Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

O direito de acesso gratuito pelos partidos políticos

A Constituição do Brasil de 1988 consagra o direito de acesso gratuito ao rádio e à televisão, conforme disposição legal estabelecida pela Lei nº 9.096/974. Além disso, a Lei nº 9.504/97 disciplina a propaganda eleitoral no rádio e na televisão, assim como o horário eleitoral ‘gratuito’, sendo proibida, no entanto, a propaganda paga. Ressalte-se que o horário partidário e eleitoral não é ‘gratuito’; ao contrário, ele é pago pelos contribuintes, mediante a compensação fiscal assegurada às emissoras privadas de rádio e televisão.

Por sua vez, o Decreto-Lei nº 236/67 garante aos partidos políticos nacionais a participação em sociedade que possua estação de radiodifusão. Apesar desse dispositivo, na prática, os partidos políticos limitam-se à utilização do acesso gratuito às redes nacionais de televisão, seja para fins de propaganda partidária, seja para a propaganda eleitoral. Em outras palavras, eles não são proprietários de estações de televisão por radiodifusão.

Ocorre que, devido à aplicação da tecnologia digital ao sistema de radiodifusão, torna-se possível a criação e a ampliação de novos canais de televisão. Com a nova técnica digital, há a otimização do espaço eletromagnético e a abertura de novos espaços comunicativos, rompendo-se com o paradigma tradicional analógico caracterizado pela escassez de freqüências. Em razão dessa nova realidade, é possível a criação de um novo canal de televisão especializado em comunicação política de responsabilidade dos partidos políticos para a divulgação de seus respectivos projetos (se por acaso, evidentemente, os possuírem). É uma discussão de temas de relevante interesse público.

Sem opção

Ora, os partidos políticos são, do ponto de vista institucional, agremiações de cidadãos cuja finalidade primária é servir ao regime democrático, mediante a conquista do poder para fins de realização do interesse público, como também a promoção dos direitos fundamentais, com a implementação de um programa de governo e políticas públicas. Eles são o elo de realização da democracia representativa. Portanto, é perfeitamente legítimo que os partidos possuam um canal próprio de gestão compartilhada entre os mesmos.

Com isso, torna-se possível liberar as emissoras de televisão privadas do horário eleitoral ‘gratuito’, afastando-se a restrição sobre sua programação normal, ainda mais se tratando de horário nobre. Portanto, a medida sugerida de lege ferenda (de lei a ser criada como se diz no jargão jurídico) atende aos interesses dos partidos políticos e ao mesmo tempo os interesses privados e da própria sociedade. Os cidadãos terão a liberdade de escolher a programação de televisão que querem assistir entre os diversos canais, podendo optar entre novelas, futebol, filmes ou assistir a comunicação política de caráter partidário. Hoje, não há muita opção para os cidadãos brasileiros que, ou assistem à propaganda política, ou desligam o aparelho de televisão.

Por outro lado, a referida medida deve ser acompanhada de forte combate à propriedade direta e/ou indireta (mediante a utilização do nome e ação de seus familiares) por políticos de estações de televisão. Tanto o princípio democrático, quanto o princípio da moralidade administrativa, coíbem a titularidade de emissoras de televisão pelos políticos. Portanto, é fundamental evitar-se a criação de indevidos privilégios com a utilização de um bem público constituído pelas freqüências em favor de determinados políticos – sejam deputados ou senadores Trata-se de um odioso privilégio criador de um feudo comunicativo em um ambiente democrático que se pretende consolidar no Brasil.

Resgate da dignidade

É preciso, portanto, que o Congresso Nacional dê um passo à frente do modelo tradicional de direito de antena dos partidos políticos, de modo a superá-lo. O acesso gratuito dos partidos políticos ao serviço de televisão por radiodifusão em um novo ambiente tecnológico deve servir à dignidade da política, cujo significado maior, segundo as lições de Hannah Arendt, é busca do entendimento recíproco, mediante o diálogo dentro da classe política e desta com a sociedade, para fins de uma ação conjunta em favor do bem comum. Nesse sentido, a criação de um canal de televisão destinado aos partidos políticos ou a ampliação do acesso gratuito à televisão deve respeitar o pluralismo político, servindo aos partidos políticos da situação, bem como aos partidos da oposição.

No Brasil, o resgate da dignidade da política cabe, obviamente, não só à classe política, mas também à sociedade brasileira. Só assim é possível pensar e realizar o desenvolvimento econômico-social, conforme o quadro constitucional de direitos fundamentais em nosso país, democratizando-se a comunicação social brasileira.

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Advogado, doutor em Direito pela USP, Joinville, SC