Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Papai, compre uma arma

O que me motivou a escrever este artigo aconteceu em algum momento da exibição novela Senhora do destino do sábado 27 de novembro. O local, alguma rua movimentada de uma grande capital do Brasil, acredito ter sido filmada no Rio de Janeiro. Não acompanho novelas, mas neste sábado estava em casa. Os atores envolvidos nesta cena, uma verdadeira constelação. Os mais famosos eram José Wilker, Glória Menezes, Raul Cortez e Wolf Maia. Não fazia parte de nenhuma campanha publicitária e, sim, o que deveria ser uma simples cena de novela.

A atriz Glória Menezes transita numa movimentada rua usando brincos, colar e pulseira, que de acordo com o enredo eram de esmeraldas. A protagonista, num certo ponto, passa a ser seguida por três supostos assaltantes. Quando os três jovens estão na iminência de executar o assalto, surge José Wilker acompanhado de três capangas, num carro com sirene e luz de âmbar, todos de armas na mão, rendendo os supostos meliantes. Rendidos, os supostos criminosos, todos negros, são espancados pelos capangas e ouvem do personagem encenado por José Wilker ordens para que seus ‘funcionários’ os joguem no canal, como se fossem dejetos.

A cena continha dois aspectos que julgo importante destacar e contra os quais precisamos nos posicionar, para que sejam eliminados dos roteiros das novelas, pois fazer apologia do crime é inaceitável. Em primeiro lugar, bandidos saírem por aí usando em seus carros recursos que somente a polícia pode ter já é um péssimo exemplo. Demonstra a quem assiste que a justiça é feita mais rapidamente quando executada com truculência e coação. Um verdadeiro incentivo ao ‘olho por olho dente por dente’, a glorificação do banditismo, como se existissem bandidos ‘do bem’.

Bandidos-heróis

Segundo, a ordem dada aos capangas insinua que o extermínio pelo rito sumário é a solução. Um merchandising de que bandido bom é bandido morto e que neste ‘país das novelas’ não existem instituições legais constituídas, tudo se resolve na bala, e o poder paralelo e marginal detém o domínio pleno e absoluto.

As indagações vão surgindo e me sinto na obrigação de partilhá-las. A quem interessa mostrar bandidos como heróis? Em plena campanha do desarmamento, com a polícia pagando por cada arma recolhida, deixar personagens sacarem armas na cara dos telespectadores não seria um incentivo? Uma contradição? Esta é a sociedade que pretendemos? A justiça que tanto buscamos através da confirmação de nossa cidadania deve ser executada desta forma? E os meus filhos? E os seus filhos? E os nossos filhos?

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Estudante de Jornalismo, Bahia