Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Paulo Machado

‘A leitora Ana Luiza de Oliveira Lima escreveu para esta Ouvidoria pedindo correções na matéria Câmara adia votação de emendas à MP que regulamenta o Fundeb, publicada pela Agência Brasil no dia 24 de maio.

Segundo ela, havia erros de informação na matéria. A Ouvidoria fez uma pesquisa e constatou que a leitora estava certa em suas observações e a Agência, após apuração, também concordou, publicando as devidas correções no dia 30 de maio. Publicar um ‘erramos’ é sem dúvida um primeiro e importante passo em respeito ao direito à informação de qualidade, mas não encerra o assunto. Esse fato pode vir a produzir efeitos duradouros e consistentes em termos de procedimentos editoriais para que erros não se repitam. Bom mesmo, é não errar.

Apesar de a leitora ter chamado a atenção apenas para os erros de informação e de interpretação contidos na matéria citada, a linguagem e o tipo de abordagem utilizada na cobertura sobre o assunto também merecem ser observados pela Agência.

Entre 29 de abril e 29 de maio, foram publicadas 11 matérias tratando das discussões na Câmara e no Senado sobre a regulamentação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb). E o principal problema dessas matérias é justamente esse. O foco delas está na tramitação das medidas legais e nos debates dos congressistas sobre seus detalhes. Mas será que só isso é notícia para o cidadão? Ou será que a política pública do governo para o setor de educação e seu impacto na qualidade do ensino público oferecido ao povo brasileiro também não merecem uma cobertura adequada?

O que está em jogo nessas discussões é o montante de dinheiro para financiamento da educação em todos os níveis de ensino, da creche (ensino infantil) ao ensino médio, qualidade do ensino, piso salarial para os professores, sistemas de avaliação, participação dos poderes públicos, transporte escolar, manutenção das escolas, e por aí vai. Ou seja, o futuro da educação no país.

Mas esse não foi o principal foco das matérias da Agência neste último mês. Por meio delas, o cidadão não consegue se identificar ou ver seus interesses imediatos contemplados.

Onde está a discussão sobre a oportunidade de filhos poderem ou não freqüentar uma creche pública? Ou o debate sobre se o município terá ou não dinheiro para pagar dignamente os professores? Afinal, a criança que mora na zona rural vai ter direito ou não ao transporte escolar público e gratuito para conseguir chegar à escola? São essas questões que as matérias precisam abordar antes de descrever os meandros das disputas dos parlamentares na tramitação das propostas, projetos e emendas a projetos nos labirintos jurídicos e regimentais do Congresso Nacional. O cidadão precisa saber que ali se discute o futuro da educação de seu filho. Essa deve ser a abordagem do jornalismo com foco no cidadão praticado pela Radiobrás.

Dois fatores podem contribuir para a inclusão da cidadania nessas discussões e tornar o tema menos árido para o usuário.

Um deles é sem dúvida a linguagem com que se encaminha o debate, o outro é a maneira de abordar o próprio conteúdo do que se debate. Se a forma não facilita o entendimento do conteúdo, está colocada aí a primeira, e quase intransponível, barreira.

A segunda barreira se estabelece à medida que o conteúdo da discussão não se traduz para o cotidiano do cidadão. Aí entra o esforço de contextualização, de explicação, da busca de personagens que vivam os problemas a que as matérias se referem.

A cobertura jornalística que o leitor quer mostra como as decisões dos políticos impactam a vida do cidadão. O que torna ainda mais importante traduzir o debate que está dentro dos muros do Congresso para a sociedade. Isso gera mobilização, conscientização, ampliação da participação e da cidadania.

Dependendo de como as informações são apresentadas, as matérias podem contribuir para uma tomada de posição crítica do cidadão em relação ao que está sendo discutido ou podem simplesmente dizer a ele que não deve e não pode participar dessa discussão. Essas são decisões editoriais que a redação da Agência Brasil pode tomar ao escolher entre um português claro e direto ou um ‘politiquês’, entre uma pauta voltada para os interesses do cidadão ou dos políticos, entre falar do cidadão ou com o cidadão. Expressões como ‘pauta anticorrupção’ e ‘ponderação programada’ são utilizadas como se fizessem parte do linguajar cotidiano das pessoas. Dizer que ‘esse fator equilibra a distribuição’ sem explicar para que serve esse fator de distribuição, ou o que ele distribui na prática, fica completamente sem sentido.

O Manual de Jornalismo da Radiobrás diz que linguagem e conteúdo constituem aspectos inseparáveis do nosso trabalho. Quando um repórter da Radiobrás entrevista uma autoridade ou redige uma reportagem, ele deve procurar a linguagem indicada para que o brasileiro de cultura mediana entenda tudo com facilidade. O repórter precisa se perguntar também: de que modo o que está sendo noticiado vai gerar mudanças na vida do cidadão? Assim ele conseguirá ser mais esclarecedor.

Até a próxima semana.’