Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Suzana Singer

“As nuvens carregadas do novo escândalo político que tomam Brasília são um tremendo desafio para a imprensa. Personagens tidos como probos estão sendo revistos, um sem-número de interesses emerge a cada nova revelação, não é fácil entender a posição do governo e a própria mídia está sob escrutínio.

A primeira surpresa do caso Cachoeira foi a descoberta de sua relação com o senador Demóstenes Torres (ex-DEM), até então uma espécie de arauto da moralidade, sempre disponível para repercutir denúncias de corrupção. Só nas páginas da Folha, ele se pronunciou contra juízes, o PC do B, Palocci, Arruda, José Sarney, Renan Calheiros…

Figura importante na denúncia do ‘mensalão’, o governador de Goiás, Marconi Perillo (PSDB), também aparece nas investigações, que apontam uma influência do bicheiro em seu governo.

Mas não sobrou apenas para a oposição. Sombras foram lançadas sobre o governador petista Agnelo Queiroz, do Distrito Federal, e sobre um assessor que dava expediente no Palácio do Planalto.

Em meio à confusão, o presidente nacional do PT, Rui Falcão, detectou uma ‘operação abafa’ de setores políticos e veículos de comunicação para tentar impedir que ‘se esclareçam plenamente’ as relações entre Demóstenes e o bicheiro.

Falcão incitou também a futura CPI do Cachoeira a investigar ‘os vínculos obscuros’ de ‘Demóstenes e sua quadrilha’ com a imprensa.

Não sei o que o presidente do PT anda lendo para achar que estão querendo colocar panos quentes no caso, já que os principais jornais e revistas do país não param de publicar grampos e denúncias.

Sobre os tais ‘vínculos obscuros’, o que veio a público, por enquanto, foi um diálogo entre Carlos Cachoeira e um de seus auxiliares, citando um jornalista da ‘Veja’. Na conversa, publicada pela própria revista, Cachoeira diz que os ‘grandes furos’ dados pelo jornalista foram passados por ele, mas que não recebeu nenhum favor em troca.

A Folha enxergou na fala do PT a intenção de investir, uma vez mais, contra a mídia. E saiu em defesa da imprensa, ao afirmar que a ‘produção de reportagens investigativas naturalmente envolve contato de jornalistas com fontes de informação de vários matizes’.

Não se sabe se algo comprometedor envolvendo a imprensa surgirá desse lamaçal. Para o PT, interessa usar o caso Cachoeira para empastelar o ‘mensalão’, que poderá ser julgado pelo Supremo Tribunal Federal nos próximos meses. O presidente do partido fala em desfazer a ‘farsa do mensalão’ montada por ‘supostos moralistas’.

A imprensa não pode cair na armadilha de permitir que um escândalo anule o outro. Tem o dever de apurar tudo -mas sem se poupar. É hora de dar um exemplo de transparência.

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O idiota

Se fosse usar o padrão de coluna de Luiz Felipe Pondé, esse título seria perfeito. No domingo seguinte, eu explicaria que só os mais limitados imaginaram se tratar de um xingamento ao colunista em questão, afinal, era só uma referência ao clássico de Dostoiévski.

O filósofo, que não tem nada da ingenuidade angelical do príncipe russo, atiçou a ira de leitores e até de uma colega. Na Sexta-Feira da Paixão, Barbara Gancia passou-lhe um pito por causa da coluna ‘Páscoa’, em que ele fez uma longa descrição de cenas de canibalismo infantil, sem explicar o que era aquilo. ‘Não me consta que parte dos atributos do colunista seja chamar para o pau (…) o próprio leitorado’, escreveu Barbara.

O filósofo não se intimidou. Em entrevista à ‘Ilustrada’ na quarta-feira passada, disse que ‘o tipo médio do leitor de jornal ou do espectador de TV é um medíocre que se acha o máximo’. ‘São idiotas e, no fundo nós, que ‘somos a mídia’, pouco os levamos em conta porque quase nada do que dizem vale a pena’, continuou.

Os leitores querem saber agora o que a Folha acha disso. ‘Quem voltaria a um restaurante no qual o garçom o chamasse de idiota e, pior, o dono do estabelecimento aprovasse a atitude do seu empregado?’, questionou o engenheiro Octávio de Almeida, 62.

A Secretaria de Redação diz que ‘a Folha entende que Pondé possa, por vezes, ferir a suscetibilidade de parcela dos leitores’. ‘Mas o compromisso do jornal com a diversidade de opiniões assegura espaço seja para a sua expressão, seja para quem, como fez Barbara Gancia, o contradiz’, completa.

Parcela dos leitores? A última fala do colunista é uma ofensa no atacado. No Brasil, a Folha é o único veículo de comunicação de alcance nacional que mantém um ombudsman, um defensor dos leitores. E provavelmente é o único no mundo que volta os holofotes para um colunista que agride compulsivamente seus clientes.”