Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Swissinfo

ISRAEL
Alexander Thoele

‘Cansei de ser terapeuta, agora sou analista, 18/5

‘‘Polêmico, afiado na palavra, processado pelos inimigos e premiado pelos admiradores: Henryk M. Broder é um dos judeus mais conhecidos na Alemanha. Como escritor, jornalista, editor e autor de colunas em revistas prestigiadas na Alemanha e na Suíça, como ‘Der Spiegel’ e ‘Weltwoche’, ele é um crítico feroz do Islamismo e defensor ardente de Israel.

Em entrevista à swissinfo, Broder fala sobre a fraqueza da Europa, a guerra de culturas e os 60 anos de Israel.

O jornal alemão ‘Süddeutsche Zeitung’ o intitulou em editorial de ‘A má consciência da Alemanha’. Aos 62 anos, o jornalista alemão-judeu já não se incomoda com as críticas que recebe pelos textos publicados. ‘Cansei de ser terapeuta, agora sou analista’, disse durante a entrevista dada para o repórter da swissinfo em Zurique.

Publicamente você defendeu a guerra do Iraque. Não existe uma hipocrisia no argumento dos EUA de justificar o conflito pela introdução de democracia no país e ignorar, ao mesmo tempo, aceitar a situação política em países aliados como a Arábia Saudita, Egito ou Jordânia?

H.M.B.: Concordo. Hoje eu penso de forma diferente sobre a questão. Na época, eu apoiei a invasão do Iraque por uma razão: para mim era indiferente se havia ou não armas de destruição em massa; Saddam Hussein era uma arma de destruição em massa. Eu não tenho grande consideração pela soberania dos Estados. Ela não é um valor que necessita ser defendido. Por isso, estava totalmente de acordo com a guerra e sua justificativa, que era tirar Saddam do poder. Porém, se você diz que existem outros países vilões, estou totalmente de acordo. Mas é preciso começar de algum lugar.

Então você continua achando que a guerra é justificável?

H.M.B.: Sim, o Iraque era o maior vilão de todos. Porém, talvez tenha sido a guerra incorreta. Talvez os americanos pudessem ter começado ela no Irã, penso hoje em dia. Depois que um casamento fracassa é que sabemos o que estava errado; antes não. Se você tem vários casos emergenciais, o médico no local é que decidirá quem será tratado em primeiro lugar.

Mas o conflito não terminou tendo por conseqüência tornar o Iraque foco de um perigo ainda maior?

H.M.B.: Não sei. Tenho colegas que estiveram no Iraque e que acham que a situação melhorou. Também já encontrei iraquianos que dizem a mesma coisa, apesar do terror. Talvez essa situação seja apenas temporária. Porém, hoje eu penso de forma diferente. De fato, acho insuportável que os americanos cooperem com os sauditas que, por seu lado, apóiam vários grupos de terror.

É sabido que a Arábia Saudita e os EUA apoiaram maciçamente grupos islâmicos radicais, como os mujahedin, no Afeganistão, durante a invasão soviética nos anos 80. O Talibã é originário de um desses grupos.

H.M.B.: Isso acontece. Os americanos também cooperaram com Stalin por um tempo, tendo depois entrado em conflito com ele. Às vezes, é necessária uma aliança tática com os chamados ‘países vilões’. Mas eu concordo com você: de fato, é um erro defender a democracia e, ao mesmo tempo, fazer negócio com os sauditas. Agora eu sou ainda mais radical: hoje eu penso que devemos sair completamente do Afeganistão, do Iraque, construir um grande muro em volta dessa região, voltando apenas em cinqüenta anos para ver o que sobrou deles. Eu não apóio mais o envio de jovens alemães, americanos, italianos ou quem quer que seja, para sacrificá-los na introdução da democracia no Iraque. Para isso existe a Liga dos Países Árabes, a Organização da Conferência Islâmica e vários outros aparatos. Eles devem resolver entre si esse problema.

Como judeu, o que você sente no momento que Israel comemora 60 anos de existência?

