Thursday, 18 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Brasil tem 11 casos não resolvidos de assassinatos de jornalistas

A emboscada de um comboio no Sudão do Sul e o assassinato com facões de blogueiros em Bangladesh este ano fizeram com que ambas as nações fossem incluídas no Índice Global de Impunidade do CPJ, que foca os países onde os jornalistas são assassinados e os responsáveis pelos crimes permanecem impunes. A Colômbia saiu do índice enquanto a violência letal contra os jornalistas retrocedia mais para o passado do país.

Pela primeira vez desde que o CPJ começou a elaborar o índice, em 2008, o Iraque não foi a nação com o pior histórico, já que a Somália assumiu esse posto. Esta  mudança reflete o saldo contínuo de mortes da Somália, onde um ou mais jornalistas tem sido assassinado a cada ano durante a última década e o governo tem sido incapaz de investigar os ataques ou careceu de vontade de fazê-lo.

A saída do Iraque do primeiro posto se baseia em vários fatores e poucos deles são alentadores: foi obtida apenas uma condenação no Iraque. O índice de impunidade analisa os assassinatos não resolvidos, ocorridos durante a década anterior, em que se confirmou que o motivo do crime foi o exercício do jornalismo. Os primeiros anos da guerra no Iraque já estão fora da década mais recente, e os assassinatos seletivos diminuíram na segunda metade do decênio, em comparação com 2006 e 2007, os anos com cifras mais elevadas. Mais recentemente, os membros do grupo de islamitas radicais Estado Islâmico sequestraram e assassinaram pelo menos dois jornalistas. O férreo controle da informação exercido pelo grupo, até esta data, impediu o CPJ de documentar com precisão casos adicionais e determinar o motivo.

A brutalidade do Estado Islâmico contra os jornalistas também é responsável pela ascensão da Síria no índice, do posto número cinco para o número três. Desde agosto de 2014, os islâmicos radicais decapitaram três correspondentes estrangeiros e difundiram vídeos das execuções nas redes sociais. Assim como no Iraque, acredita-se que o grupo seja responsável por outros sequestros e assassinatos de jornalistas na Síria que o CPJ não pôde confirmar. A Síria é o local mais perigoso do mundo para o exercício do jornalismo, com um número recorde de sequestros e ataques cometidos não somente pelo Estado Islâmico, mas também por outras facções de islamitas radicais e pelas forças leais ao regime do presidente Assad.

As Filipinas, no quarto lugar, são o único país dos cinco primeiros que não se encontra em um conflito armado de grande escala.

O índice de impunidade – divulgado antes do segundo Dia Internacional para Pôr Fim à Impunidade dos Crimes contra Jornalistas, em 2 de novembro, jornada adotada pela Assembleia Geral da ONU – calcula o número de assassinatos não resolvidos de jornalistas como uma porcentagem em relação à população de cada país. Para a edição correspondente a este ano, o CPJ analisou os assassinatos de jornalistas que ocorreram em cada país do mundo entre 1º de setembro de 2005 e 31 de agosto de 2015. Apenas as nações com cinco ou mais casos não resolvidos foram incluídas neste índice. Este ano, 14 países reuniram os requisitos do índice, em comparação com os 13 da edição anterior. Os casos são considerados não resolvidos quando não foram obtidas condenações; os casos nos quais as autoridades matam os suspeitos durante a captura ou nos quais alguns autores, ainda que não todos, sejam levados à Justiça, são classificados como impunidade parcial e não são considerados para o limite de cinco casos. O total de casos analisados para este índice é de 270.

A Colômbia, o único país a abandonar o índice este ano, tem menos de cinco casos não resolvidos no período contemplado pela análise. Desde 2009, foram obtidas na Colômbia condenações em dois casos de assassinatos de jornalistas; cabe ressaltar que em ambos os casos foi alcançada plena justiça, pois os autores intelectuais dos crimes foram sentenciados. No entanto, a melhora da Colômbia também é atribuída, em grande medida, à redução da violência política em escala nacional e a um programa governamental de proteção a jornalistas. Apesar de tudo, os jornalistas têm recebido ameaças em várias ocasiões, segundo as apurações do CPJ. Em 10 de setembro, um agressor não identificado assassinou a jornalista colombiana Flor Alba Núñez Vargas na entrada da emissora de rádio onde trabalhava. Uma colega declarou que Núñez havia recebido ameaças relacionadas com seu trabalho jornalístico.

No ano passado também foram obtidas condenações em três países do índice – Rússia, Iraque e Brasil – mas somente em um caso, o homicídio da jornalista russa Anastasiya Baburova, ocorrido em 2009, a pessoa que ordenou o crime foi encarcerada.

A inclusão do Sudão do Sul, onde cinco jornalistas que viajavam em um comboio político foram emboscados e mortos este ano, é representativa dos desafios de obter justiça em zonas assoladas pela guerra ou onde poderosos grupos armados ilícitos ameaçam efetivamente os jornalistas, como no Paquistão, que ocupa o posto 9 no índice e a Nigéria, no 13º lugar.

