Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Na França, o canal privado tem obrigações

Jean-François Lepetit é produtor e diretor-presidente da Flach Film, produtora francesa de cinema e televisão. No seu currículo está a produção do filme Le monde selon Bush (O mundo segundo Bush), que obteve grande sucesso em todo o mundo. Mas lamenta: ‘Nós não podemos vendê-lo em certos países onde os canais de televisão públicos ou privados estão controlados por um poder político que não quer desagradar à administração Bush… No Brasil, por exemplo, nenhum canal de TV quis transmitir o filme, pelo menos até agora’.


Nesta entrevista, Lepetit conta que, na França, tanto os canais públicos quanto os privados têm obrigação de investir na produção de cinema e TV, ajudando aos produtores independentes. E, no que diz respeito à concessão de um canal, uma das exigências é o investimento em produção.


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Quais os objetivos da Flach Film?


Jean-François Lepetit – O meu objetivo é de poder continuar a produzir filmes para o cinema e a televisão com a maior liberdade possível.


A maior parte da produção é de filmes engajados?


J-F.L – Todo filme reflete uma visão do mundo e nesse sentido exprime uma forma de engajamento. Todavia, nós temos uma produção muito diversificada, chegamos a produzir o que se pode chamar de filmes de ‘divertimento’.


Como se dá a competição da Flach Film com o mercado americano, dentro e fora da França?


J-F.L – A Flach Film é uma pequena empresa de produção no que se refere ao número de filmes produzidos a cada ano. Não se trata de ‘rivalizar’ com o cinema americano… Seria pretensioso e totalmente irrealista. No entanto, a Flach Film faz parte, na França, de um conjunto de centenas de empresas de produção que, pelo seu dinamismo, permite ao cinema francês participar, a cada ano, de quase 40% do mercado.


Quais as dificuldades na comercialização do filme Le monde selon Bush, que desnuda um presidente de um país que domina o mercado cinematográfico?


J-F.L – É evidente que, apesar desse filme ter tido um grande sucesso em todo o mundo, particularmente em festivais, nós não podemos vendê-lo em certos países, onde os canais de televisão públicos ou privados estão controlados por um poder político que não quer desagradar à administração Bush… No Brasil, por exemplo, nenhum canal de TV quis transmitir o filme, pelo menos até agora.


Como foi a aceitação do filme?


J-F.L – Na França, assim como em numerosos países europeus, a difusão do filme teve um grande sucesso. Ele foi, muitas vezes, considerado mais criterioso e demonstrativo que o filme de Michael Moore [Fahrenheit 9/11, 2004].


No Brasil, há um monopólio dos meios de comunicação. Como se dá a democratização dos meios de comunicação na França?


J-F.L – Na França, em matéria de TV aberta, coexiste um serviço público relativamente forte, que reúne mais de três canais. Além de dois canais privados igualmente muito assistidos. Mas, todos estes canais, públicos ou privados, têm obrigação de investir na produção de cinema e de TV, ajudando aos produtores independentes.


Como funcionam os canais privados de TV?


J-F.L – Os canais privados devem consagrar uma porcentagem do seu volume de negócios na compra de filmes e de produção em TV. Por outro lado, eles transferem ao Centro Nacional do Cinema (CNC) uma porcentagem das suas receitas publicitárias, a fim de alimentar o que chamamos de ‘compte de soutien’ [conta de apoio], um fundo que serve para subvencionar diretamente as produções audiovisuais.


Como acontece a concessão de um canal de TV?


J-F.L – Em troca de uma concessão, o canal privado têm obrigações especialmente nos investimentos em produção.


Quais são os mecanismos de estímulo à produção e à exibição do audiovisual?


J-F.L – Várias medidas. Em primeiro lugar, a contribuição dos canais privados, que devem transferir uma porcentagem do seu volume de negócios ao compte de soutien. Além das obrigações que têm todos os canais de investir na compra de audiovisuais… Existe também o Conselho Superior do Audiovisual (CSA), que está encarregado de controlar o cumprimento dessas obrigações.


Como a globalização influi na cultura nacional?


J-F.L – A globalização conduz, muitas vezes, à dominação por um país ou de um conjunto de países mais fortes em determinados setores de atividades. Não é surpreendente que, em matéria de produção cinematográfica, a globalização acentue a dominação da produção dos EUA sobre o resto do mundo. Em nome da ‘liberdade’ do comércio, os adeptos dessa mundialização desejam a abolição de todas as regras de proteção nacional, como as subvenções à produção local. Considerando o cinema e o audiovisual unicamente como ‘mercadorias’, admite-se implicitamente que o ‘negociante’ mais forte domine o mundo.


O que o senhor acha da proposta do canal franco-alemão Arte?


J-F.L – É uma iniciativa muito interessante. Desde muitos anos, permitiu a emergência de produções muito originais. Mas, em termos de audiência, é um canal muito marginal.


Hoje, o senhor diria que existe algum cineasta tão representativo quanto Truffaut em sua época?


J-F.L – Não, eu creio que não, porque hoje não se pode realmente falar de uma nouvelle vague parecida com aquela dos anos 60 na França. Nessa época, vários cineastas, como Truffaut, organizavam-se em reação a uma forma e a uma estética cinematográfica. Isso correspondia também a uma reação dos jovens cineastas contra os mais estabelecidos, que filmavam geralmente em estúdio, com melhores recursos financeiros. Hoje, existe na França e na Europa uma grande diversificação de estilos e gêneros de cinema, mas, do meu ponto de vista, isso não é comparável a uma ‘escola’, que se assemelhe ao que representou a nouvelle vague.

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Estudante de Jornalismo, Rio de Janeiro