Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Uma mídia ainda em busca de definição

Há alguns anos, surgia no Brasil uma mídia que ainda hoje carece de definição própria: o telejornalismo online. As primeiras experiências datam do fim dos anos 90, com a ida de Paulo Henrique Amorim para o UOL News, seguido por Lilian Witte Fibe, na TV Terra. Hoje, Lilian comanda a programação no UOL, Amorim voltou para a televisão convencional e apresentadores pouco conhecidos estão na TV Terra. Enquanto isso, no mundo acadêmico, o TJ Uerj foi o primeiro telejornal universitário experimental via internet do País, lançado em abril de 2001.

De acordo com alguns jornalistas e professores, adeptos desta nova mídia, o que se faz é seguir uma receita de TV com ingredientes de internet, ou seja, usar os recursos do telejornalismo, mas com a interatividade da grande rede. Segundo Antonio Brasil, jornalista com larga experiência em TV e criador do TJ Uerj, o termo ‘telejornalismo online’ é ainda o mais próximo da definição desta nova ferramenta de comunicação:

– Está se fazendo a migração da televisão e do telejornal para um meio chamado internet. Se pararmos para pensar, no começo, os noticiários existiam apenas nos cinemas – era o chamado cinejornal. Os primeiros telejornais eram radiojornais adaptados para a televisão, como o Repórter Esso, que levou algum tempo para encontrar uma linguagem específica para aquele novo meio.

Antonio diz ainda que telejornalismo online é simples marketing:

– É, na verdade, um sistema multimídia na internet. O conceito de TV é do século 20; o do 21 é algo que ainda será inventado, as novas gerações é que vão definir, com outra visão. Vivemos um momento de transição.

Alberto Luchetti, fundador da allTV, a primeira televisão da internet com programação ao vivo, diz que se chamarmos essa nova mídia apenas de telejornalismo online, falamos em TV:

– Quando a allTV foi criada, o conceito era pegar as coisas mais importantes de cada veículo – do jornal impresso, o texto; do rádio, o imediatismo; da TV, a plástica e a imagem. Disso nasceu o canal, da soma desses meios. É o resultado da convergência das mídias, aliada à interatividade.

Começo

Mara Gama, gerente geral de Entretenimento do UOL, conta que a TV UOL estreou em 30 de maio de 1997, com 24 horas de programação no ar, à base de clipes, entrevistas e trailers. Em 17 de dezembro de 1996, transmitiu a primeira cobertura online, com imagens capturadas por webcams e jogadas dentro de uma sala de bate-papo, em que repórteres escreviam o texto ao vivo:

– Era a premiação, em São Paulo, do Troféu Noite Ilustrada, que leva o nome da coluna de Érika Palomino, da Folha. Hoje, entre outras coisas, transmitimos os melhores momentos de partidas de futebol, shows, peças de teatro, entrevistas com artistas, músicos, escritores, reportagens sobre música, documentários de curta duração, passeios virtuais por exposições.

Segundo Mara, atualmente a programação inclui coberturas cada vez mais amplas de eventos ao vivo, com destaque para shows e desfiles:

– Além disso, o UOL News, ancorado por Lillian Witte Fibe, traz, em sua programação diária, a cobertura política e econômica, com comentaristas e colunistas de peso, quadros sobre esporte, saúde, família, cinema e o mundo das celebridades. E o UOL também transmite ao vivo a programação televisiva da BandNews e da BandSports.

Mara diz que, na TV UOL, a produção é diária e tem crescido nos últimos cinco anos. Das transmissões ao vivo, as de esportes e entrevistas com personalidades estão entre as mais procuradas:

– Dou um exemplo do poder de potencialização da TV na internet: transmitimos a peça Terça insana e tivemos 23 mil players ligados. No Avenida Club, em São Paulo, onde a peça estava em cartaz, cabiam apenas 600 pessoas!

