Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

O Estado de S. Paulo

BIG BROTHER CRUEL
O Estado de S. Paulo

Para ‘Cabelo’, Senado é reality show, sob a mira da imprensa

‘A aparência de rebelde, com longas madeixas – que já lhe valeram o apelido de Cabelo -, parece não combinar com as posições conservadoras, sempre favoráveis a quem tem o poder nas mãos. Ele divide a mesma Casa com o ministro das Comunicações, Hélio Costa, de quem é suplente, e as mesmas idéias com o presidente licenciado do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), de quem se tornou um leal escudeiro.

Foi assim que o senador Wellington Salgado (PMDB-MG), mesmo não sendo do ramo, virou símbolo de uma época em que não é necessário ter votos para se chegar ao Senado, mas apenas boas relações.

O ex-senador Darcy Ribeiro comparava o Senado ao céu, ressalvando que a vantagem era que, para se chegar ali, o eleito não precisava morrer.

Empresário dos setores do ensino e das comunicações, Salgado tem outra visão, mais terrena e midiática, do Senado. Para ele, a Casa funciona como uma espécie de reality show, um ‘Big Brother cruel’ que, para manter-se de bem com a opinião pública, coloca no paredão aqueles que contrariam os interesses da mídia.

Nesse show, a imprensa, por sua vez, seria a grande vilã, a responsável por tudo de ruim que acontece aos nobres senadores. ‘Vocês são umas hienas. Quando eu sair daqui, vou fazer um filme de curta-metragem mostrando vocês como hienas e vou ganhar prêmio no Festival de Cannes’, afirmou o senador, falando sério.

Olhos esbugalhados e fixos no interlocutor, o senador contou, misturando política e entretenimento, que está convencido de que o pedido de licença de 45 dias de Renan foi uma manobra semelhante às que ocorrem nos shows de TV, quando os participantes se reúnem para decidir quem continua no espetáculo.

‘Os verdugos (os colegas senadores) que colocaram Renan no paredão podem se arrepender nas próximas eleições. A experiência do Big Brother na TV mostra que o povo se revolta contra aqueles que se unem e conspiram para colocar um dos integrantes da casa no paredão.’

Salgado já começou o seu desembarque do ‘Big Brother Senado’. De acordo com seus colegas de Casa, Marlene, sua mãe, está mais preocupada que o próprio aprendiz de senador. Ela teria convocado Salgado de volta.

Primeiro, por ele ser considerado mais competente que os irmãos para gerenciar os negócios em educação e comunicação do clã. Segundo, por temer que a atuação de Salgado, como franco-defensor daqueles que se encontram na berlinda da ética, acabe contaminando os negócios da família.

Os temores são compartilhados pelo ministro Hélio Costa. Na avaliação fria e racional, ele tem confidenciado que a agressiva exposição do senador estaria provocando reações no eleitorado mineiro. Afinal, na lógica política de Salgado, os problemas de desvio de conduta dos colegas peemedebistas são fruto de perseguição da mídia ou da disputa de poder.

Jornalista e político experiente, Costa já percebeu que a atuação de seu suplente está lhe custando muito caro. Um senador confidenciou que o ministro já mandou recados para Salgado ‘maneirar’ porque estaria começando a tirar seus votos.

Ao colar a sua imagem à de Renan em queda livre, Salgado fragilizou sua trajetória. Descobriu-se ainda que, na condição de empresário, o senador tem problemas com a Receita. ‘Eu fui acusado de sonegação, mas vão ter de provar que eu soneguei. Na verdade, eu não cometi crime algum. Fui eu quem procurou a Receita e não o contrário. Eu já contratei advogado e vou processar todo mundo. Comigo não tem essa conversa de sigilo da fonte’, disse ele ao Estado.

Com a mesma coragem, batizada de inexperiência por políticos profissionais, Salgado foi o único integrante da tropa de choque a ficar com Renan até o último momento. ‘Eu não era amigo do Renan, conheci Renan no Senado, mas fui o único que não o abandonou no momento da licença.’

Entre os colegas, Salgado colecionou amizades, apesar da espalhafatosa atuação política. Para o senador Demóstenes Torres (DEM-GO), o colega do PMDB é confiável e sabe entender as diferenças políticas. ‘Ele cumpre o que combina.’

Para outros, o senador não deve ser levado a sério. ‘Ele tem o raciocínio de uma criança de 12 anos’, disse, em conversa com um amigo, o senador Arthur Virgílio, líder do PSDB. ‘É um garotão, não é do ramo’, minimiza o senador Heráclito Fortes (DEM-PI).

Em pouco tempo de suplência, no entanto, Salgado tornou-se presidente da Comissão de Ciência, Tecnologia, Inovação, Comunicação e Informática. Dono de universidades e retransmissoras, Salgado não tem do que se queixar. A comissão é um posto-chave e por ali passa toda a regulamentação do setor. É a cereja do bolo de uma receita típica de Salgado, acostumado a misturar educação com comunicação, negócios com política.

Com tanto poder, ele também se cacifou para freqüentar o circuito fechado da cúpula do PMDB. Aos trancos, lançou-se numa missão de paz para buscar o apoio da oposição na manobra para evitar a cassação de Renan. ‘A paz voltou?’, perguntou a um líder da oposição na quarta-feira. A resposta foi negativa.

Em menos de 24 horas, ele já trabalhava para evitar que o PSDB se unisse com o PT na briga pela presidência do Senado. A um senador do PSDB, provocou: ‘Vocês não vão apoiar alguém do PT para a presidência do Senado?’ O colega respondeu com ironia: ‘É só o PMDB arrumar um candidato decente que a gente vota nele.’ O senador Sérgio Guerra (PSDB-PE)resume: ‘Ele é um senador primitivo.’’

 

HALO 3
Matt Richtel

Para atrair jovens, igrejas têm sessões de game violento

‘THE NEW YORK TIMES, NOVA YORK – Primeiro, os sons percussivos dos disparos do atirador e a emoção da morte. Depois, a pregação da paz. Desesperados para atrair jovens fiéis, centenas de ministros e pastores dos Estados Unidos têm motivado preocupações e críticas com o uso de uma ferramenta de recrutamento incomum: o realista e violento videogame Halo.

A última versão desse épico espacial imensamente popular, Halo 3, foi lançada pela Microsoft no fim do mês passado. Em menos de duas semanas, as vendas já havia ultrapassado a marca dos US$ 300 milhões.

Os compradores devem ter pelo menos 17 anos, pois o jogo leva a classificação M do sistema indicativo americano (para ‘público maduro’). Mas isso não impede líderes de igrejas e centros juvenis de várias congregações protestantes – incluindo igrejas evangélicas que criticam o entretenimento violento – de promover concorridas noitadas de Halo e instalar consoles de videogame em suas sedes, para que dezenas de adolescentes possam se reunir em torno de grandes televisores e abrir fogo à vontade.

NOVO BINGO

A aliança entre a cultura popular e o evangelismo desafia as igrejas, lembrando os jogos de bingo dos anos 60. E a questão se encaixa num rico debate sobre quão longe as igrejas devem ir para atrair jovens.

Os líderes religiosos que apóiam o Halo – apesar de irem contra o mandamento bíblico que diz ‘não matarás’ – dizem que o jogo tornou-se fundamental nos esforços para alcançar sua audiência mais esquiva, meninos e rapazes, em seu próprio ambiente.

EXPLODIR PESSOAS

Num domingo recente na Igreja Comunitária do Colorado, em Englewood, uma área de Denver, Tim Foster, de 12 anos, e Chris Graham, de 14, sentavam-se diante de três aparelhos de TV, envolvidos num violento combate virtual enquanto conduziam personagens através de disparos letais. Tim explicou o fascínio exercido pelo jogo: ‘Simplesmente é divertido explodir pessoas.’

Segundo o ministro da juventude da igreja, Gregg Barbour, os garotos vêm jogar e depois ficam para ouvir a mensagem cristã de salvação e paz.

Mas a pergunta surge: que preço pagar para parecer relevante? Alguns pais, estudiosos de ética religiosa e pastores dizem que Halo é capaz de atrair os jovens, mas pode exercer influência corruptora. Oferecendo o jogo, as igrejas dão acesso a materiais de temática adulta que os adolescentes não podem adquirir por conta própria.

