Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

O jornalismo-piada que ri da desgraça alheia

A TV paraibana nunca foi tão ridicularizada. As mortes transmitidas das 12 às 13h, que já eram prato principal dos almoços de muitos paraibanos “vidrados” no Correio Verdade, agora estão do jeito que o jornalismo imprudente sempre sonhou: as pessoas riem da desgraça alheia e a bandidagem ainda vira melô, hit musical…

Pois é, as novas celebridades do jornalismo local não são reconhecidos por seu trabalho sério e competente em informar. Não são vistos pelo Brasil como repórteres que elevam a Paraíba. São reconhecidos em toda parte, mas, como o próprio Portal Correio anunciou em 2010, “agora, toda a Paraíba vai ver e conhecer a força, a alegria e a irreverência de Samuca Duarte e Emerson Machado”. É mesmo uma pena que estivessem falando de um programa policial.

Sucesso no YouTube, Orkut e afins, a “dança do mofi” é unanimidade: agrada tanto aos cidadãos de bem quanto aos bandidos. As crianças, incentivadas até mesmo pelos pais, colocam a camisa na cabeça e com os braços para trás dançam e aumentam a popularidade do jornalismo que todas as tardes ri da falta de consciência de uma população que, já acostumada com a impunidade, resolveu aceitar que virasse piada. Tratados como “amigos” (já que são a audiência), os criminosos até gostam das brincadeiras – afinal de contas, nem é assim tão grave o que eles fazem.

Merecemos mais respeito

Para mim, parecia que já tinham usado e abusado de todas as armas do sensacionalismo, mas mostraram que não: no dia 31 de março, o telejornal foi transmitido em pleno Mercado Público de Mangabeira e, é claro, com direito a palco e plateia. A cada notícia de mais uma entrada no Hospital de Emergência e Trauma ou de uma briga em bar que acabava em morte, uma música era tocada pela banda que estava participando da “Caravana da Verdade”. Lágrimas, perdas e outras tristezas que merecem respeito (seja por quem for) viraram show. Um show desejado e aclamado por muitos telespectadores. Ah, a ideia contraditória e doentia da contratação da banda foi anunciada no próprio Portal Correio, com as seguintes palavras: “A banda Identidade Baiana realizará um show para animar ainda mais o evento, das 11h às 14h.”

Samuka Duarte, Emerson Machado (Mô-fi), Marcos Antonio (O Águia), Josenildo Gonçalves (O Cancão da Madrugada) e toda a equipe de edição do Correio Verdade consegue, dia após dia, tornar animadas as refeições de paraibanos que não se importam em almoçar em frente às cenas de corpos perfurados e poças de sangue humano. Creio que não conseguem, com a mesma eficácia, tornar menos dolorosa a sina de uma mãe que sente a dor de ter um filho que agora é presidiário, de parentes de uma criança que morreu acidentalmente ou de um pai que vê seu filho destruído pelas drogas, morto e servindo de audiência para um programa de humor chamado Correio Verdade.

Não sou jornalista. Sou nutricionista, mas, antes disso, cidadã. Incomodada com o desprezo explícito pela vida humana, senti a obrigação de pedir a todos os meus contatos que repensem seus valores de respeito e dignidade à vida sempre que pensem em assistir a esse e outros programas que indiquem sinais tão fortes de insulto a nós, telespectadores. Insulto à nossa capacidade e direito de exigir jornalismo de qualidade em palavras e atitudes. Quanto mais as pessoas se conscientizarem dos “pequenos” males que nos envolvem com graça e alguns risos com gosto de sangue, mais chance teremos de exercer e usufruir daquilo que chamamos de cidadania. Merecemos mais respeito.

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Nutricionista, Campina Grande, PB