H.M.B.: Esse é o único fato positivo nos últimos dois mil anos da história dos judeus: a criação do Estado de Israel e que esse país até hoje exista e sob essas condições. Eu não acredito em milagres nem em Deus, mas Israel é um milagre.

Mas partindo do princípio de que Israel foi criado com base no sionismo e que este é uma forma de nacionalismo, você não vê problemas nas bases fundamentais desse Estado? Afinal, o patriotismo já foi razão de muitas guerras no continente europeu?

H.M.B.: Durante dois mil anos, os judeus já fizeram algo de muito bom ao abdicar de ter seu próprio Estado.

Mas o sionismo não surgiu apenas no século 19?

H.M.B.: Não é verdade! A idéia de retorno à Palestina foi sempre rezada no Pessach (n.r: festa judia que celebra e recorda a libertação do povo de Israel do Egito). Antes de existir o sionismo político, sempre existiu a ligação com Sion (n.r: terra bíblica em Israel e que representa para os judeus o sonho de um país livre). Não foram os sionistas que inventaram isso para implantar na alma judia.

Existem outros povos que também nunca tiveram um Estado. Os judeus foram os únicos que conseguiram criá-lo. Os armênios, por exemplo, a mais velha cultura cristã européia, terminaram pagando caro por isso, apesar de os turcos terem dito que foram os armênios que quiseram massacrá-los e não o contrário, como o foi na realidade. Os curdos também nunca conseguiram criar o seu país. Os judeus deram um bom exemplo e sobreviveram por mais de dois mil anos sem Estado.

Também sou contra o nacionalismo, mas antes que os judeus suprimam Israel e abdiquem do nacionalismo, então outras nações devem dar o bom exemplo. Vamos suprimir então França, Suíça, Bulgária, Costa Rica, Brasil ou Itália, então podemos falar sobre supressão do Estado de Israel. Os judeus apenas recuperaram o terreno, o que era fundamental para a sobrevivência da coletividade, através da criação de um escudo nacional de proteção. Eu considero a figura do Estado extremamente negativa, mas ela ainda é indispensável.

Por que membros de uma religião necessitam de um Estado? Pelo menos durante o Império Otomano os judeus não viviam em paz na região?

H.M.B.: Isso é absolutamente falso!

Muitos judeus tiveram um papel importante como conselheiros de sultões.

H.M.B.: Sim, mas também vários judeus foram conselheiros de reis europeus e isso não impediu o acontecimento de todos os pogroms (n.r: massacres genocidas cometidos contra minorias, especialmente judeus). Essa é uma das maiores mentiras e fábulas do mundo árabe. Houve pogroms na Palestina já no início do século passado. Por exemplo, em 1920 – e não se falava ainda de Israel – ocorreu um grande massacre em Hebron contra judeus que eram totalmente assimilados e não se diferenciavam em nada dos árabes, a não ser pela sua forma diferente de rezar. O convívio pacífico é uma mentira histórica. O conflito foi ativado ou reforçado através da criação de Israel.

Uma opinião comum na Palestina e até disseminada pelo presidente iraniano, Mahmoud Ahmadinejad, é que os palestinos estão pagando pelo erro cometido pelos europeus através do Holocausto.

H.M.B.: Esse é o único argumento dos palestinos que está correto. Sempre existe um abismo entre ter direito e recebê-lo. Os alemães que foram expulsos dos territórios orientais depois da guerra também estão no seu direito quando dizem que não foram responsáveis pelo início do conflito, mas é impossível enviá-los de volta. A Pomerânia oriental não será nunca mais alemã, assim como a Prússia oriental, Breslau ou Königsberg. Existe uma forte polêmica na Alemanha relacionada aos Decretos de Benesch (n.r: decretos do governo da antiga Tcheco-Eslováquia no exílio durante a II. Guerra Mundial e que terminaram por oficializar a expulsão e o confisco de propriedade de 2,9 de alemães que viviam na época no país). Os alemães dos sudetos exigem que seja reconhecida a injustiça cometida contra eles. Eles têm razão, mas suas reivindicações não significam mais nada, pois eles não retornarão ao antigos territórios.

Então você reconhece que foi cometida uma injustiça contra os palestinos?

