Tuesday, 19 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1279

Ratos e homens

Ratos e homens, publicado originalmente em 1937, é um dos mais belos textos de John Steinbeck (1902-1968) – um dos maiores romancistas do século 20 – e até hoje um dos livros mais lidos do autor. Um clássico sobre o doloroso período da Grande Depressão americana. Apesar do nome, entretanto, não possui um caráter literal entre esta pareceria.

Muitos criacionistas abominam a idéia de que se possa ser descendente do reino animal, de símios e de compartilharmos um galho da árvore da vida com estes primatas. Mas parece que encontram na Bíblia uma descendência com ratos. O nosso jornalista Michelson Borges, estudioso da teologia bíblica (visto se negar a estudar outras revelações e inspirações de Deus) se confessa um fundamentalista. Uma pessoa que possui fundamento na Bíblia, nos informa em seu artigo no OI. Assim como existem fundamentalistas do Alcorão, do Torá, do Hinduísmo, Budismo, espiritismo… Cada qual vivendo uma vida por um livro apenas e abjurando os demais modos de ver Deus e os demais seres humanos. Homens de um livro só.

O jornalista Michelson Borges, no seu último artigo para o OI, dando loas para a revista Veja pelo seu artigo sobre a genética e o modo de vida fez esta correlação. Surpreendentemente o nosso jornalista encontrou uma semelhança entre ratos de laboratório que tiveram danos genéticos até a quarta geração com a condenação de Deus dado aos israelitas, seu povo escolhido, um mesmo castigo até a quarta geração.

Crenças irracionais e irreconciliáveis

O geneticista Michael Skinner, da Universidade de Washington, em que ratos foram expostos a um tipo de inseticida. A substância causou a metilação de dois genes relacionados à produção de esperma e os animais passaram a produzi-lo em menor quantidade. A deficiência se perpetuou por quatro gerações (interessante que Êxodo 20:5 menciona Deus ‘visitando a iniquidade’ dos pais nos filhos até a terceira e quarta geração, numa alusão às consequências do pecado; mas abençoando até mil gerações daqueles que seguem Seus preceitos), escreveu o jornalista. Além do elogio ao holocausto que o mesmo faz em seu blog e colocado referência no OI, sobre a necessidade das pessoas obedecerem a Deus e eliminar sem vacilar os pecaminosos e que desacreditam no Deus de Israel, o mesmo possui uma militância importante neste espaço num movimento contra a academia e contra a evolução que é ensinada nas escolas.

O advogado/professor João Alfredo Beltrão Vieira de Melo Filho, de Caruaru, PE, comentarista do meu último artigo, confessa ser religioso e criacionista (pertenço à comunidade do jornalista Michelson Borges e do teólogo Douglas Reis), e que suas crenças não o impedem (aliás, incentivam) de reconhecer, valorizar e promover a liberdade de pensamento, a coexistência entre diferentes e a total separação entre Igreja e Estado. O que é deveras contraditório quando um bando se arvora o direito de determinar o que os especialistas devem encontrar, que resultados achar, que debates devem ser realizados, o que deve ser ensinado as crianças: a sua bíblica como livro verdadeiro e científico. Isto não se configura uma separação do estado das igrejas fundamentalistas.

Complementa educadamente: ‘O seu fervor é admirável. Suas crenças são fortemente arraigadas no cientificismo, uma religião que adora o deus Razão, criada por fanáticos no período do Terror, durante a Revolução Francesa. Dentro do cientificismo existem algumas seitas. A sua provavelmente deve ser a do MULHR (Movimento Utópico do Laicismo Histérico Radical).’ Não é interessante que os criacionistas modernos defendam que sua tese, do desenhista inteligente (imagina se não fosse, existindo tantos erros) e a complexidade irredutível são na verdade uma alternativa científica ao mesmo tempo em que desprezam completamente este método de saber? Que juram que religião é racional e combatem quem diga que não é? Não foi o discurso no OI do O professor e pesquisador em História da Ciência Enézio Eugênio de Almeida Filho, Campinas-SP, que era um ‘pós-darwinista’? Já em 20/12/1998, na matéria ‘Desnudando Darwin: ciência ou ideologia? Ou A relação incestuosa da mídia brasileira com a Nomenklatura científica’, e ‘MÍDIA & CRIACIONISMO O debate científico que ainda não ocorreu’, em 23/2/2009. Defendeu com base no uso da razão e da ciência. Como podem abjurar o que nos pedem que analisemos como tal? Não se pode ter a razão por deus e nem a ciência possui seitas. Isto é apanágio das crenças que, por serem irracionais, não são conciliáveis. Não são verificáveis. Negam-se ser demonstráveis. Não possui pontos em comum. Assim como as visões do papa e dos adventistas são inimigas de morte. Imagine-se com espíritas, islâmicos e judeus… hindus, budistas e umbandistas…

Ou crê, ou morre

Neste aspecto é que se torna importante analisar a ‘comunidade’ anticientífica da qual Michelson Borges e o pastor Dougals Reis, que ensina os genocídios gozosos para crianças de inicio escolar, junto com histórias absurdas sobre a Arca de Noé, estão proliferando no espaço público. Analisar a capacidade destas pessoas para proporem fora da academia que a comunidade fundamentalista cristã se organize para exigir da academia a sua adoção.

