Tuesday, 23 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Parlamentar estadunidense ameaça Telesul

O Congresso dos Estados Unidos foi palco estes dias de mais uma comprovação concreta de arrogância e de como está arraigada entre os parlamentares estadunidenses a mentalidade de ingerência em assuntos internos de países soberanos, para não falar da truculência de quem se arvora a ser polícia do mundo. O senador Connie Mack, do Comitê de Relações Internacionais do Congresso, além de fazer duras críticas ao governo venezuelano, mostrou-se indignado pelo acordo operacional entre a Telesul e a TV árabe al-Jazira. E foi mais adiante, chegando a considerar que a emissora interestatal latino-americana fez um acordo de ‘televisão global para os terroristas e outros inimigos da liberdade’.

O parlamentar, eleito na Flórida pelo Partido Republicano, não ficou só nisso, pregando inclusive a criação pelo governo dos Estados Unidos de rádios e televisões para transmitir propaganda contrária ao regime democrático da Venezuela. Se a medida for aprovada, o que não será nenhuma surpresa nestes tempos de fundamentalismo na Casa Branca, significará uma repetição do que acontece na Flórida, onde antenas de rádio e TV estão voltadas para Cuba, destinadas à transmissão diária de propaganda contra o regime vigente na ilha caribenha. Tal fato entra em choque com a legislação internacional que regula a matéria de radiodifusão. Os sucessivos governos dos Estados Unidos, democratas ou republicanos, simplesmente ignoram que subvertem a lei.

No caso das críticas à Telesul, o parlamentar Connie Mack está na prática se indispondo também contra os governos do Uruguai, da Argentina e de Cuba, que participam do projeto midiático latino-americano. Mas Mack preferiu apenas seguir o que está na moda em Washington, ou seja, voltar-se contra o governo do presidente Hugo Chávez, inclusive misturando alhos com bugalhos.

Olhar latino-americano

A Agência Bolivariana de Notícias observou que a declaração dessa natureza ‘representa uma ameaça velada de ataque aéreo à sede principal da Telesul em Caracas, semelhante ao bombardeio que o presidente George W. Bush anunciou contra a sede principal da al-Jazira em Doha, capital do Catar, em sua reunião de 16/4/2004 com o premier Tony Blair, que o dissuadiu da idéia’. Vale lembrar também que não é de hoje o ódio às emissoras que divulgam informações não-desejadas pelo Departamento de Estado norte-americano e chega inclusive a resultar em bombardeios a alvos de sedes jornalísticas. Foi assim na Iugoslávia, em 1999, quando mísseis ‘inteligentes’ silenciaram a TV Sérvia, em Belgrado. Foi assim em Bagdá e Cabul, quando os tais mísseis ‘inteligentes’ bombardearam as sedes das sucursais da al-Jazira, provocando mortos e feridos de profissionais de imprensa.

É lamentável que a potência hegemônica que se arvora no direito de propagar a ‘democracia no mundo’ não aceite a existência de emissoras regidas por fontes independentes, como a Telesul e a al-Jazira. Ou seja, os Estados Unidos não aceitam o contraponto. Será isso a liberdade de expressão que volta e meia os senhores barões da mídia apregoam?

Mais lamentável ainda é que organizações que se pretendem defensoras dos direitos humanos e liberdade de expressão, como Repórteres Sem Fronteira, silenciam diante de ameaças concretas à liberdade de expressão, como as representadas pelo parlamentar Connie Mack.

O episódio em questão vale uma reflexão, a de como nos dias atuais é importante o funcionamento de emissoras independentes e, como no caso da Telesul, com um olhar latino-americano fugindo aos esquemas tradicionais que remetem ao pensamento único.

Outro parâmetro?

Falando em pensamento único, o Jornal da Globo, o que vai ao ar de madrugada, depois do JK da Globo, mostrou-se indignado com a expulsão do adido militar de Washington pelo governo da Venezuela. Imediatamente os âncoras acionaram o correspondente nos Estados Unidos para reproduzir a versão estadunidense do fato, tendo o repórter se limitado a insinuar que a expulsão era arbitrária etc., como afirmara pouco antes o secretário de Defesa, Donald Rumsfeld. Em represália, o Departamento de Estado norte-americano expulsou a ministra-conselheira da embaixada da Venezuela em Washington, Jenny Figueiredo Frias. O governo da Venezuela não foi ouvido. É isso que consideram jornalismo imparcial?

Caracas sustenta que o capitão estadunidense John Correa fazia espionagem e intervenção na Armada venezuelana, em especial nas operações de lançamento de mísseis realizadas pela Marinha. Ao anunciar a expulsão, o presidente Hugo Chávez avisou que se o militar estadunidense fosse visto andando pelas ruas as autoridades policiais e militares teriam ordem de detê-lo e entregá-lo à embaixada dos EUA para ser posto fora do país

Por que então não detalhar os dois lados para que o telespectador forme opinião sobre a matéria? Ou será que o conceito de imparcialidade da Globo é de outro parâmetro?

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Jornalista