Diferenças

Para Mara, existem diferenças não apenas técnicas, mas também de comportamento e de linguagem entre o formato da produção veiculada na internet e a de TV. Há algum tempo, eram poucos os produtos feitos originalmente para a televisão que resistiam à exibição na tela do computador, porque a maior parte dos acessos era feito por conexão discada e a transmissão de dados em baixa velocidade dificultava a boa visualização e audição de programas:

– Era freqüente ver um vídeo ‘engasgando’ na tela do computador. Com o aumento do número de computadores que dispõem de maior velocidade de transmissão e melhores codificações de arquivos de vídeo, as restrições por conta da qualidade de imagem foram diminuindo. O vídeo na internet foi deixando de ser o primo pobre do vídeo na TV.

Ao mesmo tempo em que a velocidade de conexão aumentou, o vídeo na internet foi se sofisticando:

– As possibilidades de interatividade só aumentaram. A navegação pode ser cada vez mais ativa. Você pode agregar ao vídeo conteúdos complementares, ele pode ser a provocação de uma série de outras ações: votações, enquetes, leitura de um texto, visualização de um álbum de fotos… Esta característica agregadora possibilita uma espécie de adensamento editorial. Você, como editor, pode reforçar sua mensagem por diversos meios.

A interatividade, porém, gera também uma grande força de desconcentração. No computador, pode-se ver um vídeo enquanto se escreve um e-mail sobre outro assunto, faz busca ou compras em outros sites, ou põe texto no blog, por exemplo:

– O vídeo pode ser uma das inúmeras janelas abertas. Quem produz para a internet tem de estar atento às contradições específicas do meio. A experiência de assistir a um vídeo no computador é bem diferente da que se tem na TV. E não há um jeito único de navegar!

Copa do Mundo

A TV Terra é um pouco mais jovem, completou cinco anos em dezembro passado. De acordo com informações do release enviado pelo portal, para a Copa do Mundo deste ano foram investidos R$ 20 milhões num projeto que incluiu cobertura multimídia completa, com texto, fotos, vídeos, interatividade e um compacto de todas as 64 partidas aberto a todos os internautas.

Uma equipe de 54 profissionais esteve envolvida no projeto para levar ao usuário todas as informações sobre o Mundial de futebol. O conteúdo da TV Terra é de acesso livre e qualquer usuário pode acessar vídeos ao vivo dos mais diversos assuntos, como cinema, esportes, Jornal do Terra e música.

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A experiência no meio acadêmico

A Uerj foi a primeira universidade brasileira a fazer transmissões de noticiário em vídeo via internet, graças ao impulso do jornalista e professor Antonio Brasil, que criou o TJ Uerj, em 2001. Segundo ele, a idéia era ensinar aos alunos como fazer TV sem tê-la. Um ano após a estréia do telejornal, a equipe já contabilizava cerca de 250 matérias e várias transmissões ao vivo. Antonio diz que foi preciso usar imaginação e criatividade:

– O desafio era criar uma TV. A princípio, transmitíamos em circuito interno, com um jornal pré-gravado, e daí obtivemos o primeiro resultado prático. Depois tivemos a experiência de fazer ao vivo, o que é fantástico para o aluno, que aprende a improvisar.

O pioneirismo do TJ Uerj rendeu-lhe prêmios e um livro: Telejornalismo online em debate – Anais do primeiro seminário de telejornalismo online da Uerj. No telejornal, as matérias são apuradas, redigidas, gravadas e até editadas pelos estudantes dos cursos de Jornalismo e Relações Públicas. Para Antonio, ‘o projeto é tão simples que dói’:

– Hoje, com banda larga e webcam, é facílimo, mas fizemos isso quando TV na internet era coisa de outro mundo. Vários alunos daquele tempo conseguiram bons empregos, como a Ana Paula Campos, da GloboNews. É um projeto que dá ao aluno a oportunidade de fazer TV. Tem gente que nasceu com o talento, mas de repente não será aproveitado, porque não tem chance de mostrar seu potencial.

Para ele, uma grande aliada na transmissão de TV pela internet é a liberdade de horários e a questão da audiência deve ser repensada:

– Isto se refere à mídia antiga e só se aplica para medição em meios de massa. Em mídia fragmentada, o interessante é saber quem assiste. Soubemos, certa vez, de uma menina de Tel-Aviv que viu uma transmissão ao vivo do TJ Uerj e, mesmo sem entender nada do idioma, se emocionou. A equipe ficou de queixo caído: um projeto experimental estava sendo visto do outro lado mundo.