‘A fim de atrair garotos para a igreja, bastariam bebidas alcoólicas e filmes pornográficos de graça’, diz James Tonkowich, presidente do Instituto de Religião e Democracia, organização sem fins lucrativos que avalia políticas das igrejas. ‘A meu ver, pode ser melhor que isso.’

Daniel Heimbach, professor de ética cristã no Seminário Teológico Batista do Sudeste, acredita que as igrejas deveriam rejeitar Halo, em parte porque o jogo associa excitação e morte. ‘Justificar o ato de matar afirmando que se trata apenas de pixels é uma ilusão’, afirma Heimbach.

BEM E MAL

A grande organização evangélica Foco na Família explicou que reconhece a natureza violenta de Halo, mas também sua popularidade – e o fato de que as igrejas, de qualquer modo, já estão usando o jogo. ‘Internamente, ainda não decidimos qual é nossa posição oficial sobre o tema’, declarou a porta-voz Lisa Anderson.

Há poucas dúvidas sobre a relevância cultural de Halo. As duas primeiras versões do jogo venderam, juntas, quase 15 milhões de cópias. A Microsoft afirma que Halo 3 ‘caminha para se tornar o videogame mais popular de todos os tempos’.

Centenas de igrejas usam Halo para atrair adolescentes, afirma Lane Palmer, do Ministério Dare 2 Share (Ousar Evangelizar, em tradução livre), organização sem fins lucrativos de Arvada, Colorado, que dá consultoria a congregações em questões ligadas à juventude.

Recentemente, a organização enviou mensagens de e-mail a 50 mil jovens com conselhos sobre como compartilhar a fé usando Halo 3. Uma das dicas é aproveitar os temas do jogo como base para uma discussão sobre o bem e o mal.’

 

Microsoft ultrapassa Nintendo com Halo 3

‘O novo e badalado jogo da Microsoft, o Halo 3, emplacou. Ao menos por enquanto. Em cinco semanas, vendeu 3,3 milhões de cópias nos Estados Unidos e ajudou a empresa de Bill Gates a superar a Nintendo (terceira maior empresa do Japão em valor de mercado) no comércio de consoles no mês de setembro. Foram 528 mil XBox, ante 501 mil Nintendo Wii, segundo a empresa de pesquisas NPD. Com isso, a Sony fica mais distante das duas – o seu PlayStation 3 teve uma saída quatro vezes menor. O desempenho da Microsoft na venda de consoles foi considerado o melhor já atingido até hoje pelo mercado fora da temporada de férias.’

 

RÁDIO DIGITAL
Ethevaldo Siqueira

A polêmica do rádio digital no Brasil

‘Para o Ministério das Comunicações, a escolha do padrão de rádio digital deveria ter sido feita em setembro. E tudo fazia crer que opção seria pela tecnologia In band on channel (Iboc), criada pela empresa norte-americana Ibiquity. Hoje, já não há tanta certeza nesse padrão porque os testes conduzidos pelas emissoras não satisfazem às exigências mínimas de qualidade.

As próprias autoridades federais estão chegando à conclusão de que a tecnologia Iboc para o rádio digital ainda apresenta numerosos problemas. Sua adoção nos Estados Unidos, depois de vários anos, não obteve a adesão de mais do que 10% das emissoras daquele país. Diferentemente do rádio digital via satélite, uma forma de rádio por assinatura que faz sucesso entre os norte-americanos, a radiodifusão digital aberta está longe de alcançar a maioria da população.

Depois de ter participado de audiência pública no Senado, na terça-feira passada, André Barbosa Filho, assessor especial da Casa Civil da Presidência da República, revelou sua preocupação com as possíveis conseqüências da adoção de um padrão de rádio digital que ainda está sujeito a interferências, que tem reduzido alcance do sinal, falta de sincronia entre as transmissões analógicas e digitais e que impossibilita o uso de receptores portáteis por causa do excessivo consumo de baterias.

Se for adotada pelo Brasil nesse estágio, essa tecnologia pode trazer muito mais conseqüências negativas do que benefícios às emissoras e aos ouvintes. Depois de debater diversos temas da legislação de comunicação eletrônica com especialistas, na Comissão de Educação do Senado, André Barbosa tomou conhecimento dos obstáculos que ainda impedem a digitalização das transmissões em amplitude modulada (AM) e freqüência modulada (FM) e sugeriu o adiamento por, pelo menos seis meses, para que o governo decida pelo padrão a ser adotado.

Essas conclusões contrariam frontalmente as avaliações anteriores do Ministério das Comunicações, que tem defendido a tecnologia Iboc como a mais adequada para a radiodifusão brasileira. André Barbosa reconhece ainda que não há critérios uniformes nos testes conduzidos pelas emissoras. E para que essa avaliação seja isenta e confiável, seria necessário que o governo constituísse um grupo incumbido de testar e comparar os resultados da tecnologia Iboc com outros padrões, com a participação majoritária de cientistas e acadêmicos da Universidade brasileira e do CPqD.

O assessor lembrou ainda que ‘a Casa Civil não quer tomar nenhuma decisão de afogadilho’ e que o ministro das Comunicações, Hélio Costa, está ciente das preocupações do governo, tendo sugerido até a visita de uma delegação brasileira aos Estados Unidos para reunir-se com representantes das emissoras de rádio, de universidades e do órgão regulador americano, a Comissão Federal de Comunicações (FCC, na sigla em inglês).

MINHA EXPERIÊNCIA

Participei também como convidado, na semana passada, da mesma reunião da Comissão de Educação do Senado, e debati essa questão com senadores e com André Barbosa. Na oportunidade, relatei minha experiência pessoal com receptores digitais do padrão Iboc que instalei em meu automóvel, em São Paulo. Citei, então, os três maiores problemas detectados, na transmissão FM:

1) atraso de oito segundos entre o sinal analógico e o digital, causando a repetição ou a eliminação de palavras essenciais ao entendimento de notícias ou à audição de música;

2) ocorrência de ruídos e interferências em canais vizinhos, tanto em AM como em FM, especialmente à noite;

3) diferença de alcance das transmissões analógicas e digitais: como o sinal digital tem alcance 40% menor, surgem problemas de instabilidade no limite das duas transmissões.

A maior limitação, no entanto, é a impossibilidade atual de se produzirem receptores portáteis, porque o consumo de energia do padrão Iboc é tão grande que descarrega as baterias em duas ou três horas. Os receptores têm que permanecer plugados no carro ou na tomada doméstica, para funcionar.

Num país onde a maioria é pobre, não será fácil convencer os ouvintes a comprar um novo receptor analógico-digital, para usufruir as vantagens futuras da nova tecnologia. Nesse aspecto, parecem remotas as perspectivas de produção de receptores digitais do padrão Iboc pela indústria brasileira por preços acessíveis à grande maioria da população. Nos Estados Unidos, mesmo com a escala já alcançada e subsídios dados pelas cadeias de rádio, o receptor custa cerca de US$ 150 para o consumidor. No Brasil, dificilmente seria vendido por menos de R$ 400.

O rádio é praticamente a última forma de comunicação eletrônica a ser digitalizada em todo o mundo. No entanto, para surpresa de muitos, tem sido a mais difícil. O maior desafio é transmitir simultaneamente, no mesmo canal de freqüência, tanto o programa analógico quanto o digital. A única tecnologia que se propõe a fazê-lo até aqui é a da Ibiquity. Mas a empresa não conseguiu até agora eliminar os problemas identificados no Brasil e nos Estados Unidos.’

 

LITERATURA
Ubiratan Brasil

Nacionalismo nas letras

‘Pesquisadora destacada na crítica literária brasileira há pelo menos quatro décadas, Leyla Perrone-Moisés sempre acreditou que as fronteiras nacionais, na literatura ocidental, são porosas, tanto nos chamados ‘centros’ como nas ‘periferias’. Ou seja, a escrita literária sempre foi supranacional. A formação das grandes nações, no entanto, especialmente a partir do século 19, provocou uma inegável aspiração nacional, o que explica, inicialmente, o vínculo do significado político com o uso estético da linguagem. É sobre esse assunto que Leyla trata em Vira e Mexe, Nacionalismo (248 páginas, R$ 45), conjunto de 13 textos produzidos recentemente, a maior parte inédita, lançado agora pela Companhia das Letras.

