Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Programas populares ou popularescos

As grandes emissoras do nosso país preparam para maio uma nova grade de programação. Novos projetos que prometem reconquistar telespectadores que migraram para outras alternativas de entretenimento. Pelo que se fala, grandes mudanças serão percebidas no período da tarde, quando uma nova linguagem será apresentada ao público. Linguagem que, na verdade, nada tem de contemporânea – o que se pretende é resgatar programas populares, talvez popularescos.

No início dos anos 2000, programas policiais e sensacionalistas tornaram-se fenômenos. Como esquecer os discursos nervosos de Ratinho, as pegadinhas e os testes de fidelidade de João Kleber, as narrações de perseguições da PM de São Paulo por Datena ou Marcelo Rezende?

No começo, os altos índices de audiência puderam ser traduzidos em uma só palavra: sucesso. Mas, com o tempo, os exageros começaram a ganhar forma e os anunciantes decidiram investir em programas com melhor ‘qualidade’. Para combater os abusos, a Câmara dos Deputados mobilizou, na época, a ‘Comissão de Direitos Humanos e Minorias’ e criou a campanha ‘Quem Financia a Baixaria é Contra a Cidadania’ (no ranking de 2008 que lista os piores da TV, a partir das denúncias feitas por telespectadores, o Terceiro Tempo, da Band, foi o programa que recebeu o maior número de denúncias, 1.200, seguido do Pânico, da RedeTV!, com 137).

Participação efetiva do telespectador

Apresentadores e diretores declaram em entrevistas que a nova programação tem por objetivo criar intimidade com quem a assistirá. No SBT, por exemplo, Ratinho estará de volta muito mais ‘venenoso, feroz’ [adjetivos usados pela emissora nas chamadas do novo programa]. No entanto, o novo projeto de Carlos Massa é resultado de uma pesquisa que o SBT encomendou a dois importantes institutos de pesquisa: uma ao Ibope; a outra, à Retrato. Ambas apontaram que o público quer ‘Ratinho como advogado do povo’. Especula-se que o programa terá 80% de jornalismo, com noticiário, helicóptero, unidades móveis, material de agência etc. Segundo fontes, será ‘popular, porém decente’.

Outra novidade da emissora de Silvio Santos será Cristina Rocha, que promete surpreender o telespectador. O jeito educado de Regina Volpato no comando do Casos de Família dará espaço a discussões acaloradas, a bate-bocas recheados de insultos.

A Rede TV! já segue uma linha ‘popular’ com o programa da jornalista Sônia Abrão, mas promete intensificar a linguagem nas pautas. A Rede Bandeirantes vai dar um novo cenário a Márcia, que também continuará a dar espaço aos problemas familiares. Já a Rede Record pretende dar um novo programa a Geraldo Luís (apresentador do jornalístico Balanço Geral, de SP). Colunistas de TV afirmam que Geraldo ocupará toda a tarde da emissora com reportagens policiais e inusitadas, quadros de humor e participação efetiva do telespectador.

‘A alma dos vocábulos’

Esta nova grade de programação que teremos a oportunidade de acompanhar a partir da próxima semana não conseguirá trazer em sua essência o espírito popular que deu início a este processo nos anos 2000. Não teremos de volta ‘o povo na TV’, veremos uma busca alucinada por índices de audiência a qualquer preço. Se for preciso dar close em caixão, darão. Se for preciso quebrar mesas, quebrarão. Se for preciso fazer da TV um ringue, farão.

Acredito que o dicionário é o mais sábio dos livros. Já dizia Cecília Meireles que ‘o dicionário responde a todas as curiosidades e tem caminhos para todas as filosofias. Vemos as famílias de palavras longas, acomodadas na sua semelhança, e de repente os vizinhos tão diversos! Nem sempre elegantes e decentes, mas obedecendo à lei das letras, cabalística como a dos números… O dicionário explica a alma dos vocábulos: a sua hereditariedade e as suas mutações. E as suas surpresas de palavras que nunca se tinham visto nem ouvido’.

Por este motivo resolvi recorrer a ele. De acordo com Houaiss, ‘popular’ é o mesmo que aquilo que pertence ao povo, à gente comum, feito pelas pessoas simples (as festas folclóricas por exemplo). Já ‘popularesco’ é aquele que tenta ter caráter popular, que tenta imitar o que é popular (será que nosso povo realmente gosta de brigas, discussões, sensacionalismo?).

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Jornalista, Pindamonhangaba, SP