Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

A volta do monóculo e a defesa do bom humor

Quem dera eu tivesse o dom da sátira, ou de sua irmã disparatada, a paródia. Às vezes, esses talentos poderiam tornar os comentários sobre o jornalismo do Times muito mais divertidos. Poderia começar pelas manchetes Timesianas, cheias de preposições, de que o jornal tanto gosta. (Eis aqui uma de alguns dias atrás: “Entre tropeços do prefeito, irlandeses ficam na saudade na cidade de Nova York”.)

Eu poderia inventar novos motivos para conceder anonimato às fontes. (A esse respeito, assunto que preocupa muitos leitores, comecei recentemente a abordá-lo em uma nova seção em meu blog, AnonyWatch, para não perder lamentáveis citações anônimas no Times.) Porém, acima de tudo, eu poderia escrever uma imitação divertida de um texto clássico do New York Times. Talvez eu pudesse escrever algo quase tão bom quanto a matéria do monóculo.

A matéria do monóculo, para aqueles que a perderam, era um artigo curto na seção de Estilos de quinta-feira, no início deste mês, defendendo que o uso dos óculos de uma única lente – o monóculo usado por Mr. Peanut, ou na clássica ilustração de Eustace Tilley na revista New Yorker, ou pelo coronel Klink, do seriado Hogan’s Heroes – voltara a estar na moda.

Abaixo do título “Parte Mr. Peanut e parte vestimenta excêntrica”, o texto começava assim: “Os óculos de uma única lente, item ao gosto de militares e ricos empresários do século 19, e do Mr. Peanut, vêm ganhando espaço entre cavalheiros que procuram imitar os semblantes austeros de seus antepassados de mentalidade estreita. De lugares badalados, como cafés em Berlim ou restaurantes em Manhattan, até anúncios de gim e revistas de moda, o monóculo vem ganhando sua vez entre os ornamentos do século 21, assim como as camisas quadriculadas justas e as aulas de açougueiro.”

Por que o Times publica tantos desses textos?

Observadores da mídia receberam a matéria como um presente de Natal, desembrulhando-o para chegar à mercadoria. A diversão começou no Twitter, depois que a matéria entrou online, mas muito antes de sua publicação no jornal impresso. Dustin Gilliard enviou o seguinte tweet: “O NYTimes produz um texto sobre monóculo. É tão bom/ruim como parece.” (Ninguém disse que a internet era boa em definir matizes; os gozadores ignoraram que o pequeno texto estava enfiado na seção Estilos, em sua coluna “Destaques”, tratando-o, em vez disso, como se fosse uma notícia dada em manchete de primeira página.)

Na manhã seguinte, o Washington Post estava acompanhandoa história, acrescentado, ainda, uma declaração oficial de Mr. Peanut. E rapidamente outros sites jornalísticos abordaram o assunto, inclusive a revista New York, com uma divertida retrospectiva de quantas vezes o Times havia dito que o monóculo estava de volta à moda – pelo menos cinco vezes nos últimos 112 anos. A repórter Lois Beckett, do site de jornalismo investigativo ProPublica, até trouxe Big Data para avaliar o modismo, divulgando uma pesquisa irônica sobre aparições do monóculo.

A repercussão do artigo não chocou Denny Lee, um dos editores da seção Estilos que havia trabalhado no texto desde o início. Desde que pegara o artigo, ele o lembrara de uma publicação humorística. “Quando li pela primeira vez, pensei ‘Isto é tão Onion’”, disse-me Lee na semana passada. A linguagem foi intencionalmente “exagerada”, tornando óbvio que o autor da matéria, Allen Salkin, “participava da brincadeira”.

No entanto, fiquei pensando: por que o Times publica tantos desses textos? (Exemplos recentes: artigos sobre funerais de volta ao que eram, a barba do establishment, a popularidade de ir para casa de bicicleta ao sair do bar é mínima, não passe cera nos pelos púbicos). Como é que eles surgem? E como reagem os editores quando zombam deles? Pedi a Stuart Emmrich, editor da seção Estilos, para me esclarecer. (Nem todos os textos sobre modismos são publicados na seção Estilos, evidentemente; podem aparecer nas seções Jantar, Imóveis ou mesmo nas páginas de notícias jornalísticas.)

Uma boa dose de hilaridade

“Tento ficar longe das matérias de ‘modismos’, preferindo o que chamo ‘retratos’ – às vezes, textos que ficam inseridos em matérias que ganham rapidamente destaque (normalmente, na coluna Destaques) e às vezes matérias de fundo que abrem uma janela sobre as vidas de alguns de nossos leitores”, disse-me ele. É o que ele gosta de chamar “jornalismo de reconhecimento” – “às vezes, para desespero da minha equipe”, ressalta o editor.

Algumas das ideias vêm de contribuições de freelancers, como foi o caso da coluna do monóculo. “Mas quase sempre elas surgem a partir da reunião de segunda-feira de manhã com minha equipe, onde começo com a seguinte pergunta específica: o que é que você fez, viu, ouviu, leu ou conversou com seus amigos durante o fim de semana? Isso dá uma matéria?”, conta Emmrich.

Quanto à sua reação às críticas aos artigos, o editor sabe lidar com elas: “Se vem diretamente de um leitor, tento responder com consideração e respeito. Se vem de um blog, ou de outro site qualquer, leio, em geral dou uma risada (sobretudo, se for um ataque bem escrito) e sigo em frente.”

Com uma equipe grande, uma grande variedade de seções e recursos consideráveis, o Times tem espaço, em seu menu, não só para a cobertura de crises mundiais e das tendências econômicas globais, como para coisas mais leves: resenhas literárias, restaurantes, críticas de teatro e, aparentemente, uma reflexão profunda sobre lentes oculares irônicas.

Embora as declarações de modismos e tendências do Times possam, às vezes, parecer exageradas e fora da realidade, também podem – em todo seu esplendor – provocar momentos de reconhecimento e de conversa animada. E por eventualmente proporcionarem uma boa dose de hilaridade, façamos preces para que nunca desapareçam.

A propósito, acabei de chegar de uma ida a Bushwick de bicicleta. E fico pensando: alguém já notou quantas mulheres estão usando óculos com cabo, como aqueles de ópera, ultimamente?

******

Margaret Sullivan é ombudsman do New York Times