Tuesday, 23 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Marcelo Beraba

’07/04/2004A Folha tem uma primeira página instigante, com duas boas fotos abertas horizontalmente. Folha e ‘Globo’ vêm com manchete sobre o reajuste do funcionalismo público, mas a do Globo é mais informativa: ‘Governo cede e oferece reajuste maior a servidores’. Na Folha, nem o título (‘Governo amplia reajuste de servidores’) nem a linha fina (‘Nova proposta atinge 906 mil pessoas e estende a aposentados aumento acima da inflação do ano passado’) informam que o governo fez a nova proposta para evitar a greve geral. ‘O Globo’ destaca,também no alto, um desdobramento da crise do urânio enriquecido que a Folha não tem: ‘EUA enviam equipe para tratar de inspeção’. A Folha mantém o caso na primeira com discursos oficiais. ‘Estado’ traz no alto foto e manchete para o novo Vietnã: ‘Revolta se espalha no Iraque; Najaf é tomada’. E no bate-boca entre Lula e FHC, ‘O Globo’ fica com o primeiro (‘Lula: 2003 foi o ano de tirar erva daninha’) e o ‘Estado’ com o ex (‘FHC pede ‘valentia moral’ ao governo’). Os três registram a queda de popularidade Lula segundo o Ibope. Mas a Folha, só na Edição SP.

Bons investimentos

Na Folha, boa reportagem em Cotidiano: ‘Moto conquista ‘sem carro’ e preocupa OMS’. O título é meio enigmático, mas a reportagem e as artes estão muito claras. Também muito boa, em Esporte (D1), ‘Canadense do Recife vira estrela na elite do hóquei’. Idem ‘Jeitinho brasileiro’, sobre desenhistas de HQ brasileiros nos EUA, na capa de Ilustrada.

Pauta

A segunda carta do Painel do Leitor (‘Pesquisa sucateada’, pág. A3) pode ser uma boa pauta sobre a história recente da pesquisa científica no Brasil. Algo que não se restrinja ao governo militar mas mostre o estágio antes de 64, o que aconteceu durante a ditadura e as políticas e resultados a partir de 85.

Lula x FHC

Na disputa verbal entre os dois, o ‘Estado’ destacou entrevista e palestra de FHC em SP, na Medial Saúde. Não vi na Folha, em nenhuma edição. Foi lá que o ex cobrou ‘valentia moral’ do governo e fez críticas mais explícitas dos que as colhidas em Porto Alegre. ‘Estado’ tem retranca que contextualiza a volta de FHC ao debate público. A Folha também tinha, na Ed. Nac., mas derrubou na SP. O ‘Estado’ registra em análise o que chama de volta da política de governadores. Senti falta na Folha de algo mais analítico do momento. ‘O Globo’ minimiza o bate-boca: joga o seu material, pequeno e abrindo com Lula justificando 2003, para o final do noticiário político (págs. 10 e 11), junto com a queda de Lula no Ibope.

Funcionalismo

Em compensação, ‘O Globo’ investe bem mais do que seus concorrentes na nova proposta de aumento para o funcionalismo federal. Dois destaques no material do jornal do Rio: a arte, bem completa, e a reportagem que mostra que as categorias que são mais organizadas e pararam são as que vão ganhar aumentos maiores. O ‘Estado’ abre seu noticiário sobre servidores com a proposta de emenda constitucional aprovada na Câmara dia 31 e que cria um novo trem da alegria, agora para garantir estabilidade aos 100 mil funcionários públicos contratados entre 83 e 88. Confesso que não sei se é novidade.

Abril vermelho

Bom o material sobre o MST, e uma página bonita, com capricho. Dois pequenos problemas: a arte cita em ‘outros movimentos’ a LOC, a OLC e o MTL que já estão contemplados entre as principais associações; e no pé da retranca com Frei Betto tem um ‘invações’ entre aspas que eu não entendi. Este bispo de Presidente Prudente é um personagem, bem explorado ontem no ‘Estado’ e hoje no ‘Globo’. Não sei se a gente já fez matéria ou entrevista com ele. Se já, ótimo.

Urânio enriquecido

Boa a reportagem do Rafael Carielo sobre os privilégios que os EUA se garantem nesta história de inspeção nuclear (pág. A8 na Ed. Nac. e A10 na Ed. SP). O diferencial do ‘Globo’ e do ‘Valor’ é a confirmação, com detalhes da agenda, da visita do secretário de Energia dos EUA ao Brasil na próxima semana. Confirmação, porque o ‘Estado’ já tinha anunciado. No mesmo período estará no Brasil, para inspeção em Resende, uma equipe da Agência Internacional (AIEA).

