Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Projeto de compromisso com o futuro

Algumas revelações importantes podem ser tiradas do I Fórum Nacional de TVs Públicas, que o presidente Lula encerrou na sexta-feira (11/5), em Brasília.


A primeira é a irreversibilidade da construção de uma rede nacional de TV ‘pública’ (até prova em contrário) anunciada pelo governo. A segunda é o afastamento do ministro Helio Costa desse processo, entregue à condução do ministro Franklin Martins. Outra é a afinação da própria Secretaria de Comunicação da Presidência com o Ministério da Cultura (MinC), de Gilberto Gil, fato que começou na troca de gentilezas políticas, mas que acabou evoluindo para uma convergência de interesses que, na pior das hipóteses, facilita imensamente o trânsito da idéia junto a uma grande parte dos formadores de opinião do país.


O Fórum não foi originalmente construído para sustentar o projeto do governo. Ele o foi justamente para inserir o MinC no cenário da televisão pública do país. O governo, aliás, nem cogitava reformar a televisão dita pública existente quando o Fórum começou a ser formatado, há cerca de um ano.


Precisão cirúrgica


Na sexta-feira (11/5), o quadro já era muito diferente do que havia até a instalação do segundo mandato do presidente Lula. Gil teve êxito em se transformar num ator relevante no debate sobre a televisão pública no Brasil (que até agora passava ao largo de qualquer ministro da Cultura). Martins pôde avançar no estabelecimento de um cronograma para a construção de sua televisão, pulando com astúcia a etapa da discussão de sua necessidade para estabelecer o fato consumado. Teve também o cacife para abordar com naturalidade questões bastante delicadas, como a fusão da TVE com a Radiobrás para a formação do núcleo em torno do qual a nova televisão seria construída. E Lula, com o jeito de sempre, encontrou espaço para revelar que só vê TV por assinatura para acompanhar os campeonatos europeus (no que faz muito bem) e que o projeto da sua TV pública poderia ser enviado ao Congresso no prazo de duas semanas, seja por projeto de lei ou por medida provisória.


A partir daí só há duas hipóteses: a primeira é de que o governo esteja simplesmente querendo montar uma rede estatal de televisão, bem mais abrangente do que a Radiobrás tem sido capaz de fazer, para fortalecer sua imagem nos próximos três anos e meio de mandato. A segunda é de que haja de fato a disposição para se montar uma rede de televisão pública de verdade no país.


Se esse for o propósito, o projeto deverá ser elaborado com muita rapidez. Precisará sair do papel tão rapidamente quanto vai entrar – e sua implantação terá que se dar com precisão cirúrgica, porque qualquer erro, digamos, na elaboração do seu modelo de gestão será irreparável para sempre.


Delicado e complexo


Que televisão será essa? O presidente diz que deverá ser uma televisão de qualidade. Esse é o tipo de afirmação que não precisa ter medo de rejeição. Ninguém é a favor de televisão ruim, da mesma forma como ninguém é a favor da fome. Fome, todo mundo sabe o que é. Mas qualidade em televisão é matéria controversa.


Há quem acredite, por exemplo, que televisão de qualidade é a que põe no ar sinfonias de Beethoven, aulas de matemática ou folclore da Amazônia. Há também quem pense que boa televisão é a politicamente correta, a ufanista, a que siga a corrente, seja lá que corrente for.


São visões a seu modo defensáveis, mas uma televisão que persiga a excelência não irá muito longe com isso. Por isso, a elaboração da nova TV pública terá que avançar bastante em relação à TV pública hoje existente. Desvincular essa formatação de interesses e de pressões políticas não é fácil – mas se não for para se lançar nessa fogueira é melhor nem começar a fazer a televisão.


A TV pública que está em vias de ser feita, por exemplo, deve ser educativa. Deve educar o cidadão a se reconhecer como tal, a não acreditar no que ouve e vê (nem mesmo na sua televisão), a transgredir, a se revoltar. Deve educá-lo a aceitar o novo, a perceber que, mesmo no âmbito da televisão há muita coisa além do que seus olhos alcançam. Deve educá-lo, enfim, na direção oposta a que a televisão brasileira vem fazendo até agora.


Numa sociedade que é formada em mais de 70% pela televisão aberta – e onde as plataformas digitais vão colocar a rede pública em sinal aberto por todo o país – essa é uma missão delicada e complexa. Uma vez que o governo já colocou a nova TV pública como um fato consumado, no entanto, cabe-lhe a responsabilidade de fazer o que a sociedade espera e a televisão merece – ou arcar no futuro com o ônus de fazer má televisão e má política.

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Jornalista e diretor de TV