Além de ressaltar que a vantagem na transmissão online é a interatividade, Antonio faz referência a uma pesquisa sobre o Jornal Nacional, que dizia que muitos telespectadores não se lembravam das notícias logo após sua exibição:

– Até agora insistem em nos comparar com o telejornalismo tradicional, mas somos uma proposta totalmente nova. TJ online significa uma verdadeira democratização da produção de telejornais em nosso país, com a interação de quem o assiste.

Após o êxito da experiência brasileira, o professor foi convidado para ir aos EUA diversas vezes ensinar as técnicas:

– É uma TV de baixo custo. Basta desenvolver o formato e o conteúdo. Tem o lado vitrine, quando expõe o aluno; o educacional, pois ensina a ele; e o comunitário, que tira o estigma de ter que se pertencer à família Marinho para ter um canal de televisão. (R.C.)

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O verbo é acessar

Quando a allTV recebeu no ano passado o Prêmio Esso de Melhor Contribuição ao Telejornalismo, seu criador, Alberto Luchetti, disse que dali para a frente o verbo não seria mais ‘assistir’ e sim ‘acessar’. Com a experiência de ter criado a TV Jovem Pan e o Canal 21 – além de ter passagens pela imprensa e rádios paulistanas –, Luchetti criou a allTV, o primeiro canal interativo de televisão na internet, com 24 horas de programação, sendo 18 ao vivo. Atualmente, ela é a única emissora brasileira a repetir o conteúdo da Telesur, de meia-noite às 7h. Segundo o jornalista, o nome allTV veio da idéia de uma programação toda voltada para televisão, inspirada na CityTV, de Toronto, onde passou um mês estudando a agilidade daquele veículo.

Luchetti diz que na última edição da National Association of Broadcasters (NAB), a maior feira internacional de televisão, que acontece anualmente em Las Vegas, EUA – e da qual a allTV, participa desde 2002 –, a estrela foi a TV na internet. A emissora funciona em São Paulo, num casarão que abriga cinco estúdios completamente interligados. Todas as salas têm possibilidade de entrada ao vivo e a interação entre os estúdios dá agilidade e imediatismo às transmissões:

– O difícil foi botar tudo no ar – diz ele. – Fizemos um vôo com tempo fechado, sem ajuda de instrumentos. Não sabíamos como fazer. O desenvolvimento tecnológico e a plataforma de interatividade foram aprendidos no dia-a-dia. Unimos a experiência de profissionais antigos com a garra da meninada da internet e adquirimos uma linguagem própria.

Para Luchetti, um ponto favorável na construção do canal foi a ausência de vícios nos apresentadores, que não tinham experiência alguma em veículos de comunicação. A equipe começou com 12 apresentadores e hoje tem 125, em 62 programas diferentes:

– Tem apresentador que saiu daqui e foi para a BandNews, como a Amanda Klein, e para a Record, como o Fernando Nardini. Criamos não só uma geração de estudantes de Jornalismo, mas de profissionais, muitos até vindos de outras áreas, como a Emanuela Rêgo, que é apresentadora do Fala sério, veterinária do Jockey Club de São Paulo e repórter da TV Câmara e ainda faz faculdade de Comunicação. A allTV acaba servindo como passaporte para outras emissoras, pois treinamos a molecada.

Luchetti chama o público de seu canal de telenautas ou allnautas e fala sobre a confiança depositada na emissora:

– Eles são ativos na programação. Os internautas fazem perguntas que podem derrubar o apresentador. ‘Barriga’ não ocorre mais, porque durante a transmissão o apresentador pode acessar um site de notícias e complementar as informações. O principal ganho é a credibilidade que a allTV tem conquistado.

Produzir, para o jornalista, é igual em rádio ou TV ou internet, que está cada dia mais ágil e mais presente:

– São nove horas de programação jornalística na allTV, nenhuma emissora brasileira de TV aberta faz isso. E a nossa audiência pode ser medida até com mais precisão. São 15 milhões de pageviews (acesso à primeira página) por mês, 150 mil visitantes únicos por dia, 20 milhões de hits (acessos bem-sucedidos) por mês e 475 mil usuários cadastrados. A maior parte do público é do perfil A/B, com menos de 45 anos. (R.C.)

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Repórter do ABI Online