H.M.B.: Sim, de fato eles têm razão de dizer que estão pagando pelos crimes dos europeus. Se realmente existisse justiça, então o Estado judeu deveria ser implantado, como eu sugeri há algum tempo, em Mecklemburg-Pomerânia Ocidental (n.r: estado alemão localizado ao nordeste do país, na fronteira com a Polônia), pois é praticamente despovoado. Mas também poderia ser Schleswig-Holstein (norte) ou mesmo a região pré-alpina do Allgäu (sul da Alemanha). Porém, isso não aconteceu, e se você quiser, eu posso explicar por que os palestinos não receberam, não irão receber e não querem receber o seu Estado.

Essa é uma afirmação um pouco forte, não?

H.M.B.: O programa político dos palestinos não está orientado para receber o seu próprio Estado, mas sim em destruir o Estado dos judeus. Essa é a grande diferença! Entre 1948-1949 houve a resolução de partilha das Nações Unidas e que foi refutada pelos países árabes. Na época, os palestinos nem foram perguntados, pois não existiam como entidade política. Houve o Acordo de Camp David de 1978, assinado entre o primeiro-ministro israelense Menachem Begin e o presidente egípcio Anwar El-Sadat com ajuda do presidente americano Jimmy Carter, onde estava prevista a autonomia dos palestinos e que também terminou refutada por eles. Já houve várias tentativas.

Eu posso entender os palestinos. Eles vivem há 60 anos na área de espera, em trânsito, acreditando na promessa, uma mentira, de que irão retornar a um país que não existe mais. Eu me lembro de uns filmes românticos, onde os palestinos aparecem mostrando a chave dos antigos lares. Porém, é possível que onde estava um desses lares, esteja hoje a Universidade de Haifa.

Eu reconheço a injustiça e sei que 800 mil palestinos foram expulsos deliberadamente. Eu digo expulsos – é indiferente se os judeus ajudaram ou não – mas fato é que era guerra e nela não existe a decisão voluntária. Você não precisa bater em alguém. Já é suficiente a pessoa ter medo de sofrer violência para que parta.

O reconhecimento da injustiça sofrida pelos palestinos muda a sua situação?

H.M.B.: A questão é que durante a guerra também foram expulsos entre 800 mil e um milhão de judeus árabes de países como o Iêmen, Iraque, Irã, Marrocos ou Egito. Todas essas pessoas foram recebidas em Israel.

Ainda existem judeus em países islâmicos como a Turquia ou mesmo o Irã, onde vivem 20 mil.

H.M.B.: Mas você sabe quantos viviam lá antes da guerra? Cem mil! A maioria saiu. Os poucos que ficaram são utilizados nesses países como penhor ou marionetes. Eles têm de dizer que estão sendo bem tratados assim como diziam os judeus que viviam na União Soviética. Você acha que 800 mil judeus árabes, os que imigraram para Israel, deveriam agora que voltar para o local de onde vieram em um acordo de transferência de povos?

Você defende então que a História consolida fatos?

H.M.B.: Sim, exatamente. Existe algum conflito que já foi resolvido pelo retorno ao ‘status quo’? Isso não ocorreu na ex-Iugoslávia, entre o Paquistão e a Índia, entre a Alemanha e a Polônia. O conflito da Palestina é o único do mundo onde a solução estaria no retorno ao ‘status quo’. Porém, isso não tem importância. Se você liga para uma empresa pedindo informação e tem de esperar alguns minutos na linha, então diz ‘fuck you’ e desliga. Se você espera 20 minutos, então não desliga, pois já esperou demais. Eles não podem dizer depois de 60 anos que cometeram um erro.

A causa do conflito entre israelenses e palestinos seria essa recusa de aceitar a realidade?

H.M.B.: Os palestinos não podem aceitar. Depois que alguém passou 60 anos na miséria não pode aceitar a realidade. Ele estaria traindo os seus próprios princípios. Por isso, é que nenhum líder árabe tem coragem de dizer ‘It’s over baby. You are not getting home’ (n.r: acabou, você não está voltando para casa).

Então qual seria a solução do conflito?