O subtítulo revela o amplo leque temático dos ensaios: Paradoxos do Nacionalismo Literário. Ao esmiuçar problemas centrais à crítica contemporânea, como a noção de ‘cultura’ ou os conjuntos colonialismo/nacionalismo, identidade/alteridade, Leyla mostra como a busca da identidade nacional teve dois grandes momentos: no século 19, com o romantismo, e, no 20, com o modernismo.

O nacionalismo, em suas diversas variações, baseia-se no conceito da unidade nacional e, para isso, enraíza-se no propósito coletivo da igualdade interna e, da mesma forma, na diferença externa. A literatura surge, então, como o meio ideal para sua expressão, ou seja, permite que diferentes indivíduos de um grupo social compartilhem de uma mesma realidade social, histórica, cultural e, principalmente, identitária.

Ao tratar da questão do nacionalismo na literatura brasileira, ligada historicamente à acolhida ou à recusa da influência estrangeira (notadamente a francesa), Leyla Perrone-Moisés preferiu o estudo de escritores e ensaístas nacionais, mas não nacionalistas. Para ela, é preciso definir o caráter predominante de um povo para configurar o imaginário da identidade nacional. Assim, em seus estudos, há desde a pesquisa da ‘realidade’ pela ficção, que integrou um projeto nacionalista visível na obra de José de Alencar, por exemplo, e também de reações apaixonadas à aproximação com a escrita francesa, como as contra-reações, verificadas na obra de João do Rio, n’O Triste Fim de Policarpo Quaresma, de Lima Barreto, e especialmente na escrita de Mario de Andrade (Macunaíma), que nunca foi um nacionalista estreito.

Além do Brasil, Leyla oferece análises sobre a cultura na América Latina e as relações entre as obras de Edward Said e J. M. Coetzee. Irredutível na defesa do predomínio dos critérios estéticos para a interpretação literária, a autora concedeu a seguinte entrevista, realizada por e-mail.

Como o nacionalismo literário alimentado pela identidade nacional adquire vitalidade?

O nacionalismo ideológico, nascido com a Revolução Francesa, se espalhou e se intensificou por surtos episódicos ligados a diferentes objetivos das nações: busca de hegemonia pelas mais fortes, busca de reconhecimento pelas mais fracas, ampliação ou defesa de territórios, guerras, ressentimentos deixados por estas, etc. Meu livro trata somente dos nacionalismos literários, em especial os dos países latino-americanos. No caso de nossas literaturas, a busca e a exaltação de uma identidade nacional acompanha os processos de independência, no século 19, e são parte importante da criação das nações. A literatura colabora, então, para o fortalecimento da auto-estima e a emulação com a Europa. A importância da literatura na formação das nações latino-americanas se comprova, entre outras coisas, pela quantidade de dirigentes que associaram sua atividade política à prática literária. No Brasil, os dois grandes momentos do nacionalismo literário foram o romantismo, que coincidiu com a propagação dos nacionalismos europeus e nossa então recente independência, e o modernismo, quando o País estava em forte crescimento e buscava equiparar-se, culturalmente, aos países hegemônicos. Nos melhores dos casos, o nacionalismo literário produziu obras originais, e nos piores, tomou a forma de ridículos ufanismos. Os paradoxos que aponto em meu livro se referem ao fato de os nacionalismos latino-americanos terem sido sempre dependentes da Europa, quer pela inarredável filiação lingüística e cultural, quer pelo objetivo de ‘abafar na Europa’.

A origem da relação entre literatura, nacionalidade e identidade nacional floresceu num momento propício a tal associação, entre os séculos 18 e 19. De que forma o romance contemporâneo mantém resquícios dessa associação?

O romance contemporâneo mantém resquícios dessa associação nos países de descolonização recente. Mas, de modo geral, o romance contemporâneo é mundializado pela informação e pelos deslocamentos humanos.

Como se classificaria hoje o nacionalismo literário em um mundo marcado pela globalização?

Um dos grandes paradoxos da globalização é o recrudescimento dos nacionalismos, em várias partes do mundo. A globalização é econômica e informacional. No campo cultural, por um lado ela uniformiza pela cultura de massa, por outro acirra as diferenças, que não são mais estatais mas se concentram em comunidades culturais cada vez menores. A busca de entendimento entre as nações, com bases em valores comuns, é o principal problema atual da política e do direito internacionais. A literatura ocidental – o que é redundante, porque o conceito de ‘literatura’ é ocidental – sempre teve uma tendência internacionalista. Em seus temas e formas, os grandes escritores ocidentais nunca se restringiram a suas próprias culturas. Shakespeare, como todos os ingleses cultos de sua época, estudou latim e colheu seus temas em outros países europeus. Voltaire se inspirou em Shakespeare, Diderot em Sterne, Baudelaire em Poe, Pessoa em Whitman, os poetas modernos nos haicais japoneses. Os exemplos poderiam se multiplicar. Por ser intertextual, a literatura não conhece fronteiras. Daí o sonho romântico de Goethe de uma ‘literatura mundial’. Atualmente, os escritores têm ainda menos razões de se restringir a identidades nacionais. O relativismo contemporâneo contesta a universalidade da literatura, mas com a rapidez das comunicações e o aumento notável das traduções, nunca os diferentes povos leram tanta literatura ‘estrangeira’ como agora. O êxito dessas trocas mostra que há, nas obras literárias, se não um ‘humano’ único, pelo menos um entendimento possível entre os humanos.’

 

‘Literatura é exemplo de hospitalidade’

‘Na continuação da entrevista, Leyla Perrone-Moisés trata do nacionalismo literário no atual mundo globalizado, além da atividade dos modernistas Mario e Oswald de Andrade.

Machado de Assis escreveu Notícia da Atual Literatura Brasileira – Instinto de Nacionalidade, em 1873; Jorge Luis Borges escreveu El Escritor Argentino y la Tradición em 1932. Nenhum dos dois pode ser caracterizado como negação do espírito patriótico, mas ensaios com uma aguda crítica ao nacionalismo literário americano. Eles também produziram uma literatura universal pelo aprofundamento das sugestões locais. Representariam, portanto, o contraponto mais clássico do nacionalismo literário?

Machado e Borges, em seus respectivos ensaios, são agudos analistas da relação entre o local e o universal. E suas obras são os melhores exemplos do que eles defendem: um ‘instinto de nacionalidade’ que é inerente a qualquer indivíduo, mas que se amplia pela vocação universal da literatura. A grande obra literária é um exercício de liberdade por meio da imaginação. Nas democracias, é um ‘território’ não submisso à vigilância estatal. A ‘força imaginante’ da literatura, apontada por Bachelard, inspira atualmente grandes juristas internacionais como Mireille Delmas-Marty, em busca de ‘valores inter-humanos’ constituídos por empréstimos recíprocos. Para Hannah Arendt, assim como a propensão para o comércio é a fonte dos objetos de uso, a fonte da literatura, como a de toda arte, é a capacidade humana de pensar, de sentir e de se comunicar com o outro. Jacques Derrida via, na literatura, um exemplo de hospitalidade e um estímulo à ‘democracia por-vir’.

A origem da relação entre literatura, nacionalidade e identidade nacional floresceu num momento propício a tal associação, entre os séculos 18 e 19. De que forma o romance contemporâneo mantém resquícios dessa associação?

O romance contemporâneo mantém resquícios dessa associação nos países de descolonização recente. Mas, de modo geral, o romance contemporâneo é mundializado pela informação e pelos deslocamentos humanos.

Existe necessidade lógica para a repetição e insistência da busca de constituir uma identidade nacional ?

Sem dúvida, e essa repetição não é só brasileira ou latino-americana. A ‘identidade’, seja ela pessoal ou nacional, é uma construção mental na qual o homem se ancora para existir e agir. Na vida política das nações, há momentos em que ela precisa se afirmar, diante de ameaças externas. Mas ela deve ser sempre reconhecida como provisória. A identidade forte, baseada em essências e promovida pelo Estado, ocasiona guerras, racismo e xenofobia. Na literatura, a busca programática da identidade nacional não tem efeitos diretos tão catastróficos, apenas resulta em provincianismo. Meu livro se coloca, desde o título, sob a égide de Mario de Andrade, que teve a genialidade de não falar em ‘identidade’, mas em ‘entidade nacional brasileira’. A palavra ‘entidade’, além de melhor convir a uma cultura mesclada como a nossa, afasta toda afirmação de origem pura e de fixidez. No Brasil, o periódico ressurgimento do nacionalismo cultural resulta menos de um orgulho do que de um permanente complexo de inferioridade, ambos imaginários. Quando o nacionalismo cultural é relativizado, é justificado e positivo. Quando ele é programático, dirigido e privilegiado, é arcaico e paroquial.

