Tuesday, 23 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

TV aberta em estado de alerta

Um belo artigo de Tom Rosenstiel (‘O fim dos telejornais nacionais’) para o Washington Post foi reproduzido no Estado de S.Paulo na terça-feira, 14/9 [remissão abaixo]. O autor, diretor do Project for Excellence in Journalism da Universidade de Colúmbia, abordava no seu texto a perda do espaço do modelo de telejornalismo das grandes redes por broadcast para o telejornalismo praticado pelas redes segmentadas de TV por assinatura. Seu ponto de partida era o fato de que, durante a cobertura da Convenção Nacional Republicana, pela primeira vez uma rede paga de notícias – a Fox News – atraiu mais espectadores do que uma emissora de sinal aberto.

No artigo, Rosenstiel referiu-se a Walter Cronkite:

‘Até o final dos anos 60, um âncora, Walter Cronkite, foi o homem mais confiável dos EUA. Ao assistir a Cronkite, de volta do Vietnã em 1968, declarar a guerra invencível, o presidente Johnson virou-se para um assessor e disse que ‘se perdemos Walter, perdemos o país’. Algumas semanas mais tarde, a maioria dos americanos era contra a guerra. Johnson declinou de concorrer à reeleição’.

É possível que entre os leitores de Rosenstiel no Washington Post estivesse Alec Russell, do Daily Telegraph. Em artigo reproduzido no O Globo de domingo (26/9), Russell diz o seguinte:

‘No final dos anos 60, Cronkite era conhecido como o homem mais confiável dos EUA. Seu noticiário noturno era visto por 21 milhões de pessoas. Quando ele voltou do Vietnã, em 1968, e declarou que a guerra não poderia ser vencida, a Casa Branca também concluiu que o jogo estava perdido. O presidente Lyndon Johnson teria dito a um assessor: ‘Se perdemos Walter, perdemos o país’. Com as pesquisas mostrando o público contrário à guerra, Johnson desistiu de tentar a reeleição’.

Coincidências ou apropriações à parte, é proveitoso observar que, com diferença de duas semanas, dois analistas referem-se por caminhos diferentes à perda de poder das grandes redes de TV aberta onde elas são mais fortes – os EUA.

Rosenstiel provavelmente escreveu seu texto antes da crise desencadeada pelos dados fraudados sobre o passado militar de George W.Bush, veiculados por Dan Rather (que emblematicamente é o sucessor de Cronkite no CBS Evening News desde 1979). Para Rosenstiel, 84% do tempo dos jornais vespertinos era tomado por ‘reportagens cuidadosamente escritas e editadas, produzidas por correspondentes e examinadas antecipadamente para unir textos e imagens’, enquanto a notícia na TV fechada é ‘um meio ao vivo e extemporâneo construído em torno de conversas’. Segundo Rosenstiel, ‘o que está desaparecendo é um idealismo sobre o potencial da televisão como meio de melhorar nossa política e sociedade’.

Telefonia móvel

Alec Russell não apenas escreveu depois do incidente provocado pelas informações de Rather sobre Bush como seu artigo é em torno disso. Para ele, ‘um vento frio está soprando para as cadeias de TV americanas – CBS, NBC e ABC’. Em vez da Convenção Republicana, ele cita a entrega dos prêmios Emmy como exemplo do avanço das redes de TV por assinatura sobre as redes de TV abertas. O caso de Rather é descrito apenas como uma ‘confusão maior’ da divisão de notícias da CBS, o que minimiza sua própria tese sobre a crise de confiança na TV aberta.

O caso é mais bem explorado na Veja (‘O papel dos blogs nas eleições americanas’, nº 1.873, de 29/9/04) em matéria não assinada sobre o papel dos bloggers na construção dessa crise de confiança. ‘Internautas derrubam denúncias contra Bush, humilham o mais conhecido jornalista da TV e mostram a força da blogosfera’, diz Veja. A revista refere-se ao maciço ataque dos blogs políticos logo que Dan Rather começou a mostrar os documentos datilografados que sustentariam a tese de que Bush fugira de lutar na guerra do Vietnã.

Os blogs, segundo Veja, já chegam a 4 milhões. O que eles estão fazendo não é apenas controlar âncoras das grandes redes com o poder e a credibilidade de Dan Rather: é estabelecer paradigmas de trânsito de informação audiovisual que certamente se tornarão hegemônicos em bem pouco tempo [veja abaixo remissão para o artigo ‘Vitória dos ‘jornalistas de pijamas’’].