H.M.B.: Se eu tivesse de apresentar soluções, teria me tornado político.

A proposta de criar um Estado para duas nações em Israel têm viabilidade em sua opinião?

H.M.B.: Não. Isso é apenas uma metáfora eufemística para o extermínio de Israel. Os tchecos se separaram dos eslovacos. A ex-Iugoslávia foi dividida em seis Estados. E depois da experiência, deixar que judeus e árabes vivam no mesmo país é receita para o desastre. Para mim isso seria o holocausto político.

Qual seria o problema para judeus secularizados de viver em um Estado laico com cristãos e outras religiões?

H.M.B.: Mas isso já ocorre. Vinte por cento da população de Israel são de não judeus. Existe um país na Europa onde 20% dos habitantes são não cristãos?

Israel deixaria de existir se não for mais um Estado judeu?

H.M.B.: Então não existiria mais Israel. Ele seria apenas mais um Estado árabe com uma minoria judaica. Mas antes vamos nos exercitar na Europa fazendo com que todos os povos da ex-Iugoslávia vivam juntos, que os bascos desistam de ter o seu próprio Estado ou que o norte e o sul da Irlanda se unam e vivam pacificamente juntos.

Eu não quero mais que os judeus sejam obrigados a dar o bom exemplo. Essa posição sempre nos levou ao desastre. Eu sou a favor de que sejamos os mesmos porcos que os outros. Isso torna a sobrevivência mais fácil.

Na segunda parte da entrevista, Henryk M. Broder fala sobre o fim da Europa, a ascensão da China e da Índia como potências econômicas, o perigo da dominação islâmica e a guerra de culturas.

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Para os palestinos, 60 anos de Israel é o ‘Nakba’ Na segunda parte da entrevista, o escritor e jornalista Henryk M. Broder fala sobre o fim da Europa, a ascensão da China e da Índia como potências econômicas, o perigo da dominação islâmica e a guerra de culturas.

Você veio à Suíça dar uma palestra intitulada ‘Os últimos dias da Europa – Eurábia ou Eurásia’. O que isso significa?

Henryk M. Broder: Esse título eu tirei de alguém que admiro bastante: Karl Kraus. De 1915 a 1922, ele escreveu uma grande obra, ‘Os últimos dias da humanidade’ (n.r: ‘Die letzten Tage der Menschheit’). Karl Kraus sabia naturalmente que não eram os últimos dias da humanidade, mas sim os últimos dias da humanidade como ele a conhecia.

De fato, a I Guerra Mundial acabou mudando a realidade na Europa. Não só isso, mas logo depois veio a II Guerra Mundial. Eu acredito que estamos vivendo agora uma situação semelhante. Em primeiro lugar, acho que já estamos no meio da III Guerra Mundial. A única diferença é que guerras não são deslanchadas hoje como foram em 1914 ou em 1939. Não é necessário assassinar um príncipe herdeiro com uma bomba ou invadir um país para começar o combate. Hoje em dia temos guerras assimétricas, que funcionam com outras regras.

Estamos então à beira do abismo?

H.M.B.: O título da palestra que dei em Zug é ‘Os últimos dias da Europa’ e o subtítulo ‘Eurábia ou Eurásia’. De fato, acredito que estamos vivendo os últimos dias do continente, apesar de ver isso de uma forma simbólica. Os últimos dias podem ocorrer em meses, anos ou mesmo décadas. Tenho um leve medo de fazer prognósticos. Desde os dias do Clube de Roma sabemos que nove entre dez previsões não se concretizam. Porém, tenho algumas visões e entre elas está a crença de que estamos vivendo a decadência da Europa. A questão não é saber ‘se’, mas ‘quando’. Isso talvez dure uma ou duas gerações até que não tenhamos mais o continente como o conhecemos. A alternativa será – na verdade, ela nos será imposta – a ‘Eurábia’, ou seja, uma Europa dominada pela Arábia, ou ‘Eurásia’, uma Europa dominada pela Ásia. No momento tudo indica que teremos uma ‘Eurábia’, mas eu acredito que será uma ‘Eurásia’.