Como, aliás, avaliar a prática dos intelectuais da Semana de Arte Moderna?

Esta pergunta ultrapassa as intenções de meu livro, que é apenas uma coletânea de reflexões variadas sobre o nacionalismo literário. A prática dos intelectuais da Semana de Arte Moderna tem sido analisada numa vastíssima bibliografia, com conclusões ora laudatórias, ora depreciativas. Para meus objetivos, encontrei as melhores formulações sobre o nacionalismo literário em Mario e Oswald de Andrade. Mario foi um pensador responsável e coerente, além de notável escritor. Oswald foi o artista criador de uma metáfora inspiradora e fértil, a Antropofagia, que só é vista com maus olhos por aqueles que lêem seus insights como se fossem teses filosóficas ou políticas. Mas ambos permanecem atuais em nosso mundo ‘globalizado’ no qual, mais do que nunca, as ‘entidades’ nacionais têm de escolher entre se fecharem em fundamentalismos ou se integrarem umas às outras.

Como avaliar o trabalho de Haroldo de Campos a respeito dos aspectos utópicos da idéia de uma literatura universal homogênea?

Haroldo de Campos pertenceu à última vanguarda do século 20. Como vanguardista era internacionalista, como poeta teve reconhecimento internacional. Mas ele não defendia uma literatura universal ‘homogênea’, defendia critérios de qualidade homogêneos para a avaliação estética das diferenças. E essa posição é menos elitista do que a dos relativistas que, ao se aferrarem às diferenças, recusam às ‘margens’ o direito a serem integradas na grande literatura. Sempre estive muito próxima de Haroldo em sua fundamentação teórica, sem precisar partilhar todas as posições ‘radicais’ defendidas por ele com uma paixão de militante que faz falta no ‘vale tudo’ atual.’

 

Rosane Pavam

Autora desvela os truques do nacionalismo

‘A frase atribuída ao ministro nazista Josef Goebbels, segundo a qual, ao ouvir a palavra cultura, sacava seu revólver, e a versão paródica desta assertiva, feita pelo cineasta Jean-Luc Godard, em que a arma de fogo é substituída por um talão de cheques, ilustram o desprestígio alcançado em décadas recentes pelo termo ‘cultura’. Se somos culturais ou culturalistas, diz o senso comum ocidental, somos um pouco ridículos, rendidos ora à correção política, ora a um pedantismo de gosto. E se somos nacionalistas? Nem seriam necessários argumentos para enxergar atraso totalitário nos nacionalismos, não estivesse a civilização, neste momento, tão ocupada deles.

Voltaram todos a se parecer com o personagem Policarpo Quaresma de Lima Barreto (conseqüentemente, cônscios de sua ‘cultura de origem’), como sugere o excelente título do novo livro da pesquisadora Leyla Perrone-Moisés, Vira e Mexe, Nacionalismo, inspirado em uma expressão de Mário de Andrade. É preciso encarar o rótulo que sempre retorna, desmistificando-o, como ela faz nestes 13 ensaios produzidos como conferências para universidades da Europa e América Latina e como artigos para a imprensa. Para Leyla, um observador das humanidades deve desvelar os truques que transformam ‘comunidades imaginárias’, segundo uma definição do pensador Benedict Anderson, em ‘nações’ dotadas de pretensas culturas próprias, autorizadas a brigar com outras por sua hegemonia.

A seu ver, não há cultura própria, se nem mesmo há uma nação para abrigá-la, em um sentido estrito. É humano relacionar-se com outros homens mútua e constantemente, trocando, somando e movimentando experiências, especialmente as da arte, as literárias. Mobilidade e mudança, estas sim caracterizam a cultura: e isto explicaria por que o que é nacional não pode ser imutável, genético ou racial. Nações foram criadas a partir de mitologias românticas. O atirador Goebbels encaminhou este ideal para um sentido de morte das diferenças.

Leyla Perrone-Moisés vem de brilhantes estudos literários que se baseiam tanto em Machado de Assis quanto em Lautréamont; em Julio Cortázar, tanto quanto em Jorge Luis Borges (e ela não entra na rinha de críticos que desejam colocar um em superioridade a outro), em Edward Said tanto quanto em Castro Alves ou Jacques Derrida. Perrone-Moisés é, diria o rótulo, uma analista cultural de primeira. Mas ela talvez preferisse ser uma observadora desse mundo em aprendizado e mudança do que ter de alertar a um leitor de que a cultura ou a identidade nacional a que ele por vezes se apega são conceitos ‘minados’.

Seus ensaios contêm lucidez e contundência. Aparentam-se a manifestos. Ela estudou e sabe o que diz, tem facilidade em julgar. E nos deixamos levar por sua erudição, carisma e tom afirmativo. Não há, aqui, a tentação da análise psicológica, de comentadora imbuída de senso artístico, como nos ensaios intuitivos e sabedores de uma Lucia Miguel Pereira. Perrone-Moisés se arma para uma batalha de discernimento, e sua seriedade não abriga humor nem delicadezas. Nenhuma palavra fora de lugar, nenhum risco de se levar pela ilusão da análise puramente literária ou ideologicamente vestida a acometem.

Ela aponta limitações em muitos ícones. Oswald de Andrade não se revelou um pensador consistente como o desafeto Mário de Andrade. Se houvesse sido assim, Oswald teria lutado mais para desenvolver seu raciocínio em torno do que representou nosso modernismo, estranhamente nacionalista. O argentino Ernesto Sabato e o brasileiro Antonio Candido explicaram o que acontece aos escritores da América: é que, ao mesmo tempo que escrevem, eles criam uma nação. O modernismo veio imbuído dessa grande responsabilidade, que posteriormente, na política, Getúlio Vargas julgou exclusivamente sua.

Assim, os escritores destas terras colonizadas parecem sempre deslocados, dialogando com a moldura em que foram feitos, como o ‘europeu no exílio’ que o argentino Borges declarou ser. O nosso modernismo foi nacionalista por contingência, um nacionalismo que evocou a paródia. Não mais Paris… Ou, de Paris, como ocorreu a Oswald, avistava-se mais facilmente o Brasil. E é esta a razão de ser de nossa tristeza, canonicamente invocada pelo pensador Paulo Prado em Retrato do Brasil, ou citada ironicamente pelo suíço Blaise Cendrars, cansado de ter de passar, aqui, por exclusivo francês. Buscamos a tradição antes de transformá-la em outra coisa. Vemos a novidade segundo o que conhecemos antes. E ainda precisamos ser reconhecidos pelos tradicionais, que primeiro a viram.

A briga é por visibilidade, ao mesmo tempo que por altiva consciência própria. Leyla dá inúmeros exemplos de como se pode renovar dentro das formas estabelecidas. Entre tantos ensaios bem-sucedidos, um é especialmente instigante, aquele em que ela nos mostra como o poeta brasileiro Castro Alves, espelhado no tom alto do francês Victor Hugo, antecipou-lhe um poema. Coincidência prévia? Embora não tenha conhecido ou se correspondido com seu mentor poético, Castro Alves escreveu em 1870, no poema Aves de Arribação, as imagens que Hugo usaria em 1886, 15 anos depois da morte do brasileiro, em Cantique de Bethphagé.

Vira e Mexe – Nacionalismo

Leyla Perrone-Moisés

Companhia das Letras

248 págs., R$ 45,50′

 

PAULO AUTRAN
Daniel Piza

d.A.

‘Sobre Paulo Autran, que morreu aos 85 anos na sexta retrasada, senti falta nos obituários de uma ênfase maior na perspectiva histórica; afinal, pelo que se lê em autores como Décio de Almeida Prado, a história do teatro e do ‘acting’ brasileiro pode ser dividida em antes de Autran e depois de Autran. Até os anos 50, quando ele despontou para o prestígio, o estilo de atuar era outro, mais empolado e artificial, do qual o grande nome foi Procópio Ferreira. Autran veio com uma dicção mais natural e um gestual mais econômico, aliando a eles um conhecimento e uma aplicação insuspeitados. Pelo restante da carreira ficou nessa fronteira entre o clássico e o moderno, alerta, vigilante, sempre zelando tanto pela emissão verbal quanto pela emoção direta.

