Tuesday, 23 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Suzana Singer

“A grande imprensa foi passiva e demorou a perceber a gravidade do vazamento da Chevron

Na cobertura do acidente ecológico na bacia de Campos (RJ), a mídia tradicional tomou um olé da blogosfera. A chamada ‘grande imprensa’ demorou a entender a gravidade do que estava acontecendo, reproduziu passivamente a versão oficial e não fez apuração própria.

O vazamento ocorreu na segunda-feira, dia 7 de novembro, quando a pressão do óleo provocou uma ruptura do revestimento do poço. O líquido começou a subir pela coluna de perfuração e vazou também pelas fissuras do solo marinho.

A mancha de óleo foi vista no dia seguinte por petroleiros. Acionada, a norte-americana Chevron informou as autoridades, na quarta-feira, de que o vazamento acontecia em uma de suas plataformas.

No dia seguinte, agências de notícias divulgavam o incidente, com a porta-voz da Chevron falando em ‘fenômeno natural’ e calculando um escape pequeno de óleo.

Só ‘O Globo’ deu destaque ao assunto, mas em um texto tão editorializado que perdia o foco do acidente. O que acontecia no campo do Frade era só mais uma prova da ‘necessidade de Estados produtores de petróleo terem uma fatia maior dos royalties’. A Folha limitou-se a dar uma pequena nota.

Veio o fim de semana, quando a inércia toma conta das Redações. ‘Mercado’ publicou no sábado, dia 12, uma capa sobre a queda do lucro da Petrobras e, no domingo, um imenso infográfico mostrando como funcionam as sondas de perfuração, sem fazer ligação com a Chevron. Sobre o acidente, só uma nota registrava que o vazamento aumentara.

Enquanto isso, uma luz amarela tinha acendido na blogosfera. O assunto circulava nas redes sociais. No dia 10, o geólogo norte-americano John Amos, 48, da SkyTruth, uma ONG ambientalista que trabalha com fotos aéreas, divulgou em seu site, no Twitter e no Facebook, as primeiras imagens da mancha.

O jornalista Fernando Brito, do blog ‘Tijolaço.com’, já dizia que a ‘história estava mal contadíssima’, porque ‘não é provável que falhas geológicas capazes de provocar um derramamento no mar deixem de ser percebidas nos estudos sísmicos que precedem a perfuração’.

No dia 15, a SkyTruth volta à ação e publica mais duas fotos mostrando que a mancha tinha crescido. ‘É dez vezes maior do que a estimativa da Chevron’, aposta Amos.

Instigados pelos blogs, leitores começam a cobrar: ‘A senhora acredita que a cobertura está correta?’, ‘E se fosse a Petrobras?’.

Só com a entrada da Polícia Federal no caso, a Folha e seus concorrentes começaram a se mexer de fato. O conselho jornalístico ‘follow the money’ virou no Brasil, por preguiça, ‘follow the police’.

No dia 17, com o inquérito policial aberto, o assunto finalmente foi capa de ‘Mercado’ e ganhou um tom cético -pela primeira vez se aponta possível negligência da empresa. De lá para cá, toda a imprensa subiu o tom e, numa tentativa de compensar o cochilo inicial, vem cobrando duramente a Chevron, que admitiu ‘erros de cálculo’.

Não é mesmo fácil saber o que acontece em alto-mar, mas, um ano e meio depois da grande tragédia ambiental do golfo do México, é indesculpável engolir releases divulgados por petrolíferas.

Além de recorrer a ONGs e especialistas, os repórteres poderiam ter procurado os petroleiros. O sindicato tinha divulgado uma nota no dia 10. ‘Os jornais brasileiros foram decepcionantes’, diz C.W., funcionário da Petrobras que sentiu o cheiro do vapor de óleo cru, mesmo estando a cerca de 15 km do local.

Para evitar que seu nome aparecesse, ele pediu à namorada que avisasse a mídia. Ela escreveu para a Folha e para o ‘Estado’ no dia 11:

‘Boa noite, Ainda está vazando óleo na bacia de Campos, o vazamento já percorreu quilômetros. É necessário averiguar, pois noticiaram o ocorrido, mas não deram a devida atenção.’

O caso Chevron mostra que faltam jornalistas especializados em cobrir petróleo, o que é grave num país que tem uma estatal do tamanho da Petrobras e que pretende ser uma potência da área com a exploração do pré-sal.

John Amos, da SkyTruth em West Virginia, deixa um alerta: ‘Se todos esquecerem rapidamente o acidente, porque o vazamento não foi tão grande quanto o do México, aí sim será uma tragédia. Essa é uma oportunidade de questionar a gestão da exploração em águas profundas, em territórios arriscados. Porque haverá um novo acidente. E vocês devem estar preparados para isso’.”