Nesse sentido você está pensando no surgimento das duas novas potências econômicas, a China e a Índia?

H.M.B.: Exatamente. A ‘Eurásia’ é devida ao explosivo crescimento econômico dessas duas potências. Atualmente existe na Índia, por exemplo, uma classe média formada por um grupo entre 300 a 400 milhões de pessoas, o que corresponde à população inteira da Europa. Eu acho que, em longo prazo, os chineses não conseguirão se manter emparelhados com os indianos, pois eles estão mais avançados: eles têm democracia, regras políticas bem definidas, enquanto a China ainda é uma ditadura econômica. Porém, isso é indiferente. Quando a situação mudar na China, eles e os indianos irão dominar a Europa.

Concretamente como você vê o início dessa dominação?

H.M.B.: Os indianos já o estão fazendo de uma forma discreta, sem fazer barulho. Arcelor Mittal, o maior fabricante de aço do mundo, uma empresa indiana, está comprando consecutivamente produtores de aço na Europa, como ocorreu há pouco em Luxemburgo. Detalhe: seu dono é um homem, cujo pai vivia da venda de ferro velho no passado. Ele conseguiu alcançar isso em apenas uma geração. E se hoje você entra na primeira classe dos trens através da Alemanha ou na classe executiva nos aviões, é cada vez mais comum encontrar executivos indianos que falam perfeitamente inglês – e as vezes até o alemão – que estão viajando pelo país para fazer aquisição de novas empresas. Veja como o fabricante de automóveis indianos Tata comprou os ingleses Land Rover e Jaguar.

A sensação no último Salão do Automóvel em Genebra foi a apresentação do modelo popular Tata Nano, que custa apenas 2.800 francos. Os fabricantes europeus tremeram.

H.M.B.: Isso é apenas o começo da tremedeira. E falando de uma certa histeria européia em relação às mudanças climáticas, sabemos que para ela contribuiu a desavergonhada pretensão dos chineses e dos indianos de ter um dia o nosso padrão de vida. Enquanto éramos os únicos poluidores do mundo, não havia problema. Mas agora, com dois bilhões de seres humanos à nossa porta, querendo ter carros, máquinas de lavar e aquecimento nos lares, essa realidade nos faz tremer quando pensamos no nosso suprimento de energia. E agora temos a petulância de querer dizer que eles devem ser comedidos e felizes com o pouco que têm, depois que alcançamos tudo o que quisemos. A Europa não irá sobreviver a isso!

Certo, eu entendi a questão da ‘Eurásia’. Mas quando você fala em ‘Eurábia’, estaria imaginando a dominação da Europa pelos países árabes? Nesse caso o perigo estaria no imigrante muçulmano que já vive ou continua a imigrar para o continente?

H.M.B.: Quando eu falo em ‘Eurásia’, falo de uma tomada econômica do poder do continente europeu através dos asiáticos, o que não significará necessariamente uma mudança significativa do nosso modo vida. Os asiáticos são pessoas economicamente ativas e fortes, mas que não têm uma pressão missionária. Eles não querem transformar a Europa em um continente budista ou confuciano. Seus interesses são apenas de fundo econômico e isso é absolutamente legítimo. Já a ‘Eurábia’ é uma situação diferente: os países árabes ou muçulmanos não têm a capacidade de dominar economicamente a Europa. Eles podem impor determinadas condições como diminuir a extração do petróleo e aumentar conseqüentemente seu preço. Porém, eles não têm o ‘man power’, o número de acadêmicos e a ‘Intelligentsia’(n.r: classe intelectual) para tomar o nosso continente.

Mas não existem países árabes que estão se transformando em importantes centros financeiros, de serviço ou turismo?

H.M.B.: Sim, Dubai e Abu Dhabi são exemplos, mas vamos esperar para ver se eles não são apenas bolhas de sabão. Eu também acho impressionante isso, mas a verdade é que a grande maioria dos países árabes e no mundo muçulmano são extremamente atrasados. Existem excelentes relatórios de órgãos ligados à educação nas Nações Unidas que mostram a dificuldade de encontrar nesses países prêmios Nobel ou descobertas científicas. Já em países como o Vietnã, Tailândia ou Brasil isso existe. Veja o exemplo da Coréia: em 30 anos, eles se desenvolveram como a Europa o fez em duzentos. Já os países árabes ficaram para trás, sem dúvida!