Não por acaso, as primeiras críticas a ele, ainda no final dos anos 40, se queixavam de estar ‘natural demais’ – tampouco por acaso, em referência ao seu papel em À Margem da Vida, de Tennessee Williams, dramaturgo americano cujas peças estavam sendo usadas por atores como Marlon Brando para transformar a arte da interpretação. Não que Autran tenha chegado aos extremos do estilo Actor’s Studio, mas, como escreveu Prado sobre sua atuação em Antígone, em 1952, ele não precisava mais ‘erguer a voz para sugerir força e autoridade’. Quatro anos depois, seu desempenho em Otelo, ao lado de Cacilda Becker, arrancaria de Prado a qualificação de ‘perfeito’ e de Glauber Rocha ‘genial’. A partir dali, de Walmor Chagas a Wagner Moura, se tornou o mais influente dos atores brasileiros, um modelo de como merecer a fama.

Autran fez de tudo, da comédia ao drama, antigos e novos, brasileiros e estrangeiros, graves e frívolos; fez ainda cinema (Terra em Transe, de Glauber Rocha, que lhe pedia ‘mais, mais!’ e ele cedia, mas não muito…) e TV (o pastelão mais classudo da história, em parceria com Fernanda Montenegro em Guerra dos Sexos). Não raro, os críticos apontaram seu ‘domínio cênico’. Se havia ressalvas, era a respeito da maneira como não parecia se integrar plenamente ao papel, mas o ponto era esse: Autran era contido, concentrado, consciente – não esse tipo de ator que leva tiques e trejeitos de cada personagem que faz para o seguinte, como uma camada de maquiagem. Tinha presença, mas não se bastava em ser ele mesmo no palco.

Comecei a acompanhá-lo com Solness, no ótimo grupo Tapa, e, se não gostei tanto de seu Rei Lear, que não chegou a transmitir aquele acúmulo de decepções que nos dá uma mescla de compaixão e desassossego, jamais me senti decepcionado, pois a culpa não era apenas dele. Sua carreira, ousada mesmo no crepúsculo, ganhou o anoitecer que merecia com Avarento, em que estava engraçadíssimo de ceroulas, tão despojado quanto preciso. Era um homem inteligente e culto, que adorava e sabia ler, tinha opinião e não transigia com o populismo. Passou um ano enfrentando o câncer, aceitando a iminência da morte, com bom humor. Queria ter sido velado no Municipal. Não foi possível, mas é ali que sempre haverá uma vela acesa por ele.

CADERNOS DO CINEMA

O último papel de Autran no cinema foi em O Passado, de Hector Babenco, em que faz uma ponta como um professor de francês um tanto patético, com uma técnica de humor muito apurada.

O que impressiona no filme, que está na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, é a maneira como se sustenta no limite do melodrama e do suspense. A história de um intérprete argentino, feito por Gael García Bernal, que se separa da mulher, Rimini, e ela não consegue esquecê-lo – em vez de superar o problema com o tempo, só piora – seria outra coisa na mão de outro diretor, digamos Almodóvar, Fellini ou Hitchcock. Com Babenco, assume graduações cinzentas, tensas, intermitentes como as chuvas que caem ao longo do filme. Há certa lentidão, talvez pela vontade de embutir outros temas (a barreira da língua, a passagem pelo Brasil). Mas sempre sentimos que algo terrível vai acontecer, que Rimini ultrapassará algum limite, e que ele – talvez mais passivo do que seria outro homem na mesma situação – não conseguirá sair do cerco da loba, mesmo que encontre outra que o complemente como nunca. E nos pomos a pensar não apenas sobre essas pessoas, mas sobre como não se possui o passado, embora ele nos possua.

UMA LÁGRIMA

Da geração de Paulo Autran e Marlon Brando, Deborah Kerr também morreu, aos 86 anos, na quinta passada. Nunca foi minha predileta como atriz ou como beleza, mas ela conjugou as duas qualidades e fez uma excelente carreira, trabalhando com grandes diretores nos papéis mais distintos, especialmente naqueles que contêm desejos reprimidos que vemos brotar. Fez, assim, cenas que seriam emblemas da arte e da época, como a do beijo na praia que literalmente a pôs com Burt Lancaster a um passo da eternidade, onde descansa agora.

RODAPÉ(1)

‘Não há eufemismos, raras metáforas desviam a fantasia, os períodos são pouco trabalhados. Na construção de suas frases, o sentido causal, final, consecutivo ou concessivo das partes é manifestado muitas vezes não pelas conjunções, mas pela entonação; com toda razão ele se compara a Tácito. O sentido cria as conexões muito mais que os conectivos sintáticos criam o sentido. É certo que há frases longas, mas não um burilamento consciente dos períodos. E as palavras são correntes e despojadas, ou pelo menos prescindem de qualquer seleção com base em critérios estéticos (…). Não busca nada senão a expressão que faz justiça ao objeto: o resultado é a mais perfeita nudez das coisas. (…) Sua transparência é radiante.’ Erich Auerbach sobre Montaigne, em Ensaios de Literatura Ocidental (editora 34).

RODAPÉ(2)

Não deu outra. Assim que os prêmios literários brasileiros passaram a incluir livros em português em geral, imaginei que os escritores locais passassem a ver naus. Nesta semana, Gonçalo Tavares ganhou o prêmio Portugal Telecom com seu Jerusalém. E olhe que entre os concorrentes estava o romance do angolano Mia Couto, O Outro Pé da Sereia, em minha opinião superior ao do português.

POR QUE NÃO ME UFANO (1)

Ainda fazendo confusão entre cinema e realidade, muita gente elogiou Tropa de Elite por ter tratado ‘bandido como bandido’ e por ter ‘denunciado’ a juventude universitária e ongueira que usa drogas e financia o crime organizado, como se fosse o primeiro livro ou filme a fazer isso e como se todos os jovens e ONGs fossem iguais. É um fato, obviamente, que são eles os consumidores e co-responsáveis. Mas resolver o problema da segurança envolve bem mais. Primeiro, porque não há campanha que vá extinguir o uso de drogas, que acompanha a humanidade desde que surgiu. Segundo, porque alternativas como a legalização de todas elas é também utópica, já que a produção e a distribuição continuariam com os criminosos e não dá para conceber um sujeito cheirando pó em público em frente de crianças.

Ação repressiva é importante, mas sem atingir tantos inocentes, sem recorrer a tortura e execução sumária e sem fazer o que se fez nesta semana na Favela da Coréia, com fuzilamento do alto de helicópteros. E que seja combinada a uma série de outras ações, como política comunitária, limpeza da polícia, fim da impunidade, vigília das fronteiras, etc. Transformar o Bope em paladino da ordem e da moral é, para dizer o mínimo, aposta perigosa.

POR QUE NÃO ME UFANO (2)

A extensão da fidelidade partidária a cargos majoritários foi uma boa notícia, desde que assim prossiga e que seja praticada. Só evitar o troca-troca fácil de partidos, a debandada da oposição para a situação em função de verbas e conveniências, já é algo. Mas é preciso muito mais para que os partidos brasileiros sejam partidos reais. Reduzir o número deles (cadê a cláusula de barreiras?), puni-los por práticas como o caixa 2 e a compra de eleitores, cobrá-los pelos programas (daí a importância do fim do voto secreto), diminuir seu poder de barganhar emendas ou votos, corrigir a representatividade (talvez pelo voto distrital misto) – há muitas medidas para que o sistema político atenda minimamente a suas funções. Cadê o debate?

Duas dessas medidas dizem respeito diretamente ao princípio constitucional da autonomia entre os poderes: restringir o número de medidas provisórias, com as quais o Executivo sufoca o Legislativo; e acabar com a impunidade, como a armação corrente para que Renan Calheiros não seja cassado em troca da aprovação da CPMF, o que limita o funcionamento do Judiciário. O Brasil ainda precisa decretar o Iluminismo em seu território.’

 

BERLIM
João Ubaldo Ribeiro

Was für ein Lügner!

