‘Uma grande ousadia.’ Era assim que muitos profissionais de comunicação definiam o Jornal do Almoço, ao ser lançado em 6 de março de 1972, pela então TV Gaúcha, canal 12, de Porto Alegre. Pioneiro no Brasil nesse horário, o Jornal do Almoço é a atração mais antiga da atual RBS TV e há 35 anos mantém-se no ar, aliando jornalismo e entretenimento.
Na época da estréia, poucas pessoas acreditavam no seu êxito, uma vez que o meio-dia era o horário nobre do rádio, sendo o programa considerado uma grande ousadia devido às poucas chances de atrair patrocinadores. Mas o Jornal do Almoço fez tanto sucesso que acabou servindo de modelo para, mais tarde, a Rede Globo implantar, em suas diversas afiliadas, o Praça TV – 1ª Edição.
Criado por Clóvis Prates, um mineiro que se mudou para Porto Alegre, inicialmente o Jornal do Almoço possuía duas horas de duração e estava voltado principalmente para o público feminino. Nos primeiros anos todo o espaço era realizado ao vivo, inclusive os comerciais, o que reforçava a necessidade de improviso, uma característica da televisão do passado. Na inexistência do videoteipe portátil, era preciso levar tudo para dentro do estúdio, como cozinha, orquestra, desfile de moda e trechos de peças de teatro, diferentemente de hoje, em que o telejornal, apesar de ainda ser transmitido ao vivo, conta com uma série de reportagens gravadas.
Abertura política e mudanças
As transmissões ao vivo também eram um campo propício para que ocorressem diversas gafes, tanto dos apresentadores, quanto dos comentaristas. Além isso, era preciso driblar a ditadura militar e qualquer assunto ou palavra considerada contra a moral nacional já era motivo para seus profissionais serem chamados a prestar depoimento junto à Polícia Federal.
Os quadros eram individuais e independentes, abrindo e fechando com vinhetas. Um dos traços do Jornal do Almoço sobrevivente até hoje, talvez em menor intensidade, é o clima de bate-papo informal – o que, de certa forma, contribui para a construção de uma proximidade com o público, diferentemente de outros telejornais da própria RBS TV (e da regra dos demais canais).
As entrevistas sempre foram uma alternativa para preencher as duas horas de duração do programa e vencer as limitações técnicas existentes na época. Um carro-chefe era o quadro ‘Variedades’, denominado inicialmente ‘Sala de Visitas’, que abordava temáticas relacionadas ao universo da mulher, com assuntos ligados à família, educação, lazer, moda e beleza.
Iniciada a abertura política e cultural, no final dos anos 1970 o programa teve que se readaptar a um telespectador mais exigente e o quadro ‘Variedades’ sofreu mudanças, passando a abordar assuntos mais polêmicos, como a condição feminina, homossexualismo, aborto, drogas, educação sexual e divórcio.
Imaginário do gaúcho
A criação da Rede Regional de Notícias, em 1979, significou a integração das emissoras da RBS TV no trabalho jornalístico, repercutindo diretamente no programa. O objetivo era que as emissoras do interior entrassem ao vivo nos programas veiculados pela RBS TV Porto Alegre. Esse fato fez com que o jornal se consolidasse, nos anos 80, como o maior programa televisivo de alcance regional do país.
O projeto de interiorização também marcou o programa em 1988, quando foi gravado o primeiro Jornal do Almoço fora do estúdio, na cidade gaúcha de Erechim. A partir desta iniciativa, a equipe passou a transmitir o telejornal ao vivo de festividades, feiras e aniversários de municípios (de forma imbricada com interesses comerciais). Em 1993 foi realizado o primeiro Jornal do Almoço internacional, em Buenos Aires, coincidindo com a instalação da Diretoria da RBS para o Mercosul na capital argentina, fato inédito na TV brasileira.
Certamente muitos receptores lembram das brincadeiras e extravagâncias que vários profissionais realizavam frente às câmeras, como a expressão ‘por isso eu me rasgo todo’, do colunista social Roberto Gigante, que foi vivenciada literalmente. Outros também devem lembrar com saudades do humor de Carlos Nobre; do espaço sobre música, com Pedro Sirotsky, denominado ‘Transasom’; das dicas sobre a loteria esportiva de Celestino Valenzuela; ou ainda do quadro ‘Comunicação’, com Clóvis Duarte, o qual mostrava os bastidores da televisão, como os erros de gravação, a estrutura dos programas e os preparativos dos apresentadores (um pioneiro do Video Show).
Há quem ainda deve recordar-se dos comentários do saudoso Mendes Ribeiro e da atuação de Tânia Carvalho, primeira apresentadora do Jornal do Almoço, sem esquecer de Célia Ribeiro, Rogério Amaral, Geraldo Canali, Rejane Noschang, Sérgio Stocker, Vera Armando, Cunha Júnior e de outros tantos que deixaram marcas na história do programa.
É impossível traçar-se esta breve reconstituição do programa sem citar a apresentadora Maria do Carmo Bueno, considerada por muitos, até a atualidade, a cara do JA. Se fosse recordada toda a atuação de Paulo Sant’Ana, um ícone do jornalismo esportivo e que permanece na atração, certamente haveria muitas histórias a contar – como, certa vez, em que ele fez seu comentário enrolado na bandeira do Grêmio, quando o time conquistou seu primeiro título brasileiro, em 1981, e, de tanta emoção, passou mal e desmaiou, sendo sua queda acompanhada pela câmera.
O Jornal do Almoço sempre contou com o trabalho de profissionais que, de uma ou de outra forma, integraram e integram o imaginário do gaúcho. Nesse time aparecem nomes como Rosane Marchetti, Cristina Ranzolim, Lasier Martins, Paulo Roberto Falcão, Ana Amélia Lemos, Paulo Britto, Daniela Ungaretti e André Haar, entre tantos outros que atuam frente às câmaras ou nos bastidores e que fazem do Jornal do Almoço um produto do seu tempo (daí tantas mudanças, inclusive quanto à duração, retratando também a maior ou menor abertura de espaço por parte da Globo), com quadros das emissoras do interior do estado e uma edição específica em Santa Catarina.
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Ele, professor no Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação da Unisinos e doutor em Comunicação e Cultura Contemporâneas pela UFBA; ela, jornalista e mestranda em Ciências da Comunicação na Unisinos