Então qual é a razão do temor europeu frente aos países árabes?

H.M.B.: Os países árabes exercem uma forte pressão política sobre a Europa. Na minha palestra fiz uma cronologia do relacionamento da Europa com o Irã. Você vê como nos últimos três anos o Irã, dirigido pela sua gangue de Mulás, desafia a Europa. Na última semana, os EUA fizeram mais uma oferta ao país, de abandonar o enriquecimento de urânio, e que terminou sendo refutada como já ocorreu tantas vezes no passado. Tratamos agora de uma situação que é descrita por um jornalista americano como ‘Barbarians with the Bomb’, ou seja, os bárbaros com a bomba. Esse é um homem (n.r: o presidente iraniano, Mahmoud Ahmadinejad) que acredita no retorno do 12° Imame e que o Islã tem a função de converter o mundo. Em breve esse país estará em possessão da bomba nuclear e o Ocidente não poderá fazer nada contra.

Veja também como o dirigente líbio, Muammar Kadhafi, foi grandiosamente recebido na França há um ano, apenas poucas semanas depois de liberar cinco enfermeiras búlgaras e um médico palestino que haviam passado inocentemente oito anos em prisões líbias. Por todo esse tempo essas pessoas foram torturadas e ameaçadas de morte. Por isso ele terminou sendo premiado. Esse tipo de chantagem compensa.

Mas nos artigos que você publica no ‘Weltwoche’ ou na ‘Spiegel’ a imigração muçulmana na Europa parece representar um perigo muito maior, não?

H.M.B.: Existem fatos concretos sobre a imigração. Quando um grupo representa 2 ou 3% da população, existe a possibilidade de integração. Mas quando esse mesmo grupo representa 20 ou 30%, então a sociedade começa a se integrar a esse grupo e não o contrário. Hoje vejo a enorme transformação demográfica vivida em metrópoles como Berlim, Londres ou Paris nos últimos 20 anos, uma transformação que ocorre em toda a Europa.

Porém, em países como a Suíça, o convívio de 21% da população de estrangeiros é relativamente harmonioso. Os problemas de integração vividos na Alemanha, França ou Inglaterra são culpa do imigrante ou dos próprios governos?

H.M.B.: Você está absolutamente correto. Mas você, como brasileiro de origem alemã, é visto aqui como um ‘exilado europeu’, ou seja, não é percebido como estrangeiro. Falar em imigração e imigrantes é hoje em dia uma expressão eufemística. Na Alemanha criou-se o termo ‘pessoas com fundo migratório’ e isso não serve para qualificar pessoas como você ou como eu, também um estrangeiro – eu nasci na Polônia, cheguei aqui com 11 anos de idade e não falava alemão. Essa expressão também não se aplica aos japoneses em Düsseldorf, aos tailandeses em Munique e cada vez menos aos turcos. O termo se aplica na verdade a um grupo que tem sérios problemas de integração: árabes e muçulmanos. São pessoas que dificilmente se integram.

A Suíça tem uma população de 311 mil muçulmanos, em grande parte bem integrados.

H.M.B.: Isso é fácil de esclarecer. O problema da integração não tem a ver com a questão social. Na Suíça, a proporção de turcos e árabes na população é relativamente baixa. Você tem muitos imigrantes asiáticos e dos países da ex-Iugoslávia. E é preciso dizer que os muçulmanos dos países balcânicos não têm nada a ver com os do norte da África. É outra cultura. Em Berlim temos os turcos, que podem estar mal ou bem integrados, mas a contagem geral é positiva. Porém existem situações catastróficas como a Holanda, onde 90% dos imigrantes são de norte-africanos, sobretudo marroquinos. São situações diferentes, o que explica por que em alguns países funciona e em outros não. Isso está menos relacionado à atuação dos países, mas sim com a cultura dos imigrantes. Desde que estou vivendo em Berlim, nunca vi uma manifestação de asiáticos que protestassem por se sentirem ofendidos. Também nunca vi uma manifestação de portugueses. Os portugueses vão para a rua quando a sua seleção ganha no futebol, tomam cerveja e são simpáticos.