‘Não sei por que, algo me diz que a frase acima (‘que mentiroso!’, em alemão) será das mais proferidas entre alguns círculos intelectuais de Berlim, nas próximas três semanas, ou coisa assim. Hoje embarco para lá, onde devo passar uns 20 dias. (Receio que nenhum de vocês possa comemorar o fato, porque, a não ser que meu bravo quão idoso notebook negue fogo, pretendo mandar a coluna a partir de lá, não contavam com a minha astúcia.) Como sempre, nessas ocasiões, não sei bem para o que me convidaram e o que vou fazer, mas, apesar de inicialmente atarantado, acabo por não envergonhar Itaparica e os amigos, digo lá minhas coisinhas em que eles prestam atenção.

Há também um elemento de suspense. Nunca expus a magnitude da minha tristeza, durante todos estes anos em que tenho escrito aqui. Vocês não sabem como é melancólico. Ontem ou anteontem mesmo, li por acaso em algum lugar da Internet que recebo vultosas granas de altos (ou baixos, conforme o ponto de vista) interesses. Também participo da conspiração da tirania da mídia e, uma hora destas, quem sabe, bate aqui a Polícia Federal para me levar em cana, assim que toda a imprensa brasileira for indiciada por formação de quadrilha, como é intenso desejo de alguns. Já recebi muitas ordens de meus mentores no PT (sic). Sou pau-mandado do PSDB e tudo o que disse do governo de dr. Fernando Henrique foi para mascarar minha atual condição de agente tucano. Sou um comunista radical, que queria ver Lula abrir logo os trabalhos com a abolição da propriedade privada e, porque ele não fez isso, fiquei frustrado e vingativo. Sou um delegado da direita, ao sórdido serviço da Zelite. Sou uma grande figura humana meio fraca da idéia, que acredita em tudo o que lhe dizem. E por aí vai, já perdi a conta.

É humilhante deitar para dormir e nada disso ter-se materializado. O PT nunca me deu ousadia de me enviar ordens ou instruções, o PSDB idem, nunca me chamaram para conspirar, nenhuma grana jamais pintou. Agora, com a ida à Alemanha – devaneio aqui -, talvez me chamem para pelo menos uma conspiraçãozinha, quem sabe? Conspiração deve ser um barato, com senhas, sinais secretos, comunicação por classificados de jornal, sincronização de relógios, mulheres deslumbrantes e ‘dark’ que, após uma noite de amor ardente, desaparecem na madrugada e nunca mais são vistas, nem na Playboy.

Contudo, creio que, porque conspiração não enche a barriga de ninguém, prefiro uma dessas vultosas somas. Umazinha só já dava para me tirar da exclusão corrupcional (mil perdões, filólogos, mas acho que, pelo andar de nossa vida pública, já estamos precisando desse adjetivo novo, para bem falar sobre nosso país). Meu coração se acelera, quando penso na minha primeira cueca cheia de euros ou meu primeiro mensalão. Com toda a certeza, a primeira corrompida nunca se esquece, não sei se o coração vai agüentar.

Mas sejamos realistas, tudo isso não passa de fantasia. Meu destino não me reserva tais agrados, ai de mim. Vou participar de vários eventos, em alguns dos quais deverei falar ou – como direi? – palestrar. E conheço as platéias alemãs: se alguém não tiver anunciado, com pelo menos dois meses de antecedência (para alemão isso é na última hora), que as perguntas se encerram precisamente às 21 e 48 ou coisa assim, elas são capazes de perguntar até o sol raiar. Cheguei a pensar em inventar umas evasivas metidas a engraçadas, para tourear as perguntas, mas não dá. Se eu chutar em alguma informação, posso dar o azar de um temível brasilianista de Tübingen, que lê todos os jornais brasileiros todos os dias e tem em computador a Biblioteca Nacional, estar presente e se levantar lá atrás para me espinafrar de cima abaixo.

Não, não, tenho de encarar a realidade. E, se quiser fantasiar, que fantasie em outra direção. Quem sabe sair na capa do Der Spiegel, com uma daquelas tarjas de revistas semanais: Der Lügner (o mentiroso). É uma, não se pode deixar de reconhecer e talvez eu me torne festejado e requisitado na Alemanha, onde há mercado para qualquer coisa, para mentir em auditórios e teatros abarrotados, sob gargalhadas e ‘bravos’ gerais. Já ensaiei para as palestras.

– Onde é o melhor lugar para pesquisar para uma tese sobre Jorge Amado que eu estou fazendo? No próximo ano devo ir à Bahia e…

– Bahia, não. Massachusetts. Harvard. No Brasil não tem nada.

– É verdade que, com a ascensão de um partido de esquerda e reformista, os bancos e os ricos passaram a ganhar mais do que nunca?

– É, sim.

– É verdade que no Brasil pode-se ficar embriagado, atropelar e matar várias pessoas e nunca ser preso?

– Eu soube que não há ninguém preso por causa disso.

– Que diz o Parlamento?

– Bem, o Senado passou o ano inteiro sem funcionar, por causa de um presidente que não queria sair, apesar de todo mundo querer.

– E os deputados?

– Os problemas são muitos. Eles só trabalham duas ou três vezes por semana, o tempo é curto.

– Mas também não devem ganhar nada.

– Ganham muito mais do que os daqui, não tem nem comparação.

– Sei, sei… E ninguém faz nada?

– Não, não o povo lá está mais para platéia do que para povo.

– Herr Ribeiro, o senhor não acha que devia guardar essas histórias para sua ficção? O senhor é mesmo um grande ficcionista! Mein Gott, was für ein Lügner! Conte mais, conte mais! Chove de baixo para cima, lá no Brasil?’

 

REVISTA USP
Francisco Quinteiro Pires

Revista USP mira o futuro com um olhar plural

‘Um encontro com o que o mundo será amanhã. Essa é a proposta da primeira parte da trilogia Pensando o Futuro, da Revista USP (R$ 16, 208 págs.), publicação trimestral da Coordenadoria de Comunicação Social da Universidade de São Paulo.

Dividida nas áreas de humanidades, ciências biológicas (nº75) e ciências exatas (nº76), esta edição, a de nº 74, traz artigos que, ao situarem os olhos no futuro, miram em várias direções – há ensaios sobre Direito (Tercio Sampaio Ferraz Jr.), reforma política (Marco Maciel), educação (Paulo Renato Souza), capitalismo (Olgária Matos) artes plásticas (Teixeira Coelho), filosofia (Lucia Santaella) e cibernética (Ciro Marcondes Filhos).

Segundo o editor da revista, Francisco Costa, a visada no que está por vir se faz mais urgente em um mundo que entrou no século 21 afundado em guerras, como a do Iraque, em ataques terroristas, como o evento trágico de 11 de setembro, em violência crescente nos centros urbanos e em descrença na política.

Professora de Comunicação e Semiótica da PUC-SP, Lucia Santaella escreve o ensaio Pós-Humano – Por Quê? sobre as transformações provocadas no ser humano pela convergência explosiva, realizada desde meados do século passado, entre telecomunicações e computador. Para Santaella, a influência da tecnologia digital vai aumentar, e a chance de modificar o modo como o homem pensa e se expressa é considerável. A ensaísta cita um consenso segundo o qual o impacto da revolução tecnológica – tanto do ponto de vista psíquico quanto cultural e social – seria mais profundo que a invenção do alfabeto e a criação da imprensa por Gutenberg.

Santaella cita Katherine Hayles, para quem ‘o pós-humano representa a construção do corpo como parte de um circuito integrado de informação e matéria que inclui componentes humanos e não-humanos, tanto chips de silício quanto tecidos orgânicos, bits de informação e bits de carne e osso’.

Essa hibridização entre corpo e tecnologia, segundo a professora da PUC-SP, é uma evolução natural na história do homem, ‘um ser paradoxal, natural e artificial ao mesmo tempo, pois a fala que faz do ser humano o que ele é desnaturaliza-o, coloca-o de saída, fora da natureza’.

Tão inexplicável como a vida, a fala tira o homem do mundo natural para inseri-lo no artifício. ‘Natural é sugar, chupar, comer, respirar. Falar, cantar, beijar, chorar e rir são funções inseparáveis de um mesmo artifício, o artifício da maquinaria simbólica que está instalada em nosso corpo.’ Nessa perspectiva, as técnicas e tecnologias, afirma Santaella, são somente prolongamentos da humanidade. Quando se entendem as transformações dessa maneira, surge a necessidade de repensar e desconstruir as certezas ontológicas e metafísicas tradicionais sobre a identidade e subjetividade do ser humano, conclui Santaella.’