Morcegos assassinos

A coluna do Nelson de Sá (Brasil, A9) chama a atenção para o caso de morcegos que já teriam provocado a morte (raiva) de 13 pessoas em Belém do Pará. Vale verificar o caso, não?

Alca

A revelação do conteúdo da carta do ministro Celso Amorim (Exterior) para Robert Zoellick (comércio exterior dos EUA), que tem um tom de ultimato em relação às negociações da Alça, é o grande diferencial da Folha hoje em Dinheiro (B1). Os outros jornais se limitam à cobertura do depoimento e encontros ontem em BSB do ministro Celso Amorim. Ponto pro Rossi. Achei o título da primeira (‘Carta revela crise sobre a Alça entre Brasil e EUA’) mais apropriado do que o da capa do caderno (‘Cresce impasse entre Brasil e EUA na Alça’). A carta em si não faz crescer o impasse. Pode até ser que isso venha a ocorrer, mas tanto a carta como o depoimento, até onde entendi, pedem pragmatismo nas negociações. Sobre relações comerciais, o ‘Valor’ também traz reportagem importante que mostra que avança o acordo entre o Mercosul e a União Européia. Matéria de Genebra.

Zoológico

A reportagem da Folha (Ed. Nac. C4 e Ed. SP C7) informa que a política quer mais tempo para concluir o inquérito do zoológico e que as misteriosas mortes estão longe de serem solucionadas. O ‘Estado’, no entanto, traz reportagem grande e categórica: ‘Fim do mistério’. Segundo o jornal, ‘Traficantes de aves ordenaram mortes no Zôo’. A fonte das duas reportagens é a mesma, o delegado Clóvis Ferreira de Araújo. Se o ‘Estado’ está certo, é um grande furo.

Aviso

Por conta da Semana Santa e de compromisso assumido anteriormente com a Transparência Internacional e o Instituto Prensa y Sociedad (Ipys) para o julgamento do prêmio de melhor reportagem sobre corrupção na América Latina, estarei fora a partir de sexta-feira e esta crítica volta a circular na quinta, dia 15.

06/04/2004

Véspera com poucas novidades, dia com manchetes diversas, mas todas suítes. A Folha deu destaque para os desdobramentos do caso do urânio, novo contencioso Brasil/EUA, e a foto principal é a invasão de terras no sul da Bahia. O ‘Estado’ traz manchete e foto dos sem-terra: ‘MST ignora advertência de Lula: aumentam as invasões’. E ‘O Globo’ tem manchete local e crítica em relação ao governo estadual: ‘Sem oleoduto, Rio vai perder 16 mil empregos’. O jornal do Rio dá ainda destaque no alto para dois assaltos ousados em um prédio da Lagoa, no Rio, e em um condomínio em Atibaia (SP). A Folha tinha chamadas para os dois casos na edição Nacional, mas trocou na SP.

Investimentos do dia

Edições sem grandes investimentos. O ‘Estado’ enviou repórter a Florianópolis para explicar o declínio de Guga e manteve o foco nas invasões de terra e no novo contencioso entre Brasil e EUA por conta do enriquecimento do urânio. ‘O Globo’ também investiu nos dois assuntos, trouxe entrevista com o Eduardo Giannetti sobre educação, um novo artigo do Ali Kamel sobre o terror islâmico e os investimentos de sempre nos temas locais, como segurança e violência. E a Folha deu bem o caso do urânio, o Iraque ocupado, mudanças no Estado do Bem-Estar Social na Europa, inflação, comércio exterior, educação (MEC cassa matrículas irregulares), apresentação da final do Estadual (futebol), o dia seguinte da Daiane e festivais de cinema.

Reação nuclear

A Folha traz hoje material mais completo, comparável ao do ‘Estado’, sobre a tensão entre o Brasil e os EUA no caso do urânio enriquecido (Brasil, págs. A-4 e A-5). Ponto para a Folha na reportagem sobre a falta de verbas para tocar o projeto de enriquecimento em escala industrial. Mas o material internacional do ‘Estado’ (Washington e Genebra) está mais completo. É evidente que a Folha precisa ter mais fontes internacionais e nacionais nesta área. O caso ainda deve render muito. ‘O Globo’ reproduz reportagem do ‘Financial Times’ de ontem que prevê que o ‘governo esquerdista’ do Brasil deverá sofrer pressão internacional crescente nas próximas semanas para permitir inspeções mais completas em Resende. Uma informação que me impressionou e que mostra a fragilidade do sistema de controle brasileiro: o vazamento em Resende ocorreu dia 19, só foi descoberto no dia 22, a comunicação à CNEN foi no dia 24 e até hoje, passadas quase duas semanas, a Comissão não investigou as causas. Coisa de louco!

