Tuesday, 23 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

O poder de imposição e a chance de recusa

A discussão é antiga. Mostrar ou não mostrar cenas explicitamente violentas em telejornais é tema de debates calorosos e de análises sobre ética em jornalismo. Pelo menos desde 1987, quando um dos fatos mais impressionantes que já vi chocou o mundo diante das telas. Era o suicídio do então secretário da Fazenda da Pensilvânia, Budd Dwyer, de 47 anos. Redes de televisão de todos os continentes devem ter entrado no mesmo dilema: colocar ou não no ar, e como colocar.

No Brasil, a Globo optou por passar a cena no Jornal Nacional do dia 22 de janeiro de 87. Enquanto jantavam, milhares de pessoas assistiram Dwyer retirar sua arma de um envelope de papel e atirar no céu da boca. Mesmo optando por uma edição da imagem – que foi paralisada logo após o disparo, deixando somente o som – a Globo recebeu críticas do país inteiro por invadir suas casas em momento tão familiar com uma cena desse conteúdo.

A imagem estava lá. Todas as televisões do mundo dariam a tal história do político americano suicida. O dilema de levar ou não ao ar, no entanto, deve ter persistido até uma palavra final do editor-chefe. Mas o que foi levado em consideração na decisão da emissora? O interesse do espectador? Sua curiosidade? Ou o medo de tirar de pauta o assunto que todos os outros telejornais dariam?

A dúvida ainda é recorrente e volta principalmente quando se tem episódios de guerra, rebeliões em presídios e até mesmo as fotos de tortura na prisão iraquiana de Abu Ghraib, que há meses circulam pela internet e nos principais veículos de comunicação. Os motivos pelos quais devem ser expostas entram então em confronto com a ética exigida dos emissores de qualquer mensagem.

A cada receptor a escolha

Escolher as fotos ‘menos ofensivas’ talvez seja a opção preferida pelos telejornais, que decidiram preservar o público de imagens bem mais explícitas, disponíveis em vários sites da internet. A mesma discussão pode ser iniciada quando o assunto é a decapitação de reféns por grupos fundamentalistas islâmicos, geralmente realizada em frente a uma câmera de TV. A imagem existe e é forte, mas talvez não seja conveniente mostrar.

Muitos, no entanto, questionam o porquê de evitar que tais imagens sejam divulgadas na televisão, já que na internet elas circulam livremente. A resposta está no poder de decisão do receptor diante dos dois meios de comunicação. Para acessar o conteúdo na rede o usuário deve buscar, procurar os endereços certos, ir adiante se o caminho for cheio de links.

Já o espectador, na maioria das vezes, é pego de surpresa e não tem tempo sequer de recusar as imagens. A cena de violência pode vir logo depois de uma imagem de uma sessão no Congresso ou de uma matéria sobre novos acordos na União Européia. O receptor, então, não está previamente preparado e acaba ‘refém’ de tudo o que os editores acharem conveniente mostrar.

O cuidado na hora da pauta e da edição então é fundamental, assim como a presença de uma equipe que decidirá se entra ou não uma matéria mais complicada. O público não gosta de ser agredido com o que não quer ver. E os canais abertos têm de ter essa consciência. É o limite entre a notícia e o sensacionalismo, entre a informação e o mau gosto. Com a facilidade de acesso que se tem a esse tipo de material hoje, talvez seja melhor deixar a cargo de cada receptor a escolha de ver ou não imagem e não arriscar a credibilidade de um telejornal pelo simples fato de ser uma imagem ‘chocante’. O bom senso agradece.

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Estudante da Faculdade de Comunicação da UnB