Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Pesquisa condena novelas e talk-shows

Pesquisa do Brooklyn College, da Universidade de Nova York, publicada na edição de março do Southern Medical Journal, promete acirrar o debate sobre o hábito de ver TV. A notícia foi explorada pela revista Câmbio, da Colômbia, na matéria ‘La caja tonta’, expressão depreciativa que rotula a TV (algo como a nossa ‘máquina de fazer doido’). Segundo informou o veículo colombiano, os pesquisadores americanos selecionaram cerca de 285 mulheres, entre 70 e 79 anos, sem qualquer problema de demência, depressão ou coração, e aplicaram ao grupo testes de memória e habilidade mental.

Em seguida, perguntaram a elas que tipo de programa de TV estavam acostumadas a assistir. Os piores resultados foram obtidos pelas anciãs que passavam a maior parte do tempo vendo novelas e talk-shows. O estudo viu uma associação clara entre as preferências das telespectadoras e sua função cerebral. Câmbio afirmou que, comparadas às que preferem os noticiários, as ‘telenoveleiras’ apresentam risco sete vezes maior de incapacitação. Mas esse índice cresce para 13 no caso das senhoras que preferem os talk-shows.

Saúde pública

Para os pesquisadores resta, porém, a dúvida sobre se essas preferências levam ao declínio cognitivo ou se, ao contrário, as mulheres que já estão às portas desse declínio costumam optar por aqueles tipos de programas. Dúvida cruel. De qualquer forma – observou Câmbio –, não se pode afastar a idéia de que esses conteúdos estão associados a hábitos perniciosos, como sedentarismo e demasiada permanência em casa – o que implica menor atividade física e social, por si só posturas que podem conduzir à deterioração mental. A própria opção por esses programas de pouca exigência intelectual já seria ‘um sinal de algo suspeito’, nas palavras de Joshua Fogel, diretor da pesquisa.

Joshua aproveita para alfinetar gente como Oprah Winfrey, a apresentadora do mais famoso talk-show da TV americana. ‘Não significa que Oprah seja um mau negócio; porém, a fixação de uma mulher adulta por esse tipo de programa pode ser um sinal de possível problema’.

Segundo Câmbio, ‘o estudo da Universidade de Nova York é publicado justamente quando existe na comunidade médica grande preocupação com a pouca atenção que se presta ao impacto da TV sobre a saúde pública’. Abrimos aqui um parêntese: este é um debate praticamente inexistente na sociedade brasileira. Vozes isoladas se erguem aqui e ali, sem repercussão. Convém lembrar da recente polêmica envolvendo o acadêmico Laurindo Leal Filho, da USP, e o editor da TV Globo William Bonner. O debate espalhou chispas para todos os lados, provocando defesa acalorada dos críticos e dos defensores da mumificação do telespectador pelo padrão Homer Simpson.

Intelecto passivo

Seja como for, ‘afora a forte evidência que demonstra que uma maior quantidade de horas em frente à TV conduz à obesidade, o novo estudo entra no território recém-explorado do seu impacto sobre a função cerebral’.

De toda sorte, estudos realizados em outros centros acadêmicos evidenciam que a escassa atividade mental conduz a uma deterioração cognitiva mais rápida. Na Universidade de Gales, no Reino Unido, pesquisa feita a partir das histórias de vida de 29 mil pacientes mostrou que fatores como nível educacional maior, trabalho e estilo de vida saudável previnem em 46% as demências associadas à idade, uma vez que aumenta a ‘reserva cognitiva’.

Para o neurologista e professor da Universidade de Antioquia Luis Alfredo Villa, ‘a televisão produz um intelecto passivo e reduz a criatividade no aprendizado’. O raciocínio de Alfredo Villa é claro: o que não é exercitado não pode se desenvolver, o que vale tanto para o cérebro quanto para uma perna. ‘Temos cerca de 100 milhões de neurônios, dos quais usamos aproximadamente uns 20%’, disse à revista Câmbio. ‘Se não ativarmos certas zonas cerebrais, logicamente essas zonas não vão se desenvolver no cérebro, e, ao cabo dos anos, vão se atrofiar.’

Conexões

Ele contribui para o debate ao reconhecer, contudo, que não podemos meter no mesmo saco todos os programas da TV. No caso das crianças, especificamente, a TV contribui para o desenvolvimento das capacidades da linguagem. Logo as crianças, as principais vítimas da ‘babá eletrônica’? Durma-se com um barulho desses. A idéia de Villa, portanto, não é jogar fora o controle remoto, pois há programas que estimulam a atividade mental e ajudam as pessoas a trabalhar o próprio estresse.

Para a analista de TV Camila González Fonnegra, ouvida por Câmbio, o xis da questão está no conteúdo oferecido pelas emissoras: ‘Se nos dão lixo, consumimos lixo. Por isso, pelo menos no caso colombiano, o lamentável é a pobreza intelectual do que nos dão para comer os canais nacionais, que a cada dia perdem mais em criatividade’.

Durante anos acreditou-se que a perda de neurônios era decorrência natural da idade. Mas, segundo a matéria de Câmbio, pesquisas com animais têm mostrado que ‘não se perdem tantas células cerebrais’. Quase tão importante quanto preservar os níveis dessas células é cuidar para que as conexões entre elas se conservem. A conclusão é que quem mantiver tarefas que estimulem a mente terá menos riscos de sofrer com a perda da capacidade intelectual, com o avançar da idade. E o caminho para tal não é, certamente, o da dependência de novelas ou talk shows.

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Jornalista, editor do Balaio de Notícias