Aparelho

Curiosa a informação de que o comando de greve da Polícia Federal (‘Publicidade é a nova arma da PF contra governo’, Brasil, pág. A-6) pretende vender um apartamento de R$ 500 mil para financiar uma campanha publicitária. É uma doação? Alguma entidade tem apartamento como patrimônio e pode vender? Vão vender pelo preço real e pagar os impostos? Quem compra um apartamento deste? É possível que não seja uma prioridade do jornal, mas é interessante ficar de olho neste caso.

Toda Mídia

Uma observação em relação à primeira nota (‘A hora e o lugar’) da coluna de hoje do Nélson de Sá: fica difícil entender os primeiros parágrafos para quem não acompanhou o noticiário sobre a resistência do governo brasileiro em liberar a inspeção em Resende.

Abril infernal

É da Folha o material mais fraco sobre as invasões de terras porque se restringe a contabilizar os casos e a narrar alguns episódios de ontem. Lendo ‘O Globo’ e o ‘Estado’, e descontados os exageros de praxe, fica claro que os confrontos sem-terra x proprietários e sem-terra x governo estão cada vez mais fora do controle. Interessantes as entrevistas do ministro Miguel Rossetto (Reforma Agrária), que já fala num tom mais crítico em relação aos sem-terra e às invasões. O governo federal, sem grana e sem política, está completamente acuado. Hoje tem manifestações no Pontal com apoio da Igreja Católica.

Edição Nacional

Minas, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul , além de São Paulo, têm, a partir de quinta, aumentos nas contas de luz acima da inflação (Dinheiro, B-5 na Ed. Nac. e B-9 na Ed. SP). A Ed. SP tem chamada na primeira. Não teria sido o caso de ter tido também na Ed. Nac.?

Choro é choro

Tem razão o leitor Fernando Caram, que enviou e-mail pedindo correção na manchete da pág. D-6 (Esporte) de ontem. Na edição Nacional saiu ‘Daiane fecha com samba dia histórico’ e na SP ficou ‘Com samba, Daiane fecha dia histórico’. ‘Brasileirinho’, a música que acompanhou a apresentação da atleta, é um chorinho, e não samba, embora a coreografia reproduza passos de samba. O texto não define como samba (fala em clássico), apenas o título.

05/04/2004

Capas previsíveis e parecidas: protestos no Iraque, mortes na Espanha, invasões de terra, futebol, as medalhas na ginástica, Fórmula 1. Acho que era uma boa oportunidade para tirar a foto (boa, mas óbvia) de futebol do alto e trocá-la pela ginástica, tão rara e que começa a despertar interesse com as vitórias de Daiane. A manchete da Folha registra a lentidão e limitações do programa de reforma agrária do governo. ‘O Globo’ tem assunto local: ‘Rio ainda não aplica lei que exige teste de embriaguez’ (o controle do uso de bebidas alcoólicas também está na Folha, em duas páginas de Cotidiano, mas não está na primeira). E o ‘Estado’ valoriza a repercussão da reportagem crítica do ‘Washington Post’ ao programa nuclear brasileiro.

Primeira Página

Imprudente o título da primeira página da edição Nacional sobre o terror em Madri: ‘Para governo da Espanha, terror foi desarticulado’. Não foi. A edição São Paulo é um pouco mais precisa: ‘Núcleo de terroristas foi desarticulado, diz Espanha’. Mesmo assim, um pé atrás, neste caso, não seria demais: o próprio Clóvis Rossi adverte na sua reportagem (Mundo, pág. A-7) para a necessária cautela diante das informações das autoridades espanholas. O título interno fica no comprovado: ‘Líder terrorista está morto, diz Espanha’. ‘O Globo’ foi na linha da cautela (‘Espanha diz que mentor do 11/3 morreu em explosão’), assim como o ‘Estado’ (‘Morto líder de atentados em trens de Madri’).

Má impressão

Péssima a qualidade da impressão da charge que ilustra a nota O clone do Painel (pág. A-4) na edição Nacional que eu recebi. Não dá para entendê-la.

