Tuesday, 16 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1283

Tudo para dar certo. Menos o visual

O caderno Ilustrada da Folha de S.Paulo (1/8) trazia matéria sobre o novo telejornal da Rede Record. Confesso que estava feliz, afinal, é o ‘início do fim’ do intragável Cidade Alerta. Porém, a ênfase da matéria da Folha de S. Paulo me deixou um pouco temeroso. Já se sabia que o novo programa jornalístico, que recebeu o nome de Tudo a Ver (qualquer semelhança com a rede global será mera coincidência), teria como chamariz de confiabilidade a batuta de Paulo Henrique Amorim. Com ele, Janine Borba (vinda do Jornal da Band) e… nada mais, nada menos do que a modelo internacional Ana Hickmann (23 anos e nenhuma experiência em TV)!

Reproduzo parte da matéria da Folha:

‘Encerradas as formalidades sobre como será a nova atração da emissora, que estréia amanhã sob o comando de Paulo Henrique Amorim, uma pequena aglomeração se formou em torno da modelo de 1,85 m – dos quais 1,20 m só de pernas – para saber algo mais do que a sua a princípio tímida participação no programa’.

No decorrer da matéria apenas houve destaque para o que fará (e o que não fará) a modelo. A publicidade veiculada na mídia impressa já adiantava o que (ou quem) teria destaque, mesmo que fosse culpa da mãe natureza, genética e afins… Paulo Henrique, na foto, parece ainda menor ao lado de Ana Hickmann! E pouco se fala sobre o diretor de jornalismo, Douglas Tavolaro, repórter da IstoÉ e autor do livro A casa do delírio, uma reportagem no Manicômio Judiciário de Franco da Rocha. Tavolaro, que era editor-chefe do Repórter Record, substituiu, em junho, Luiz Gonzaga Mineiro, no cargo desde 1999.

Corri para minha biblioteca e apelei para Alceu Amoroso Lima. Outro dia achei, quase abandonado num sebo, seu livro O jornalismo como gênero literário. Vejamos o que ele escreveu:

‘A formação da Opinião Pública é, pois, uma finalidade extra-estética – pois que social, política, moral, coletiva, civilizadora – mas que faz parte integrante e essencial da caracterização da atividade como gênero literário. Se a imprensa hoje tem a importância que tem e a sua liberdade é um ponto capital do verdadeiro progresso social, é devido a esse seu papel para criar a Opinião Pública e mantê-la, dentro dos seus direitos, e dos seus deveres. Sempre que o jornalismo envenena a Opinião Pública, fanatiza-a ou a informa mal, está falhando à sua finalidade’.

O que realmente importa

A matéria da Folha ainda se refere à Nova Record. Tão ‘nova’ que vai copiar o padrão global chamado ‘sanduíche’ (telejornal-novela-telejornal), assim que for dado o golpe fatal no Cidade Alerta e estrear a novela A escrava Isaura, em setembro. Enquanto isso, Marcelo Rezende vai para um período de ‘descontaminação’, para dar uma cara de Linha Direta ao Repórter Record.

Vou confessar que escrevi até aqui sem assistir ao programa. Como não achei justo, resolvi assisti-lo para dar seguimento aos meus comentários. Gravei e assisti ao telejornal exibido na quarta-feira (4/8/2004). Diria que Douglas Tavolaro deve ter um liqüidificador grande e possante. Só esqueceu de peneirar o suco produzido…

Explico. É impossível deixar de assistir, sem se fazer a pergunta ‘Isso não se parece com a CNN?’, ‘Aquilo não é semelhante ao Jornal da Cultura?’, ‘Acho que já vi isso na Band News…’, sem contar com alguns ‘quadros’ mantidos do antigo telejornal apresentado por Paulo Henrique Amorim no fim da noite.

Tudo bem, aqui vai minha última crítica quanto à plástica do programa: que vinhetas horríveis são aquelas? A abertura ficou boa, mas as vinhetas dos quadros lembram a primeira versão televisiva do Batman e Robin…

Então falemos sobre o que realmente importa (ou deveria importar) num telejornal: o conteúdo. Duas matérias receberam destaque. Uma sobre estado de abandono do cemitério de Vila Formosa, e outra sobre as compras da modelo, ops, quero dizer, da jornalista, não, melhor, da colunista Ana Hickman, que foi comprar roupas de inverno numa liquidação (muito embora o inverno tenha começado dia 21 de junho…). Acredito que haja mais assuntos importantes que mereçam destaque do que estes que foram escolhidos. Talvez seja um período de transição, pois o primeiro ainda tinha um pouco do jeito do Cidade Alerta e o segundo ficou parecido com os programas femininos das tardes (mas contava com os comentários do ‘especialista em moda’ Paulo Henrique Amorim).

Informar para formar

Trata-se de um jornal de final da tarde, para ser ‘degustado’ com o ‘café das cinco’. Muitas matérias ‘pílula’, daquelas que esquecemos nos próximos 10 minutos. Uma informalidade não forçada. Janine Borba, apresentadora que saiu de um formato ‘hard news’ (o Jornal da Band), até que forma uma boa dupla com Paulo Henrique. E o telespectador tem oportunidade de participar através da internet.

Claro que quando Ana Hickman entra em cena o cenário fica parecendo uma ‘casa de boneca’, mas isso é detalhe, até mesmo observado com uma certa dose de humor, por Paulo Henrique e na charge ao final do programa.

Enfim, nada que se compare ao mundo cão do Cidade Alerta, o que já é um alívio. Acredito que o formato tenha tudo para dar certo. Talvez uma preocupação maior com temas como cidadania e jornalismo comunitário. Mas acredito que há luz no final do túnel. Questão de diminuir a ênfase às pernas de Ana Hickman e passá-la à credibilidade de Paulo Henrique Amorim e à nova direção de jornalismo na emissora. Ou, caso contrário, ficará explícito o que a emissora realmente está buscando. Sob a maquiagem de ‘jornalismo sério’, correr atrás da audiência de todas as formas possíveis.

Finalizo com outras palavras de Alceu Amoroso Lima: ‘O jornalista medíocre informa por informar. O autêntico jornalista informa para formar.’

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Radialista, estudante de Jornalismo, São Paulo (http://www.refletir.blog-se.com.br/)