Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

A difícil tarefa de cobrir assassinatos em massa

O jovem, impassível, em pé na calçada próxima à Union Square, na semana passada, empunhava um cartaz grande, com letras cor-de-rosa berrantes. Dizia: “Eu mereço mulheres loiras atraentes.” Fiquei pensando se seria um comentário político de ironia ao feminismo ou se pretendia parecer hostil.

De qualquer maneira, era claramente inspirado no tiroteio próximo à Universidade da Califórnia, em Santa Bárbara, cerca de uma semana antes. O assassino, Elliot Rodger, saiu à caça de jovens mulheres bonitas, segundo disse, porque elas o rejeitavam sexualmente.

Mas é uma “inspiração” muito mais extremada que preocupa Ari Schulman, que reflete e escreve sobre as consequências da cobertura de tiroteios em massa. Depois que o Times divulgou um manifesto de 141 páginas e um depoimento num vídeo feitos pelo atirador da Califórnia na semana passada, Schulman escreveu-me. Ele argumentava que a publicação dessas declarações – que ele vê como uma forma de propaganda – perpetua uma cultura na qual a violência é recompensada pela fama.

“Existe um acordo tácito que se você estiver frustrado e furioso, tudo o que você tem a fazer para divulgar seus sentimentos é matar uma porção de gente”, disse-me mais tarde, numa entrevista, Ari Schulman, editor-executivo da publicação trimestral The New Atlantis, dedicada a tecnologia e sociedade. Ele mencionou um “efeito consciente de imitação” que pode ser detectado na sequência de massacres, de Columbine à faculdade de Virginia Tech e a Newtown, no estado de Connecticut. A mídia, diz, “tem sido praticamente um participante perfeito” na “reação ritualística” que incentiva estes episódios abomináveis. Já passa da hora, acredita ele, de repensar e mudar essas coisas.

A exaltação dos assassinos

Ari Schulman não foi o único, entre os leitores do Times, a refletir sobre a questão. O professor Steven M. Gorelick, da Universidade Hunter, escreveu que se perguntava “o que poderia ter pesado na decisão do Times de divulgar o vídeo arrepiante feito por Rodger antes de continuar em sua sanha assassina”. Ele perguntava-se se “era simplesmente o caso de um direito do público à informação, ou se havia alguma discussão de fundo sobre qualquer tipo de impacto negativo que a divulgação do vídeo poderia ter tido”.

Para a maioria dos jornalistas, o instinto de publicar aquilo de que têm conhecimento – ao invés de segurar a informação – é muito forte. No entanto, quase todos os artigos refletem opiniões e decisões sobre o que usar e o que não usar. Ao contrário de muitos outros veículos, o Times não divulgou os depoimentos de imagem e escrito à luz do sensacionalismo – mas publicou-os.

Kelly McBride, que escreve sobre ética no jornalismo, acredita que “há um valor democrático na publicação e menção do manifesto de Elliot Rodger. O assassino de 22 anos deixou-nos uma janela de 141 páginas para sua mente transtornada”. Porém, num texto que escreveu para o Poynter.org, ela recomendou: “Não o publiquem, acrescentem contexto. A coisa de maior valor que os jornalistas podem fazer talvez seja conseguir que psiquiatras e psicólogos comentem o documento.”

Ari Schulman vê a coisa de outra maneira. Os obstáculos à publicação destes documentos e vídeos, diz ele, deveriam ser maiores, e a atenção que lhes é dada pela mídia deveria ser menor – “talvez uma simples menção, de passagem, de que existem”.

A questão de exaltar um assassino sem querer não é nova. Quando a revista Rolling Stone publicou a foto de um dos suspeitos do atentado à bomba na maratona de Boston em sua capa, muita gente protestou, dizendo que isso o fazia parecer atraente. (Antes da revista, o Times já publicara a mesma foto.) Quando o Times publicou na primeira página uma fotografia do atirador de Newtown, que matou 26 pessoas na Escola Sandy Hook em 2012, alguns leitores reclamaram pelo mesmo motivo.

Minimizar o “manifesto”

E o Times publicou uma matéria, em dezembro passado, sobre pessoas no estado do Colorado que, com base no mesmo modo de pensar, querem que a mídia deixe de publicar até o nome dos assassinos em massa. Sua ideia – mais extremada do que a proposta de Ari Schulman – conseguiu algum apoio.

Conversei com a editora da seção Nacional do Times, Alison Mitchell, sobre o assunto. Ela disse-me que as decisões sobre o uso desse tipo de material não são fáceis de tomar. “Em todos esses casos, nós pensamos sobre o assunto. E as decisões são tomadas após muitas discussões, não são irrefletidas”, afirmou. Neste caso, o vídeo e o manifesto eram tão integrais para compreender a motivação dos crimes, disse ela, que “não estaríamos, muito conscientemente, contando grande parte da história”. Os leitores do Times “querem ver e julgar por si próprios”, completou Alison. “É um desserviço tentar protegê-los.”

Como jornalista de muitos anos, meus instintos, presumivelmente, alinham-se aos de Alison. De uma maneira geral, não acredito em não revelar informações pertinentes ao público. Quando comecei a escrever esta coluna, tinha pensado em deixar de fora o nome de Elliot Rodger. Isso, no entanto, provou ser impossível, assim como seria impossível que as organizações jornalísticas deixassem de mencionar os nomes de outros assassinos em massa.

Entretanto, acho estimulante o raciocínio de Ari Schulman. São muito os fatos que fazem parte dessas explosões de violência: o fácil acesso a armas, doenças mentais, às vezes, misoginia, e muitos outros. A atenção da mídia é, indiscutivelmente, um deles. E a ideia de minimizar o “manifesto” de um assassino deve, pelo menos, ser levada em consideração, ao ser analisado caso por caso. Podemos não ter opção senão divulgar o nome dos assassinos, mas não somos obrigados a providenciar uma plataforma para cada uma de suas opiniões distorcidas.

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Margaret Sullivan é ombudsman do New York Times