Questão nuclear

É nítida a diferença de tratamento dado pelo ‘Estado’ em relação à Folha no caso da reportagem de ontem do ‘Washington Post’ que mostra as dificuldades de inspeção de urânio no Brasil. O ‘Estado’ deu manchete para o caso e mobilizou seus correspondentes em Washington e Genebra para, junto com a redação e Brasília, produzir duas páginas internas. A Folha (Brasil, pág. A-4) se limitou a reproduzir parcialmente a reportagem do ‘Post’ e ouviu em ‘off’ um funcionário da Comissão Nacional de Energia Nuclear. Tanto o ‘Estado’ como o ‘Globo’ entrevistaram o embaixador do Brasil nos Estados Unidos e o ministro da Ciência e Tecnologia, Eduardo Campos. O ‘Estado’ ouviu ainda a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), em Genebra, e antecipou a agenda de reuniões entre os Estados Unidos e o Brasil para tratar da questão nuclear. Os investimentos feitos pelo ‘Estado’ produziram uma reportagem mais completa.

Sargento corajoso

Imagino que o jornal vá acompanhar hoje o sargento Cardoso, da Aeronáutica, que participou dos protestos ontem em Brasília (Brasil, pág. A-4). Pelo que reparei, só a Folha destacou o personagem, que se deixou fotografar. É possível que venha punição, o que significa mais sarna para o governo Lula.

Campo minado

Na reportagem ‘MST invade mais cinco áreas e já soma 20 ações em Pernambuco’ (Brasil, pág. A-5), as informações da Folha são diferentes das do ‘Globo’ e do ‘Estado’. Os dois jornais noticiam que a Federação dos Trabalhadores de Agricultura de Pernambuco (Fetape) coordenou ontem a invasão de 19 áreas no Estado. Já a Folha informa que foram feitos 19 acampamentos próximos a fazendas improdutivas, mas não registra invasões. As ações da Fetape foram invasões ou não? Estes acampamentos não são invasões? O jornal do Rio também noticia uma invasão em Campos, no norte fluminense.

Transparência

1) Boa a reportagem sobre os gastos de Lula em publicidade no ano passado (‘Lula gastou menos que FHC em publicidade’, Brasil, pág. A-6). É importante a iniciativa de se exigir dados oficiais do governo, mesmo sabendo que demoram e chegam incompletos, como parece ter acontecido neste caso. Importante o registro da distribuição das verbas por setores da mídia.

2) Importante também a menção clara aos interesses comerciais dos jornais na discussão sobre restrições à publicidade de bebidas alcoólicas (‘Setores resistem à proposta’, Cotidiano, pág. C-1).

Números do Iraque

Talvez os diferentes horários dos fechamentos expliquem os números desencontrados de mortos durante os protestos no Iraque neste domingo (primeira página e pág. A-8). A Folha fala em pelo menos 33 mortos, o ‘Estado’, em pelo menos 30, e ‘O Globo’ em 29.

Juridiquês

O termo instâncias recursais, como está em ‘Ibama arrecada só 2% das multas aplicadas no país’ (Cotidiano, pág. C-4), deveria ser evitado, acho. Imagino que instâncias de apelação ou outro termo mais comum facilitaria a compreensão.

Edição de domingo

Uma observação sobre a principal reportagem de domingo, manchete do jornal (‘Estudo liga desemprego a roubos’), que revela a relação entre criminalidade e economia que todos pressentimos, mas que é de difícil comprovação. Ponto, portanto, para o jornal. A manchete da primeira (‘Estudo liga desemprego a roubos’) e a manchete interna (‘Desemprego alavanca roubos no trânsito’, Cotidiano, pág. C-1) estão muito claras, assim como a linha fina e a abertura da reportagem que resume a pesquisa da Uniemp/Unicamp. Mas o texto não consegue traduzir para uma linguagem acessível, apesar de todos os esforços evidentes, a metodologia da pesquisa, que é de fato complexa. Mesmo as artes não são auto-explicativas. Me pergunto se, na arte, não teria ficado mais claro, por exemplo, ter mostrado que desemprego e roubo de pedestres cresceram 21% e roubo de veículos 58% no período estudado, de forma direta, sem precisar confundiar com a base 100%. Enfim, acredito que todos os dados devam estar corretos e que reflitam a pesquisa. Mas não são fáceis de serem entendidos tal como estão apresentados no texto (parágrafos segundo, terceiro e quarto) e nas artes (‘Desemprego e renda desvendam crimes em SP’ e ‘Impacto do desemprego e da renda sobre a criminalide’).’