O Brasil também recebeu massas de imigrantes muçulmanos no século 19, como libaneses e sírios, e isso nunca representou um problema para a sociedade.

H.M.B.: Mas a situação era completamente diferente. O Islamismo, como os radicais denominam o Islã, não é uma descoberta recente, não surgiu com o conflito na Palestina. A Irmandade Islâmica surgiu no Egito nos anos 20 do século passado.

Mas a Irmandade Islâmica surgiu também como uma forma de protesto contra o colonialismo e, posteriormente, contra a ditadura. Esse tipo de extremismo não pode ser visto como uma forma de se rebelar contra a opressão?

H.M.B.: Nesse caso a religião tem um papel quando não foi secularizada. Ao contrário do Cristianismo, do Judaísmo e do Budismo – que é de qualquer maneira uma outra tradição – isso ocorre quando não houve um processo de transformação do domínio religioso para o regime leigo. Se uma religião criada há quarenta anos levar ao pé da letra o que está no Corão, ela termina invariavelmente caindo no terror. Na Bíblia, no Velho e no Novo Testamento, também há coisas terríveis, mas é uma minoria de cristãos e judeus que levam essas palavras ao pé da letra, não é o ‘mainstream’. Todos os livros sagrados são como um negócio ‘self-service’: você pode tirar o que quer. Mas no Islã não houve movimento de refoma. Veja, não existe nenhuma fatwa (n.r: pronunciamento legal no Islã emitido por um especialista em lei religiosa) contra o terror, mas uma centena delas que se ocupam de explicar quando um homem pode ficar num recinto sozinho com uma mulher ou se o hímen destruído da mulher pode ser reconstruído. Há 20 anos Salman Rushdie está condenado à morte por uma fatwa e ela não é retirada. Não é possível revogá-la.

O Islã não é uma religião descentralizada, onde as opiniões podem ser mais diversas, assim como as interpretações?

H.M.B.: Sim, o Cristianismo também. Você tem o Papa, o Patriarca em Constantinopla, a Igreja anglicana. Quantas igrejas existem na América? Centenas!

Mas você concorda que, no contexto de um Islã sem reformas, a religião possa ser um escape para o atraso econômico e a opressão política em muitos países muçulmanos?

H.M.B.: Não posso dizer isso. Prefiro não quebrar minha cabeça com esses pensamentos, pois se isso fosse verdade, valeria também para cristãos e judeus. Quando encontro judeus e cristãos frustrados, realmente eles tendem ao dogmatismo religioso. Mas tudo que é marginal no Judaísmo e no Cristianismo, no Islã é ‘mainstream’. Existe essa pretensão de superioridade das religiões. Recentemente um diretor de cinema fez um documentário na Alemanha, onde ele filmou várias preces e depois deixou traduzi-las. Elas mostram que as preces falam claramente da superioridade do Islã nas condições da diáspora, levando a mensagem de que não se trata apenas de viver no país acolhedor, mas sim invadir e ocupar o espaço público.

Na Suíça assim como Europa as igrejas estão vazia por falta de fiéis. É culpa dos muçulmanos deles viverem a sua religião com intensidade e exigir, nesse sentido, mais direitos?

H.M.B.: Você está absolutamente correto! Eu inclusive acho que a Europa tem de pagar esse preço. Nosso continente tomou uma direção do luxo – uma direção que eu acho agradável, afinal sou parte disso também – e do individualismo. O problema é que a Europa não está em condições de resistir a um conflito fundamental sobre sua existência. Veja como ela teve de ceder no caso das caricaturas de Maomé. Veja como toda a Holanda tremeu nas bases com o filme de Geert Wilders, onde até o secretário-geral da ONU foi obrigado a intervir. O filme não tem absolutamente nenhuma periculosidade. Ele mostra exatamente o mesmo que os muçulmanos mostram quando colocam suas posições, atos e crimes na Internet.’

 

 

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