras que temos já não enunciam plenamente aquilo que é inominável. De onde a importância de os diferentes actores sociais e políticos, e nomeadmente os media, serem ainda mais diligentes no que toca às suas responsabilidades específicas.

A pergunta fica, desde já, de pé: como analisam os leitores o modo como o ‘Jornal de Notícias’ cobriu, acompanhou e apresentou os atentados de 11 de Março em Espanha?

O que dizem os leitores

Sobre que escrevem os leitores que se dirigem ao provedor? Se quisesse ser radical e um pouco insolente, responderia: sobre tudo, menos sobre aquilo que se inscreve na esfera de competências do provedor. Claro que não é assim. Ou, pelo menos, não é tanto assim. Mas há uma conclusão que é possível tirar destas primeiras semanas de exercício de funções: para um jornal com a audiência do JN, a esmagadora maioria dos leitores não tem sentido grandes motivos para comentar, sugerir ou criticar e, quando toma a iniciativa de escrever, fá-lo freqüentemente por razões outras que não o conteúdo editorial das notícias que o jornal publica ou deveria publicar.

É claro que o provedor não estava à espera de algo que se assemelhasse ao balanço que fazia recentemente o seu homólogo, também estreante, do ‘New York Times’. Conforme referia numa recente coluna, recebeu nada menos de mil e-mails semanais nas onze semanas que levava de mandato, embora nesse número estejam incluídas quer as mensagens de lixo electrónico a que se expõe quem tem o endereço na web, quer as campanhas de pressão de grupos organizados que, por este ou aquele motivo, procuram fazer pressão sobre a cobertura de determinado assunto.

Como referi, muitos leitores endereçam mensagens ao provedor sobre assuntos em que este não interfere. Por exemplo, sobre matérias relacionadas com as opiniões dos colunistas, sobre a revista dominical, sobre deficiências pontuais dos correios na distribuição do jornal ou sobre as iniciativas de marketing, como as cruzes ou os volumes da História de Portugal.

Tenho verificado que alguns sugerem, ou dizem expressamente, que se dirigem ao provedor porque não sabem a quem mais, no jornal, se devem dirigir; ou, o que ainda é mais preocupante, porque já contactaram outros departamentos e não tiveram resposta satisfatória.

Normalmente, o que o provedor faz, em tais circunstâncias, é dar conta do teor dessas mensagens à Direcção, para que tome as iniciativas que entenda adequadas. Sobre este ponto, haveria que ver, quer nas páginas do jornal em papel, quer na versão digital acessível on-line, se não se pode tornar mais fácil e visível o modo de o leitor estabelecer os contactos com o jornal, especificando aqueles departamentos que, pela sua natureza, se encontram em maior interacção com ele. Neste ponto, um aspecto sensível como são as iniciativas de promoção de determinados bens ou objectos deveriam incluir por norma o contacto com o serviço que, na empresa que edita o JN, tem responsabilidades na matéria. É que a relação dos leitores com o seu jornal também é feita da qualidade e eficácia dos contactos que por esta via se estabelecem.

Voltando à (reduzida) intervenção dos leitores no que se refere à análise do jornal, o provedor poderia limitar-se a registar o facto e ficar tranquilamente a aguardar o evoluir da situação. Interessa-lhe, porém, indagar sobre os eventuais porquês. Sabendo que esse é um problema nunca definitivamente resolvido ou sequer compreendido em toda a sua complexidade, vale, contudo, a pena interrogar-se sobre ele.

Várias hipóteses podem ser formuladas: 1. os leitores estão satisfeitos com o jornal que lêem, não havendo especiais razões de queixa a apresentar; 2. os leitores vêem motivos para intervir, mas consideram que a sua iniciativa não terá consequências, tirando a conclusão de que não vale a pena gastar energias nisso; 3. os leitores encontram razões para reagir, mas não sabem bem como o hão-de fazer; 4. os leitores vêem motivos para intervir, mas, por diversas razões, deixam correr; 5. o provedor ainda não soube ou não foi capaz de mostrar a relevância da função que exerce; 6. há fases em que os assuntos suscitam mais participação e outras em que ela se não proporciona e poderíamos estar numa destas fases.

É provável que no fenómeno, muito objectivo, apresentado, várias destas hipóteses se conjuguem, ao mesmo tempo ou em momentos diferentes. E que haja, também, outros motivos e explicações que não foram sequer contemplados. Os leitores poderão dizer o que lhes aprouver, comentando e enriquecendo esta reflexão. Uma coisa é certa: sendo tão vastas as matérias diariamente tratadas no jornal e sendo o acompanhamento jornalístico do que se passa à nossa volta e no Mundo uma matéria necessariamente controversa, é virtualmente impossível que aquilo que é publicado não suscite comentários, dúvidas e interrogações. A secção de ‘Página do Leitor’ aí está a comprová-lo. Os assuntos tratados tocam as pessoas e muitas delas comentam e reagem. Mas: e as interrogações acerca do modo como o JN trata as matérias? E sobre os porquês de tratar de uma maneira e não de outra? E acerca das razões de cobrir ou destacar isto e não aquilo?

Experimente o leitor fazer este pequeno exercício: leia com atenção o jornal de hoje, observe o que vem na primeira página e o que vem no interior e pergunte-se se os assuntos destacados por quem coordenou a edição seriam aqueles que o leitor também escolheria se estivesse porventura nessa função. Verá que houve, e há, necessariamente, critérios de escolha e de hierarquização que poderiam ter sido outros, se fosse outra pessoa ou outro o projecto editorial.

Há um pano de fundo em todas as hipóteses enunciadas e que consiste no facto de persistir ainda na sociedade portuguesa, uma ‘cultura’ de ‘comer e calar’. Tal cultura é, por vezes, alimentada pela percepção de que quem actua no exercício dos seus direitos de cidadania corre o risco de arranjar sarilhos, pelo que, à luz dessa lógica, mais vale ficar quieto no seu lugar e guardar as opiniões e posições só para si e para o seu círculo de amigos. Aqui, no JN, trabalhamos para que assim não aconteça.’