Assim devemos ver em que sentido se dá esta militância dentro do estado laico, quais as suas bases, e quais são os seus objetivos deseja levar os nossos jornalistas teólogos cristãos.

Das coisas que ele afirma no seu último artigo prosélito do pensamento de escritora Ellen Gould White, a profetiza do anticristo, que identifica no papa esta figura da Besta, (e na Igreja Católica a sua luta anticristã), compara os homens e os ratos.

Primeiro mostra uma incoerência ao aceitar uma descendência estreita entre estas duas espécies atuais. Tão estreita de que os danos genéticos até a quarta geração seriam as mesmas que Deus condenou o povo judeu no Êxodo. Mesmo no Êxodo esta lei se configura um absurdo total. Filhos, netos e bisnetos nascerem com uma condenação prévia sem para nada ter contribuído. Não enxergar nisto um absurdo, um atraso escrito pelo propagandista judeu para coagir seus irmãos a obediência cega, considerar isto realmente algo mais do que era, apenas um relato jornalístico publicitário falso.

Raciocinando pelo inverso, pela benção de mil gerações, chegamos a duas conclusões, ou a família de Jesus Cristo era má devota, pois desapareceu na primeira geração sem deixar rastro; ou, na verdade, esta benção é pura propaganda enganosa para iludir os seguidores nem tão seguidores assim. Ou crê, ou morre. Muito comum nos meios jornalísticos de ontem e de hoje. Visto que isto é ensinado para crianças e proposto paralelo até mesmo dentro do OI, é irrecusável o direito de analisar tal ‘descompasso com a verdade’.

Propaganda bíblica e ratos divinos

O mesmo direito que o nosso jornalista usou para criticar: SUPERINTERESSANTE & GALILEU Festival de parcialidade Por Michelson Borges em 9/12/2008 (aqui); MÍDIA & EDUCAÇÃO Até quando o MEC vai atrapalhar o ensino? Por Sílvio Motta Costa e Michelson Borges em 16/12/2008 (aqui).

Mas o trabalho dos ratos soa falso, pois o mesmo relata que a espermatogênese se manteve reduzida em quatro gerações. Já nos ensinava a teoria da evolução de que o órgão não faz a função como proposta por Lamarck. Um braço forte de um pai lenhador não vai gerar um filho de braço forte. A tuberculose do pai não se transmite ao filho pelos gametas. A gametogenese foi formada junto com os tecidos no embrião e não se cria mais. Não pode se transmitir à descendência coisas adquiridas pelo corpo. Assim o inseticida que é dado ao pai rato vai metilar seu gen ativado que regula a espermatogênese. Não vai metilar nos gametas que não estão ativados. E nem faz sentido que atinja apenas o mesmo gen que irá, no futuro, regular o volume da gametogênese. É um trabalho que precisa ser mais bem visto e reproduzido por outros centros de pesquisa antes de garantir que Deus está punindo os ratos até na quarta geração. Por algo que eles nem mesmo possuem culpa. Além disto nem tudo que afeta um rato afetará o ser humano, e vice versa. Foi o caso da talidomida, inofensiva para cobaias, terrível para seres humanos. Ou os corticosteóides, terríveis para embriões de ratos, mas não para embriões humanos.

Confirmando os achados, seria mais um meio da evolução ocorrer, além dos mecanismos já relatados, de modificação para pior, ou melhor, conforme determinado estímulo. Mais um dos mecanismos evolucionários.

Parece-me que como no caso dos genocídios dos cananeus, que Michelson Borges e Douglas Reis se esmeraram para justificar Deus, neste caso também não existe correlação entre a propaganda bíblica e os ratos divinos.

Cirurgia espiritual mal-sucedida

Certamente não é o grupo indicado para ensinar a academia o que deve pesquisar, descobrir, analisar. Que debate científico deve ocorrer. Determinar o que o MEC deve ou não permitir para que se deturpe o cérebro das crianças.

Best-seller nos Estados Unidos, A biologia da crença – lançamento da Butterfly Editora -, de Bruce Lipton, renomado cientista norte-americano, em linguagem simples e direta, ao alcance de todos, traz surpreendentes descobertas científicas que comprovam o poder do pensamento sobre a matéria e esclarecem a reencarnação.

Seus estudos foram precursores da epigenética – estudo dos mecanismos moleculares por meio dos quais o meio ambiente controla a atividade genética.

Sua vasta pesquisa comprova que o DNA é controlado pela energia que emana dos pensamentos, o que simplesmente significa que nossas projeções mentais influenciam diretamente em nossa saúde.

Será que os nossos criacionistas deixarão a ciência e a razão de lado ao analisar as garantias reencarnacionistas do livro acima ou isto só se aplica em relação as suas afirmações fantásticas?

A 4ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro não deixou de lado estas duas virtudes da mente humana. Condenou o engenheiro Rubens de Faria Júnior, médium que diz receber o espírito do ‘Doutor Fritz’, alegado médico alemão nunca encontrado, que teria ajudado inúmeras pessoas durante a Primeira Guerra Mundial, a pagar R$ 25 mil por danos morais ao serralheiro Guilherme Moreira, depois de uma cirurgia espiritual malsucedida ocorrida em novembro de 1996. Um bom exemplo do poder da fé.

******

Médico, Porto Alegre, RS