 

BLOG DOS FAMOSOS
Renata Gallo

Paparazzo em causa própria

‘Enquanto nas revistas e na TV elas aparecem tampando a lente das câmeras, na internet as celebridades se exibem. Fotos da família, da casa, do filho, da festa de aniversário, do pulo de asa delta ou de qualquer outra coisa. Há pouco mais de um mês foi criado o portal BlogLog (http://bloglog.globo.com) onde artistas teoricamente avessos à mídia têm uma espécie de diário virtual. É neste espaço, por exemplo, que a atriz Carolina Dieckmann, que já processou o Pânico por expor seu filho Davi, publica fotos e mais fotos da sua família: na praia, em restaurantes, em casa…

E a exposição não deve parar por aí. Além dos textos e fotos, Diogo Boni, criador do portal, lançará em breve o BlogLog TV. ‘As pessoas serão convidadas a fazerem vídeos caseiros’, explica. Uma das ‘atrações’ já definidas é a Auto-Entrevista, em que a celebridade irá se auto-entrevistar. Uma outra, a Blogokê irá fazer os famosos cantarem e criarem clipes musicais. O ator Bruno De Luca, amigo de Diogo, terá um programa próprio e irá gravar matérias para o portal na balada. ‘Também temos a intenção de pedir para os artistas produzirem vídeos em suas viagens e mais algumas brincadeiras’, planeja Diogo.

O BlogLog já faz sucesso sem ao menos ser lançado. Segundo Diogo Boni o portal está em fase de testes e será lançado em um mês com direito a anúncios nos principais veículos de comunicação. Mas, mesmo sem nenhum marketing, o BlogLog já obteve 480 mil acessos/dia. Se fosse restrito a São Paulo, poderíamos dizer que o portal teve média de 8,8 pontos de audiência na Grande São Paulo, mais do que programas de televisão como Pânico, da RedeTV!, ou a mesma média do Mais Você, de Ana Maria Braga.

‘Nem imaginava que ia ser tanto sucesso. A princípio, convidamos 20 pessoas e nos surpreendemos quando as 20 aceitaram’, diz Diogo Boni. Hoje são 187 blogs, entre celebridades das mais diversas como o autor Aguinaldo Silva, o cartunista Miguel Paiva, o DJ Marlboro e o próprio pai de Diogo, José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni. A intenção, no entanto, é que, em pouco tempo, mais de 600 nomes tenham seu blog no portal. ‘Acho que a aceitação está sendo grande porque o blog é um espaço para as pessoas se defenderem e também ficarem próximos de seus fãs. A Carolina Dieckmann, por exemplo, não pode mandar um beijo para seus fãs no meio de uma novela, então ela manda via blog. É como se ela tivesse um canal só para ela’, diz Diogo.’

 

Salvar como…

‘A foto já está na internet, então posso pegar. Certo? Errado. De acordo com o advogado Renato Opice Blum, especialista em Direito Digital, esse é uma dos principais equívocos do mundo moderno. ‘A internet processa esse mito que, se a foto está em um site que eu tenho acesso, tenho o direito de usar a imagem. Não é verdade’, explica.

Diogo Boni, do BlogLog, está de olho nos sites que reproduzem o conteúdo de seu portal. ‘Estamos conversando porque não pretendo sair processando todo mundo. Mas, se for preciso, posso entrar com uma medida judicial’, diz.

Segundo Blum, a fotografia tem proteção dentro da lei de direitos autorais por ser considerada obra artística. E, para ser reproduzida, é preciso uma autorização do fotógrafo. Ou seja, se você quer usar a foto do filho da Carolina Dieckmann terá que ligar e pedir autorização para o fotógrafo, no caso, ela. É melhor começar a tentar agora.’

 

FERNANDA YOUNG
Etienne Jacintho

‘Não pareço, mas sou doce’

‘Quando se fala em Fernanda Young, quase todos fazem careta. Ela tem algo que incomoda – o jeito blasé, um pouco metida. Mas, de forma supreendente, desarma quem a conhece. Talvez esta jornalista tenha sido ingênua por se deixar conquistar; ou pode ser que Fernanda seja mesmo assim: ‘tímida, delicada e doce’.

Quando falei em entrevistar você, muita gente torceu o nariz. Você tem fama de antipática, blasé…

Eu sei! É absurdo! Não pareço, mas sou doce. Passo eficiência – e isso constrange, irrita. Sou uma sobrevivente, talvez meio dura.

E há também a questão das tatuagens, dos piercings…

Fiz de propósito para me proteger. A carcaça social que vesti é a de uma pessoa dura. Sou tão tímida, delicada e doce que, no transtorno, fico forte e agressiva. Não sou extrovertida e as pessoas confundem timidez com antipatia. Não tenho por que ser metida. Sou defensiva.

E a fama de ser egocêntrica?

Sou egocêntrica depressiva, que é coisa de criança: o mundo gira em torno dela e, se dá uma merda, a culpa é dela. Meus pais se separaram e até hoje acho que a culpa é minha. Meu egocêntrico não é assim: o mundo gira em torno de mim porque sou poderosa e o sol nasceu porque meu xamã é forte. É assim: ‘Está chovendo?; o Brasil perdeu a Copa?’ É minha culpa (risos)!

Qual parte da Fernanda irrita o público?

Será porque compro em loja cara? Ah, é esse nariz (risos)! Já chorei na TV, contei meus problemas, acho que a identificação irrita as pessoas. O lado meu que elas têm, mas não querem ver, irrita. Talvez essa clareza e honestidade de eu lidar com minhas mazelas.

Esse papo parece terapia…

Que não faço mais. Me dei alta. Perdi um bebê e vi que isso era um fato. Passei tanto tempo elocubrando dores que me assaltavam, mas que eram da Fernanda pequenininha. Quando você fica adulta e sente uma dor concreta, você pensa: ‘O que é agora? Meu pai, minha mãe, minha avó, a dona Mirtes que me expulsou do colégio?’ Acabou. Sou crítica, sofro, mas não me culpo. Quero meu luto, mas não quero esmiuçar isso. Agora é a dor.

Você escolhe os convidados que visitam o seu programa?

TV não se faz sozinha. A equipe sabe a quem convidar, mas não recebo quem não quero. Não vou receber se não me sentir à vontade.

Você parece íntima dos convidados. Eles são seus amigos ou você cria a intimidade facilmente?

Eles são íntimos no meu imaginário. Crio essa intimidade a partir daí. Quando entrevistei o Evandro Mesquita falei: ‘Você acredita que eu era apaixonada por você e você me perdeu?’

E você cria essa intimidade também fora do programa?

Conto minha vida e as pessoas contam a vida delas com certa rapidez, mas não converso com todo mundo. Conto tudo, mostro a calcinha (risos). Atraio e sou atraída rapidamente, mas não gosto de festa!

Então, o que você faz para se distrair?

Danço em casa (risos). Como em casa porque sou vegetariana e odeio me programar para sair. Não saio de casa depois das 20 horas. Não vou a shows, só quando me convidam. Sou de Niterói. Então não me chama para ir a um lugar longe. Como pizza no meu bairro e tomo cerveja no meu bairro. Minha vida social não é incrível!

Você tem bronca com o incrível.

Nego o incrível! Tenho amigos incríveis, bem-sucedidos, mas prefiro não conhecer outros incríveis na intimidade. Não tenho vontade de conhecer Caetano (Veloso) na intimidade. Para quê? Está tão bem assim…

Com toda essa timidez, como você sobreviveu ao Saia Justa?

(Risos) Errei muito pela coragem, que pode ser burrice. Me assustei quando vi que aquilo fazia sucesso e pedi para sair. Não conseguia frear meu instinto de ruído – sou capaz de falar as coisas mais nojentas, escatológicas e baixas em nome daquele instante de entretenimento. E a ironia é um manjar dos deuses. Se canto a Daniella Cicarelli não é porque sou lésbica, era uma voz coletiva. Pisei na bola. Dei minha cara à tapa. E deu confusão comigo, com minha mãe, expus amigos… E, quando vi, as pessoas me odiavam. Tive depressão. Fiquei mal.’