A melhor ilustração que existe para isso é o crescimento vertical do trânsito de informação por telefonia móvel. Os radiodifusores ainda argumentam que empresas de telefonia são parte do setor das telecomunicações e, portanto, não têm permissão para distribuir conteúdo para múltiplos receptores – o que é uma atribuição das empresas de radiodifusão, que têm concessão para isso e submetem-se a instrumentos próprios de controle.

O debate está instalado em vários foros (que vão do Conselho de Comunicação Social do Senado ao Conselho Superior de Cinema, da Presidência da República), mas é absolutamente estéril pelo simples fato de que o desenvolvimento tecnológico é inestancável e sobrepõe-se a qualquer regulação existente no momento de seu aparecimento.

Empresas como a nTime, Endemol e Esporte Interativo demonstraram no Seminário de Convergência de Conteúdo – promovido pelo Instituto de Estudos de Televisão, em 9/9, no Rio de Janeiro – aplicações de entretenimento e jornalismo para telefonia móvel que vão bem além dos gimmicks promovidos pelos jogos eletrônicos, mas constituem-se em instâncias de informação pertinentes e irredutíveis a outros meios.

Numa boa matéria da Folha de S.Paulo de domingo (‘O sagrado e o profano ao alcance das mãos’, 2/9), os avanços das operadoras brasileiras na distribuição de conteúdo religioso ou pornográfico é descrita em detalhes.

Fonte primária

No seu artigo sobre ‘o fim dos telejornais nacionais’ Rosenstiel se pergunta: ‘Qual diferença vai fazer se as redes cederem o jornalismo televisivo para as emissoras a cabo?’. A verdade é que existe uma proposição mais moderna a ser feita: ‘Por quanto tempo o espectador vai se resignar a receber informação primária em horários fixos através de meios físicos?’.

A resposta é que essa exigência vai parecer anacrônica em menos tempo do que se imagina. Não demorou muito para que o jornal cedesse seu papel de fornecedor desse tipo de informação para o rádio e, sobretudo, para a televisão. É impossível encontrar hoje alguma razão satisfatória para se acreditar que o consumidor abra mão da possibilidade de receber informação instantânea e barata onde quer que esteja para esperar o momento de chegar em casa ou no hotel e ligar um aparelho de TV.

Neste sentido é irreversível a percepção que o telefone celular se transforme em pouco tempo no principal meio de informação do cidadão comum. Os preços dos hardware (inclusive com tecnologia wap e Java) despencam a cada semana e, no que diz respeito aos serviços, o consumidor de planos pré-pagos no Brasil já está gastando uma média inferior a 6 reais por mês.

Se deixarmos para as grandes redes o jornalismo de verificação – aquele que, segundo Rosenstiel, é construído em torno de uma narrativa visual e tende a levar o espectador para o palco dos acontecimentos –, então não haverá uma só razão para que a televisão permaneça como a fonte primária de difusão jornalística, em detrimento do aparelho celular.

Chamada telefônica

A má notícia é que, no Brasil, poucas redes estão praticando este jornalismo de verificação. Não estão exatamente cumprindo com o ‘idealismo sobre o potencial da televisão para melhorar nossa política e sociedade’. Limitam-se, na maior parte, a requentar o que chega das agências ou a preencher espaço com um tratamento banalizante das matérias locais, até que o grande fato finalmente apareça.

Alguém dirá que os jornais e as revistas também fazem isso – mas o leitor pode sempre pular a página e ir direto ao que lhe interessa. As plataformas digitais de televisão vão facilitar a vida do espectador nesse aspecto, mas tão cedo ele não deixará de ser refém das limitações físicas: o aparelho de TV não está no seu bolso; e ainda que estivesse, o espectador não poderia se deter nele por muito tempo – pelo menos em face dos modelos vigentes de expor a notícia. Não apenas vigentes, mas necessários à sobrevivência do meio, o que encerra uma dramática contradição.

Articulistas como Rosenstiel e Russell parecem dividir – com concordância tão exagerada quanto suspeita – a importância de jornalistas como Cronkite para a formação de opinião e de consciências. Detectam a crise de confiança que abala o jornalismo televisivo americana. Pode-se até nomear, no Brasil, um ou dois nomes em quem o espectador possa confiar. Mas é na diluição da construção da notícia que se pode observar o herdeiro natural do telejornalismo das grandes redes: o que o espectador guarda da informação pode estar contido numa chamada telefônica e num clipe de 20 segundos.