Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Minissérie global, o glamour na TV

Amazônia – De Galvez a Chico Mendes podia não ser mais uma incursão do Sul ao Norte, na qual, invariavelmente, este se torna matéria prima para a modelagem daquele. A novelista Glória Perez, autora da mais nova minissérie da TV Globo, em plena exibição, é acreana de nascimento. Logo, não está descobrindo a pólvora nem inventando a roda. Ao contrário, seu texto defende uma tese, conforme ela a expressou em entrevista a Paula Loredello, para O Liberal.

‘A conquista do Acre explica porque a Amazônia não deixou de ser brasileira já no início do século XX. Certamente o mapa do Brasil seria diferente, e o da Bolívia também, se o Bolivian Syndicate (consórcio internacional criado pela Bolívia para administrar o Acre) tivesse se estabelecido lá, com direito de explorar a região economicamente por 30 anos e de manter tropas regulares ali’.

Se o que a ficcionista conjectura tivesse se consumado, o Acre não seria brasileiro: continuaria a ser boliviano. Jarbas Passarinho faria seus discursos em castelhano e José Vasconcelos apresentaria suas bromas. Este seria um fato O sindicato internacional se apossaria também de território brasileiro? Esta seria uma hipótese, mas pouco provável. Não havia uma nação por trás desses aventureiros estrangeiros, ao menos com disposição para entrar na cena.

Os pioneiros do Brasil é que se impuseram à força regular da Bolívia. Mas o litígio só não se prolongou mais porque o Barão do Rio Branco encontrou uma solução instantânea e incruenta: comprou o território boliviano, transformando-o no Acre, ainda o estado menos integrado do país e o mais pobre da Amazônia (a relação, porém, não é necessariamente de causa e efeito).

Pura retórica

Ainda que a Bolívia tivesse mantido sua soberania sobre essa região e os especuladores estrangeiros avançassem além-fronteira, em nenhum momento a Amazônia poderia deixar de ser brasileira. Duas décadas depois nosso governo concedeu um milhão de hectares no vale do Tapajós a Henry Ford, que devolveu a concessão em menos de 20 anos de tentativa de implantar a heveicultura, sem ficar com um pedaço sequer de terra. Mais 20 anos e outro americano, Daniel Ludwig, comprou uma área maior (pensava que tinha 3,6 milhões de hectares), no Jari. Fracassou e se foi 14 anos depois. Ford e Ludwig tinham interesses econômicos apenas. Não trouxeram consigo mariners ou a CIA. Se ganharam mais do que deviam ou abusaram, a principal responsabilidade é do governo brasileiro.

Nossa Amazônia, evidentemente, atrai cobiça e provoca apetites. Ontem e hoje. Mas a sua manutenção íntegra e brasileira, em pacífica convivência com suas demais frações continentais, por tanto tempo e a despeito de sua fragilidade, revela que a ameaça estrangeira sempre foi latente, mas nunca se tornou explosiva.

Os portugueses, que mantiveram o controle do país por grande parte da sua história de matriz européia, com mais intensidade na Amazônia do que em qualquer outra parte do território nacional (somos o Brasil tardio), foram exímios guerreiros e estrategistas de mão cheia. Sua predominância colonial, porém, também se explica pela visão dos seus competidores em potencial. Mais sofisticados, ou, talvez, mais bem informados e atualizados, eles adotaram outra forma de abordagem. Ou adiaram para quando desse bom tempo. O nosso tempo de hoje.

A declaração de Glória Perez é retórica. Atrai glamour, mas não a verdade. É o padrão TV Globo, mais uma vez.

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Jornalista, editor do Jornal Pessoal