Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

O triunfo da infantilização

Os péssimos números de audiência de “Babilônia”, além de provocarem pânico na Globo, tiveram o efeito de chamar a atenção, involuntariamente, para uma outra novela, “Alto Astral”, exibida no horário das 19h30.

Primeiro texto assinado por Daniel Ortiz, a comédia com temática espírita tem registrado números mais altos no Ibope do que o drama pesado, com ambição de crítica de costumes e social, de Gilberto Braga, Ricardo Linhares e João Ximenes Braga.

A derrota do produto mais importante da Globo para outros programas da casa é um fenômeno raro, mas não inédito. Neste caso, me chama a atenção que o fracasso de “Babilônia” ocorra diante de uma das novelas mais infantis exibidas nos últimos tempos.

Anunciada pelo diretor Jorge Fernando como “um produto de verão”, “Alto Astral” estreou em novembro de 2014. Diferentemente de outras tramas que trataram do espiritismo, como a celebrada “A Viagem” (1994), de Ivani Ribeiro, a novela adotou um ponto de vista humorístico.

À moda de Hollywood, os espíritos do folhetim de Ortiz (seis no total) conversam e brigam entre si, atravessam paredes e atrapalham a vida dos seres deste mundo. Não menos importante, eles interagem com alguns personagens que, sendo “médiuns”, são capazes de vê-los ou ouvi-los.

Dois sintomas

O centro da trama é uma disputa entre dois irmãos médicos, ambos adotados, filhos da família proprietária do principal hospital da fictícia Nova Alvorada. Caíque (Sergio Guizé), o médico bom, é médium e faz cirurgias espirituais em pacientes humildes. Marcos (Thiago Lacerda), o vilão, faz de tudo para prejudicar a vida do irmão e roubar o coração da mocinha, Laura (Nathalia Dill), naturalmente apaixonada por Caíque.

Argumento, roteiro, direção e interpretação canhestra enfatizam, a todo o momento, que se trata de uma história bobinha –puro entretenimento, absolutamente descartável.

A trajetória de uma das principais personagens ilustra bem o triunfo da infantilização em “Alto Astral”. Samantha, dita “A Paranormal”, foi apresentada como uma vilã típica, a vidente picareta, mas à medida que a novela avançava foi se tornando uma personagem exclusivamente cômica.

Em entrevista a Giselle de Almeida, do UOL, Claudia Raia fez uma interessante análise sobre a trajetória da personagem: “No começo era bem definida como vilã, mas não foi assim que o público viu. No primeiro grupo de discussão não lembraram que ela queria matar a mãe pra ficar com a herança dela, não é isso que fica para o público.”

Praticamente uma personagem de “Zorra Total”, caricata até não poder mais, a Samantha de Claudia Raia é vista pela própria atriz como um trabalho bem-sucedido.

“Recebemos crítica de um único jornal, dentro de tantos outros elogios que a gente está recebendo. Mas não quero saber disso, só do que gera no público, se ele gosta dessa nossa construção. Porque eu não estou fazendo sozinha: o autor escreveu, o diretor dirigiu e eu fiz. Funcionou horrores, e a Samantha é um sucesso.”

O sucesso de “Alto Astral” e este fracasso inicial de “Babilônia” podem ser sintomas de um mesmo fenômeno, ou problema, dependendo do ponto de vista.

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Mauricio Stycer, da Folha de S.Paulo