Ao mesmo tempo, mais da metade dos países do índice são democracias com instituições judiciais e organismos de ordem pública em funcionamento, entre elas, Filipinas, Rússia, Brasil, México e Índia. Em todas estas nações somadas, os assassinos de pelo menos 96 jornalistas permaneceram impunes durante a última década. Os números demonstram a ausência da vontade política necessária para processar os responsáveis por silenciar jornalistas, muitos dos quais investigavam a corrupção ou informavam de maneira crítica sobre os líderes locais.

Em maio deste ano, o Conselho de Segurança da ONU adotou por unanimidade a resolução 2222 que insta os Estados a tomar medidas mais abrangentes para proteger aos jornalistas em situação de conflito armado e a assegurar que os responsáveis por crimes contra eles prestem contas de seus atos. A resolução é a última de uma série de medidas que a ONU adotou para enfrentar o problema. Em um relatório especial de 2014, intitulado “O caminho para a Justiça: Quebrando o ciclo de impunidade nos assassinatos de jornalistas”, o CPJ concluiu que apesar do aumento da atenção internacional, houve poucos avanços no que se refere ao número de condenações.

Em seguida, são enumeradas  algumas outras constatações obtidas a partir dos dados utilizados para elaborar o Índice de Impunidade do CPJ:

– Os 14 países que estão no índice, somados, representam 83% dos assassinatos não resolvidos cometidos em todo o mundo durante a última década encerrada em 31 de agosto de 2015.
– Nove dos 14 países do índice de impunidade têm aparecido anualmente desde que o CPJ começou a publicar a análise em 2008, o que demonstra a persistência do ciclo de violência e impunidade.
– Aproximadamente 96 % das vítimas são jornalistas locais. A maioria informava sobre a política e a corrupção em seus países natais.
– As ameaças frequentemente antecedem os homicídios.  Em ao menos quatro em cada 10 assassinatos de jornalistas, as vítimas haviam denunciado ameaças, que quase nunca são investigadas pelas autoridades.
– Quase a terça parte dos jornalistas assassinados foi capturada antes de sua morte, e a maioria deles foi torturada – uma tentativa evidente de transmitir uma mensagem intimidadora aos meios de comunicação.
– Grupos políticos, entre eles facções armadas, são suspeitos de cometer 46% dos casos de assassinato, um aumento de 6% em relação ao índice de 2014. Funcionários governamentais e militares são considerados os principais suspeitos em quase 25% dos casos.
– Em apenas 2% dos casos os autores intelectuais foram apresentados e processados.
– A metade dos países que figuram no índice de impunidade – Afeganistão, Bangladesh, Nigéria, Índia, Sudão do Sul e Síria – não proporcionaram nenhuma informação atualizada sobre as investigações de assassinatos de jornalistas para o mais recente informe bienal (2014) sobre impunidade do diretor-geral da UNESCO, o organismo da ONU que tem o mandato de promover a liberdade de expressão, o que demonstra a ausência de prestação de contas em escala internacional.

Situação do Brasil no contexto mundial da impunidade

A pesar de um crescente histórico de condenações, a violência letal contra os jornalistas continua superando a velocidade da justiça no Brasil. Com 11 casos não resolvidos, o país conservou o mesmo posto que ocupava no ano passado no índice de impunidade. Em um encontro com uma delegação do CPJ, ocorrida em maio de 2014, a presidente brasileira Dilma Rousseff se comprometeu a aplicar “impunidade zero” e a apoiar iniciativas legislativas para submeter à competência federal os crimes contra a liberdade de expressão. Desde então, foram condenados e sentenciados vários acusados dos assassinatos, em 2013, dos repórteres da editoria policial Rodrigo Neto e Walgney Assis de Carvalho. No entanto, assim como ocorre com a maioria dos casos, a prestação de contas chegou apenas aos autores materiais, mas não até os autores intelectuais. O ajuizamento dos que ordenam o assassinato dos jornalistas continua sendo um desafio chave para romper o ciclo de violência no Brasil, em particular, se levarmos em conta o fato de os funcionários governamentais locais serem os principais suspeitos na maioria dos casos

Pontuação no índice de impunidade: 0.053 casos não resolvidos de homicídios de jornalistas por milhão de habitantes

Ano anterior: Ocupou a 11ª colocação com uma pontuação de 0.045

A Abraji acha alarmante o fato de o Brasil estar no 11º lugar da lista de países. Nos últimos dias 9 e 10 de novembro, o conselheiro fiscal da Associação, Marcelo Träsel, participou da Conferência Internacional para o Fim da Impunidade para Crimes contra Jornalistas, na Costa Rica. A conferência é organizada pela UNESCO e pela Comissão Inter-Americana de Direitos Humanos da OEA.

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