Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Quando as fontes mandam no jogo

Às vezes, uma única frase pode ser uma janela para o mundo.

Uma frase deste tipo apareceu em um artigo de primeira página de Sabrina Tavernise, no mês passado, sobre as novas orientações da FDA [Food and Drug Administration] para cigarros eletrônicos. A frase dizia o seguinte: “As autoridades da FDA deram aos jornalistas um panorama das novas regras na quarta-feira, mas solicitaram que nada fosse dito à indústria ou aos grupos de saúde pública até a divulgação formal dos documentos, na quinta-feira”.

Esse é um conceito que revolta os jornalistas: o governo dizendo com quem podem e não podem falar.

Ira Stoll, ex-chefe de redação do New York Sun que escreve no site Smarter Times, foi um dos leitores a quem a frase incomum chamou a atenção. Ele abordou algumas questões válidas com uma sensação de indignação: “Quem deu à FDA o poder de impedir os jornalistas de fazerem perguntas? Por que algum jornalista iria obedecer a essa solicitação? Teria o Times concordado com a exigência, e, se concordou, obedeceu por concordar? Qual é a base lógica da FDA para esse tipo de restrição?”

Embora a frase fosse estranha – e uma admirável parcela de transparência para os leitores do Times –, a prática de usá-la vem se tornando mais comum, e não apenas quando repartições governamentais têm alguma declaração importante, mas também no meio empresarial. “Isso é uma coisa que nunca existiu, mas agora estamos vendo cada vez mais”, diz Stephanie Strom, que é repórter do Times há 27 anos.

“Eu senti que queria ser clara com os leitores”

Tudo isso faz parte do controle da mensagem que é dirigida ao público. A prática da “aceitação prévia de citações”, na qual as fontes ou seus assessores de imprensa revisam as citações de uma entrevista após o fato, é outra maneira de fazê-lo. O Times baniu essa prática em 2012.

Ao conseguirem, por antecipação, que os jornalistas concordem em não coletar a reação pública quando divulgarem a informação, as empresas – ou uma repartição do governo – podem obter uma versão “mais pura” da matéria inicial, e não uma diluída por críticas ou reações negativas. Do ponto de vista das relações públicas, é coisa de gênio. Do ponto de vista jornalístico, é preocupante.

Sabrina Tavernise disse-me que a FDA apresentou a proposta aos jornalistas de uma maneira positiva: ela lhes daria a vantagem de compreender antecipadamente um documento denso e complicado. No dia que antecedeu a reunião em que foram divulgadas as novas orientações, na sede dos Serviços de Saúde e Humanos, a FDA enviou e-mails aos repórteres para comunicar-lhes as regras do jogo e obter sua concordância. Mais de uma dúzia de jornais, agências de notícias e outras organizações jornalísticas estavam presentes; pelo que sei, apenas o Times informou seu público sobre o acordo que fora feito. “Eu senti que queria ser clara com os leitores”, disse Sabrina Tavernise. “Numa matéria como essa, normalmente haveria uma reação, mas não neste caso.” (Devido às reportagens que fizera anteriormente e com base no que acreditava que seriam as orientações, Sabrina conseguiu escrever uma matéria equilibrada que incluiu parte das perspectivas, embora obedecendo às condições restritivas.)

Uma prática a ser erradicada

Erica Jefferson, porta-voz da FDA, disse-me que a intenção não fora manipular, mas dar aos repórteres um acesso antecipado a um conjunto de notícias complicado. Por terem apenas ouvido as informações, e não recebido o documento propriamente dito, não teria sido sensato, segundo ela, pedir a especialistas de fora que comentassem sobre algo que não tivessem visto. Erica ainda destacou que, como as atividades da FDA são vinculadas a muitas restrições legais e têm capacidade para mover mercados, a informação tem que ser tratada com cuidado.

“Dissemos aos repórteres que assim que o documento fosse liberado a matéria poderia ser atualizada” com comentários externos, disse Erica. No Times, a reação foi incluída no dia seguinte, num artigo com menor exposição. Ela também disse que Sabrina Tavernise não se opusera às restrições antecipadamente – a repórter disse-me que esta informação era correta; que ela estava mais atenta à notícia propriamente dita.

Stephanie Strom, que cobre a indústria alimentar, também me disse que esse tipo de exigência já acontecera com ela. Às vezes, ela diz à empresa que não tem como obedecer à restrição de não falar com especialistas ou concorrentes por um primeiro dia; e às vezes acha que o furo vale a restrição. Por exemplo, um artigo publicado em dezembro do ano passado sobre um novo grande contrato vencido pela Pepsi não incluiu, por acordo, comentários externos. Stephanie Strom disse que, naquele caso, não achou que fosse vital. Ela não gosta dessa prática crescente, mas a alternativa é perder uma vantagem competitiva. “Se uma matéria for sair na primeira página dos principais jornais, na MSNBC, na Fox etc, a pressão para que também o façamos é muito grande”, afirmou.

Perguntei ao editor de padrões de ética do Times, Philip B. Corbett, sobre o assunto. Ele concordou que atualmente há cada vez mais esforços para que as fontes controlem a maneira pela qual a informação vem a público. E isso, disse, é “uma preocupação legítima”. “Sempre que uma fonte cria restrições em relação a como e quando podemos falar com as pessoas, isso é algo que me preocupa”, afirmou. “Os repórteres tem que discutir o assunto com seus editores e talvez seja o caso de discuti-lo com um dos editores do primeiro escalão”. Concordar com as restrições talvez não seja aceitável, disse ele, mas isso tem que ser ponderado de acordo com o valor jornalístico da matéria.

Assim como a “aceitação prévia de citações”, esta prática deveria ser erradicada. Gostaria de ver o Times rechaçar – com veemência – essas restrições em todas as suas instâncias e, inclusive, estar preparado para abandonar a matéria, se necessário.

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Margaret Sullivan é ombudsman do New York Times