 

NOVELA
Cristina Padiglione

O planeta tem 2 bilhões de noveleiros

‘Um aviso a quem ainda trata telenovela com certo desprezo: dramalhões ou não, os folhetins movimentam atualmente US$ 70 milhões por ano e alcançam uma platéia de 2 bilhões de pessoas pelo planeta.

A informação vem de Mauro Alencar, doutor em Teledramaturgia – Brasileira e Latino-Americana – e membro da Asociación Latinoamericana de Investigadores de la Comunicación (Alaic). Pesquisador da Globo, Alencar representou a emissora, única brasileira presente, no 5º Congresso Mundial da Indústria da Telenovela e Ficção, promovido pelas revistas TV Más e Only Telenovelas, há uma semana, em Barcelona. Eis o que ele nos relata da Espanha:

Quantos países participaram do encontro em Barcelona?

Além da Espanha, é claro, Brasil, Venezuela, Portugal, Áustria, Bélgica, França, Índia, Jordânia, México e Estados Unidos.

O México ainda lidera as exportações do gênero?

Sim. Não se compara o gasto de uma novela mexicana (A Usurpadora, por exemplo, uma das melhores) com O Clone (grande sucesso no exterior). Outro aspecto que facilita a entrada das novelas mexicanas mundo afora é a temática: são mais conservadores. Além disso, o espanhol é a língua universal da telenovela, e, acima de tudo, questões estratégicas. A Televisa tem uma emissora (Univision) em Miami, que é o pólo de distribuição mundial da telenovela. Pela proximidade entre México e Estados Unidos, é mais fácil atingir ao gigantesco público hispânico dos EUA. Compreendo que qualquer emissora que queira ampliar-se na produção de novelas deva ter uma filial em Miami.

O que chamou atenção no evento, em relação a produções de outros países?

A França, que até então era refratária ao gênero (apesar da novela Baila Comigo já ter sido muito bem recebida em 1984) , já está se organizando para produzir novelas. Outra surpresa são as novelas da Coréia do Sul, que estão entrando com muita força no mercado internacional.’

 

TELEVISÃO
Etienne Jacintho

Séries são tapa-buracos no SBT

‘Sei que esse é um assunto batido, mas não há como conter a indignação frente ao que Silvio Santos faz com as boas séries que o SBT possui. A excelente The Closer, que ganhou o nome de Divisão Criminal é exibida às 3 horas da manhã de terça-feira. Que horário é esse? Isso porque a Record com CSI Miami – não tão boa como The Closer – bateu recentemente a Globo em audiência. Acorda, Silvio!

O SBT tem ainda na grade a ótima Veronica Mars – que amealhou uma legião de fãs jovens -, só que exibe a atração à 1h20, horário em que também vão ao ar duas fortes séries: The West Wing – Nos Bastidores do Poder e Medium, sob o título de A Paranormal. O pior foi o que Silvio fez com as pobres Gilmore Girls. Lorelai e Rory entram em cena somente às 4h45 da manhã e com o codinome de Tal mãe, tal filha! Não dá para agüentar tamanha injustiça com essas garotas incríveis!

A sexta-feira no canal é um crime. De 1h05 até as 5 horas vão ao ar as maravilhosas Nip/Tuck (Estética), A Sete Palmos e Carnivale! Dá para acreditar?

Devo admitir que o único acerto do SBT é a divertida My Wife and Kids, que ganhou o melhor nome para séries de todos os tempos: Eu, a Patroa e as Crianças! Essa criatividade do Homem do Baú bem poderia funcionar para melhorar essa grade absurda, que renega essas séries bacanérrimas a meros tapa-buracos na madrugada.

Até mesmo a Globo, com o péssimo esquema de exibição de séries como Lost e 24 Horas, consegue ser melhor do que o SBT. Certa mesmo está a Record, que sempre consegue 8, 10, 12 pontos de média no ibope com a exibição exemplar desse tipo de atração.’

 

Keila Jimenez

A Record pega na mentira

‘Apresentadores com figurino de cerimônia do Oscar, trilha sonora à la Rambo, perguntas com pinta de Show do Milhão e quem leva a melhor é… o maior mentiroso.

Em O Jogador, game show que estréia na terça, às 23h, na Record, o que vale mesmo é o blefe. Seis competidores disputam o prêmio de R$ 50 mil por programa em cinco rodadas de perguntas e respostas. Ao final de cada rodada, os jogadores devem optar por continuar ou não no jogo após uma contagem de 10 segundos. Quem apertar o botão, deixa a competição com o valor acumulado com cada resposta certa. Caso nenhum jogador decida abandonar a partida, o participante com menos pontos sai – sem nada.

E onde está a mentira nessa história? Antes do início do jogo, cada participante se apresenta usando algumas informações verdadeiras e outras falsas sobre si. No decorrer do game, os concorrentes têm acesso somente à sua pontuação e não sabem quem realmente está na frente. O que gera confusão na hora de decidir se ficam ou não na disputa.

‘Na hora da desistência, pode ser que alguém que tenha boa pontuação saia, pelo medo de ser o pior, só para poder levar o que já ganhou em dinheiro’, fala Brito Jr., que comanda a atração ao lado de Ana Hickmann. ‘Além dos apresentadores, o público em casa sabe quem está ganhando de fato’, continua. ‘Nós faremos uma verdadeira guerra de nervos antes da hora da desistência.’

Com formato comprado da Fremantle, a mesma de O Aprendiz, O Jogador foi sucesso em países como Rússia e Inglaterra. A Record espera manter com a novidade a mesma média de Simple Life no horário, 13 pontos.’

 

Justus é o mesmo, mas o topete…

‘Ele quer demitir mais gente. Roberto Justus abriu semana passada a temporada de inscrições para a quinta edição de O Aprendiz – O Sócio, da Record.

O empresário/apresentador, que prometeu que a quarta seria a última fornada do reality, voltou atrás – como sempre, e topou fazer uma nova temporada do programa, com estréia prevista para maio de 2008.

‘Nunca mais digo que acabou’, fala Justus, rindo.’ Voltei atrás na minha decisão porque percebi que havia demanda por mais um programa.’

PLÁSTICA

Em O Aprendiz 5 nada é muito novo – além do topete de Justus, repaginado pela mulher, Ticiane, e estrategicamente alardeado pelo publicitário.

‘Agora não sou mais o Tompete Justus (sátira dele feita por Tom Cavalcante). Penteei tudo para trás e todos acharam que fiquei mais jovem, que fiz plástica’, conta. ‘Mas essa não é notícia, hein? Estamos falando do Aprendiz.’

Voltando ao programa, o formato do Aprendiz 5 é semelhante ao da edição anterior, em que o vencedor será sócio de Justus, só que em um negócio liderado por ele. Dessa vez, os candidatos não serão avaliados por seus projetos mirabolantes, como aconteceu na quarta edição.

‘A novidade é o prêmio, o maior da televisão brasileira: R$ 2 milhões’, fala Justus, em ataque direto da Record (inclusive nas chamadas do programa) ao prêmio de R$ 1 milhão do Big Brother Brasil 8, da Globo.

‘Desses R$ 2 milhões, R$ 1 milhão será a parte da sociedade, o outro milhão o participante colocará no bolso’, explica o empresário.

Para se livrar da tarefa de escolher os 16 ( talvez 18) candidatos do programa, Justus contará com a ajuda do Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) no processo de seleção. As inscrições podem ser realizadas no site: www.rederecord.com.br/aprendiz5osocio.

‘No programa passado avaliei 28 mil projetos, foi uma loucura’, conta o apresentador. ‘Dessa vez, o Sebrae fará uma peneira dos candidatos no País inteiro. Mas participarei ativamente também. Não adianta eles selecionarem gente capacitada, que não funciona na TV. Tem de ser comunicativo também.’

A expectativa de faturamento comercial para esta quinta edição é de R$ 115 milhões. As gravações começam no início de fevereiro.’

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Clique nos links abaixo para acessar os textos do final de semana selecionados para a seção Entre Aspas.

Folha de S. Paulo – 1

Folha de S. Paulo – 2

O Estado de S. Paulo – 1

O Estado de S. Paulo – 2

Agência Carta Maior

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Terra Magazine

Carta Capital

James Akel – blog